*Rangel Alves da Costa
Ontem, através da amiga Daniela Alves, recebi uma mensagem estarrecedora sobre a situação atual do nosso tão querido Riacho Jacaré. Com a mensagem, fotografias que comprovavam a alarmante situação de descaso, de abandono e degradação.
Em escrito melancólico, dizia Daniela: “Nosso Rio Jacaré está morto, está cheio de lixo. É uma tristeza perceber que o riacho de nossa infância acabou destruído desse jeito. Já tomei banho nas suas águas e muito me dói avistá-lo agora assim desse jeito. Os governantes nada fazem, mas a população precisa tomar consciência dessa situação. O povo de Poço Redondo precisa chamar para si a responsabilidade pela vida e, infelizmente, também pela morte do Jacaré. Nosso rio ficou assim também por culpa do povo, que ao invés de proteger, de limpar, de exigir cuidados por partes dos governantes, prefere fazer dali um lixão”.
Plena razão nas observações de Daniela. O Jacaré é o rio que escorre na veia-vida de Poço Redondo. Através de seu leito, de suas águas e de suas margens, toda uma povoação foi gestada. Foi de um poço aberto no seu leito que a povoação ganhou nome. Poço Redondo nasceu, criou-se e caminha pelas suas margens. Nada seria possível sem as suas águas.
Em tempos passados, quando seu leito era aberto e entremeado de pedras grandes e suas margens eram tomadas de árvores e plantas, bastava que chovesse forte nas cabeceiras para que as cheias se tornassem motivos de festas. Depois de duas águas - a primeira trazendo restos e imundícies e a segunda já varrendo o restante das impurezas -, a terceira água era para os banhos, para os “batins”, para as festas dos olhares e corações cheios de encantamento.
Ali, ao redor das pedras grandes, as lavadeiras antigas, a gadama enganando a sede, os couros sendo curtidos e as sujeiras logo levadas nas águas muitas. Quem, no passado, não se enchia de alegria quando no meio da noite as cheias chegavam em grandioso espetáculo? E um mundão de gente acorrendo às suas margens para presenciar aquelas águas ecoando mistérios e alegrias. Uma festa da natureza.
Mas o que fizeram com você, oh meu rio? Com o passar dos anos, as pedras grandes foram quebradas e transformadas granito e blocos de construção, seu leito foi transmudado em chiqueiros, sua vegetação ciliar foi dizimada, seu coração tornado lixões. Muitos até temem caminhar por onde antes era vida em flor, muitas vezes ressequida, mas com a certeza de que logo tudo novamente transbordaria.
Hoje, e infelizmente, apenas a tristeza e o lamento. As poucas águas que chegam ficam represadas e, na junção de lixo e outras imundícies, logo transformadas em focos doentios e perigosos demais para a saúde da população que vive nas suas proximidades. Além disso - até fato difícil de acreditar -, pessoas se acham no direito de passar arames de lado a outro, tomando posse daquilo que, moribundo ou já sem vida, ainda é da população de Poço Redondo.
O Jacaré é o rio de Poço Redondo, é o nosso rio, e não podemos deixar que a desvalia tome conta de tudo. Cada habitante de Poço Redondo deveria ir até suas margens, caminhar pelo que resta do seu leito, e sentir de perto o que fizeram com sua veia-vida, com o rio de sua história. E talvez, redimindo-se pelo descaso, pelo abandono e esquecimento, juntar forças para o seu renascimento. Fazer sozinho, fazer junto com o outro, bater à porta dos poderes.
Lembro-me agora de um poema de Fernando Pessoa falando que o rio que passa pela sua aldeia não é o maior nem o mais grandioso dos rios, mas é o mais belo rio, pois é o rio que passa pela sua aldeia. E o Jacaré é o rio que passa pela minha aldeia. Por isso precisamos urgentemente fazer algo para que seja renascido, pois é o mais belo rio. É o rio que passa pela minha aldeia.
Escritor
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