INTRODUÇÃO
O Período regencial é visto tradicionalmente como um período de crise, tendo de um lado a elite moderada do sudeste pretendendo consolidar seu modelo de independência, e de outro, as elites regenionais e as camadas populares contestando a centralização, com projetos variados, ou até mesmo sem um projeto político definido. Nesse quadro encaixa-se a SABINADA, ocorrida na Bahia entre 1837 e 38.
O texto que se segue, de Júlio José Chiavenato, procura explicar esse movimento de contestação, comparando-o inclusive com outros movimentos da época.
O MOVIMENTO
A independência oficial do Brasil, prevalecendo sobre a libertação sonhada pelos patriotas – para usar uma palavra em voga na época – frustrou grande parte da população. A independência oficial sedimentou uma estrutura econômica e política herdada da Colônia, pouco alterando a situação das massas e, por adotar um centralismo autoritário, pressionava também o sistema político nas províncias.
A oportunidade perdida de democratizar a prática política, de um lado, e a insistência em manter inalterado o instituto da escravidão, de outro, praticamente fizeram aflorar todo o anacronismo do Estado brasileiro, provocando várias reações. Entre elas a Sabinada, na Bahia, e a Farroupilha, no Rio Grande do Sul.
Os sabinos, mesmo manifestando fidelidade monárquica, proclamaram uma república provisória. Marcavam seu desejo de separação do govemo central respeitando o rei-menino, como demonstra seu programa, proclamado quando tomam Salvador em 7 de novembro de 1837:
“A Bahia fica desde já separada, e independente da Corte do Rio de Janeiro, e do Govemo Central, a quem desde já desconhece, e protesta não obedecer nem a outra qualquer Autoridade ou ordens dali emanadas, enquanto durar somente, a menoridade do sr. dom Pedro II.”
Apesar da aparente participação popular na Sabinada, prevalecia entre os revoltosos a classe média. Foi a insurreição mais discutida da história do Brasil, enquanto se processava. Curiosamente, apesar de tanta discussão nos inúmeros jomais baianos da época, hoje é geralmente desprezada pelos historiadores.
Há pontos em comum entre os sabinos e os farrapos. O líder farroupilha Bento Gonçalves esteve preso em Salvador, onde influiu sobre o ânimo dos baianos. Ao contrário dos gaúchos, porém, os baianos agiram menos e falaram mais.
Esta constatação não diminui os sabinos: marca o tom das duas revoltas. Identificavam-se principalmente com o anticentralismo imperial: os sabinos, mais retoricamente ideológicos, e os farrapos, mais pragmáticos.
É sintomático que um dos motivos imediatos da eclosão do movimento baiano seja a fuga de Bento Gonçalves da cadeia, facilitada por seus companheiros de idéias em Salvador. É que o líder baiano, o médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, que deu o nome à insurreição, cumprira pena no Rio Grande do Sul: um degredo por assassinar o político conservador Ribeiro Moreira, em 1834. No Rio Grande, Sabino conviveu com as idéias farroupilhas e ficou amigo de Bento Gonçalves, que, por sua vez, seguiu preso para a Bahia em 1837.
Só em 1836 é que Sabino voltara à Bahia. Se as idéias se assemelham, a prática é outra. Os baianos são letrados e propagam seu ideário pelos jornais. Tentam convencer o povo da justiça de sua causa. E lutam, pode-se dizer, com uma elegância revolucionária clássica – se isso existe… Os gaúchos falam para justificar suas ações, as palavras pouco têm que ver com a realidade e, na guerra, desprezam tudo o que impede a vitória.
Paradoxalmente, são os gaúchos que conseguem mais povo na sua guerra: talvez pela visão senhorial da sociedade, encarando os pobres, especialmente os negros escravos, como massa de manobra a quem não devem explicações e obrigam a seguir seus donos.
A Sabináda obtém a vitória em 7 de novembro de 1837, com a adesão de parte das tropas do govemo. As autoridades imperiais fogem de Salvador e é proclamada a república. Os sabinos não conseguem, porém, convencer o interior da Bahia, especialmente o Recôncavo, a aderir ao movimento. São os grandes senhores do Recôncavo que ajudam o govemo imperial a sufocar a insurreição.
O Império contra-ataca e vence, em 15 de março de 1838. O comandante Crisóstomo Calado excede-se na repressão, deixando mais de mil mortos e três mil feridos. Incendeia Salvador e joga nas casas em fogo os defensores da república baiana. Muitas vezes armavam fogueiras para queimar vivos os vencidos. Os que escapam com vida são julgados pelos grandes senhores rurais, os júris de sangue.
Se gente do povo é queimada, só três dos líderes são condenados à morte. Mas ninguém é executado: o próprio Sabino tem a pena comutada para degredo intemo e morre pacificamente em Mato Grosso.
Para alguns historiadores parece estranho que um movimento como a Sabinada, que não chegou a apresentar o perigo de autonomia popular como a Cabanagem, por exemplo, tenha merecido tão violenta repressão. Bem mais violenta que a dedicada aos farrapos, que ameaçaram mais gravemente a coesão do Império.
Porém, se na Sabinada não houve a mesma participação popular da Cabanagem, nem o vigor da Farroupilha, ela foi muito mais nítida ideologicamente. As idéias que a nortearam, quase todas da Revolução Francesa, eram veiculadas nos jomais por intelectuais competentes, dentro de uma tradição retórica que ensaiava impor-se na práxis política. Com os farrapos era possível um acordo – Porongos à parte, como veremos – mas com os sabinos era diferente: eles tinham convicção ideológica.
Talvez a “vingança” se explique pela perda de controle dos líderes sobre os setores mais “franceses” da insurreição. No decorrer da luta surgiram correntes agredindo a aristocracia, divulgando na imprensa suas perigosas idéias. Estas idéias são bem marcadas num dos hinos publicados:
Defende o altar e o trono,
Derruba a aristocracia.
Porém essa confusão ideológica – altar e trono sem aristocracia – não significa ascensão do povo. É uma reação contra o apoio que a aristocracia baiana dá ao lmpério, fornecendo gente para sufocar a rebelião. Nem por isso deixou de assustar as classes dominantes, que agiram para “cortar o mal pela raiz”.
Mais uma vez a história repete-se como tragédia: uma lição do poder, com sua pedagogia do terror, para que seu núcleo ideológico não seja posto em questão.
Os fatos, às vezes, são menos importantes que sua interpretação – como ousadamente propôs Edward Carr, em um dos seus ensaios sobre histórias. As idéias perrnanecem; os fatos podem ser sepultados em documentos… que pouco dizem, se não são severamente interrogados, como ensina o historiador Marc Bloch.
Será que por falarem melhor do que agem, os sabinos deixam uma lição mais profícua ao povo?
Será isto que o Império, melhor que os historiadores, entendeu?
Texto extraído do livro “As lutas do povo brasileiro” Júlio José Chiavenato da Ed. Moderna
Fonte
Extraído do blog "Tok de História", do historiógrafo e pesquisador do cangaço - Rostand medeiros