*Rangel Alves da Costa
Quando Padre Beatino chegou para assumir os destinos da paróquia, logo tomou um susto ao ultrapassar as portas da igreja. Diante de seu olhar espantado nenhum santo no altar, nas paredes laterais, em nenhum lugar. A única coisa que encontrou foi o Senhor crucificado na cruz ao fundo.
Assim que perguntou a zeladora da igreja, o que ouviu como resposta o deixou ainda mais avexado: “Aqui tinha de tudo que era santo. Tinha São José, São Benedito, São Judas Tadeus, São Lucas, Santo Antônio, São Francisco de Assis, São Sebastião, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora Aparecida, São Lázaro e muito mais. Mas foi tudo roubado por gente daqui mesmo, por pessoas de nossa comunidade”.
Esbravejando, fúria ainda maior quando o Vigário Beatino ficou sabendo dos reais motivos do sumiço dos santos. “Uma cambada de ladrões, de pecadores, isso é o que são. Quem já viu dizer roubar santo da igreja pra pagar promessa? Que façam suas promessas, mas oferecendo como sacrifício a própria alma pecadora e não levando do altar todo o tipo de santo. Certamente só não levaram o Jesus Crucificado por causa da altura e do peso. Eita cambada de gente sem fé e sem Deus!”.
Com efeito, não havia sido outro motivo para tanto roubo de santo. Não havia São José que fosse colocado ali e que de repente não sumisse. O mesmo com Santo Antônio e tantos outros. Um mesmo santo foi roubado e devolvido mais de cinco vezes. Na última, voltou sem a cabeça. E tudo como objeto e meio de promessa. Contudo, uma promessa inversa. Não se levava o santo como agradecimento por uma dádiva recebida, e sim para colocá-lo em sacrifício em troca de obtenção de favor.
Significa dizer que o santo levado da igreja era colocado em situações vexatórias, deploráveis a uma santidade católica, e sendo retirado dessa situação somente quando atendesse a determinado pedido. Enquanto uma prometia que se sua filha casasse virgem o santo receberia uma fita bonita de agradecimento, outra simplesmente colocava um pano nos olhos e dizia que dali só retiraria se o esposo deixasse de vez outra mulher que vivia em safadeza.
Por ali não havia promessa que não implicasse em sacrifício de santo. Quando uma dizia que havia feito uma promessa, logo a vizinha lhe perguntava qual santo ia sofrer até atender ao pedido. A cada juramento e um buraco cavado, uma corda em nó, uma caixa fechada, um pano preparado, uma faca afiada, uma estripulia qualquer. Pra que? Ora, para sacrificar o coitado do santo. A imagem era colocada em sacrifício até resolver ajudar uma a se casar, outra a desapaixonar, outra perder cinquenta quilos, e ainda outra a conhecer um cantor ou artista de televisão.
Por isso mesmo dizem que até hoje santos são desencavados de buracos, são retirados de dentro de paredes, são encontrados nos escondidos das cumeeiras, são salvos debaixo da água de rios e riachos. Certa feita, uma rixosa com vizinha pendurou um São José em situação das mais esquisitas. Com uma corda amarrada ao pescoço, o bondoso santo foi dependurado um metro abaixo da cumeeira, onde ficava balançando como um sentenciado de morte por enforcamento. Todo dia a mulher ia lá e dizia que apertaria logo a corda de vez se a vizinha não se mudasse logo. Acabou ela mesma indo embora dali e o São José ficando pendurado até que foi salvo por um novo morador.
Santo Antônio, por ser famoso casamenteiro, dadivoso aos corações carentes e das solteironas sonhadoras com macho, era um dos santos que mais sofria. Era não, pois continua suportando terríveis martírios. Era levado da igreja às escondidas e completamente enterrado de cabeça pra baixo, dali com a promessa de só sair quando arrumasse namorado ou esposo. Tinha gente que chegava ao extremo de desapartar a cabeça e prometendo juntá-la novamente após tal homem visitar sua cama. Absurdos assim aconteciam e ainda acontecem passo a passo. Por isso que não havia santo que encontrasse segurança na igreja. Nem na do Padre Beatino nem das demais.
Já com São Judas Tadeu, o santo dos desesperados e das causas impossíveis, aconteceu uma inacreditável malvadeza. Teve a cabeça desapartada do corpo em troca de uma jumenta. O cabra afanou o santo da igreja e a primeira coisa que fez ao chegar em casa foi separar sua cabeça. Em seguida colocou juntou aos pés e disse que somente voltaria ao seu lugar quando seu compadre resolvesse lhe vender a jumentinha. Não se sabe se por intercessão do santo, a verdade é que não demorou muito e o animal já estava em seu poder. Só que não cumpriu a promessa e deixou São Judas desprovido de cabeça. Não demorou muito tempo, a jumenta lhe quebrou o pescoço numa queda.
Foi por essa e outras que na primeira missa o Padre Beatino falou: “Aqui só tem ladrão de santo”. E todo mundo olhou para o outro, desconfiado.
Escritor
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