Por João Filho de Paula Pessoa
Conta-se que por volta de 1926, quando Lampião andava pelo Ceará já como
capitão, certa vez, após alguns combates nos sertões de Pernambuco e
Paraíba, fugiu pelo sertão cearense e embrenhou-se na remota caatinga em busca
de refúgio e ao longe, avistou uma precária casa de taipa no meio do nada e foi
até lá em busca de água e comida, ao se aproximar percebeu que não havia
rebanho, nem criações, mas havia pessoas na casa. Mandou um de seu cabras
chamar o morador, que o fez, porém sem resposta, mandou então que batesse na
porta, sem derrubar, pois estavam em terras de Pe. Cícero, este bateu várias
vezes, mas não abriram. Lampião impacientou-se e foi até a porta e bateu fortemente
com a coronha de seu rifle, ordenando que abrissem senão poria a porta à baixo.
A parte superior da porta abriu-se pela metade e por esta brecha ouviu-se uma
fraca voz perguntar o que queriam. Lampião anunciou-se dizendo que vinham em
paz e precisavam de água. Disse a voz, que tinham água, mas que de sua água
Lampião não poderia beber. Lampião irritou-se pela insolência e disse que
abririam fogo contra a casa e pegariam a água de qualquer jeito e mandou o
bando preparar as armas para abrirem fogo, momento em que a porta se abriu por
completo e mostrou duas almas moribundas envoltas em trapos brancos encardidos
por todo o corpo, inclusive nos rostos, mais parecendo umas múmias vivas com
cheiro de morte. Lampião assustou-se pavorosamente, baixou a guarda e todos do
bando também baixaram as guardas assustados. Uma destas criaturas desenrolou os
panos da cabeça e mostrou seu rosto desfigurado pela lepra, que já tinha
corroído parte de seus lábios e nariz, sua bochecha, deixando aparente e
expostos seus dentes e mandíbula lateral até a orelha, também já corroída pela
doença, e num ar desafiador e desesperançoso encarou Lampião e esperou por sua
atitude, como se não temesse a morte. Lampião nesta hora escureceu a vista, a
tontura tomou conta de seu corpo e atônito lutou par manter-se em pé,
extremamente impressionado enfrentou o desmaio e o calafrio, o suficiente para
fazer o sinal da cruz três vezes, beijar seu escapulário e retirar-se vexado
dalí aos enjoos, levando consigo aquela perturbadora visão, que atrelada à suas
inúmeras crenças e superstições, tornou-se um tormento em seus medos,
presságios e pesadelos por muito tempo.
João Filho de Paula Pessoa,
Fortaleza/Ce. 26/02/2020.
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