*Rangel Alves
da Costa
Um menino
tropeça no vento e voa. Mas um cego tropeça no vento e cai.
Como é bom
caminhar, avistar o mundo, divisar os horizontes, ter diante do olhar o pôr do
sol e a última revoada que passa. E ao avistar tamanha beleza, diz ao cego que
está ao lado, que num instante se levanta tomado de emoção, então tropeça no
vento que passa e cai.
A mulher
estende a roupa e chama a ventania. Mas um cego tropeça no vento e cai.
Como é bom
sentir o sopro do vento, seu avanço sobre o varal, as roupas esvoaçando e
também as folhagens dos arredores. Quem o avista sabe se vai chover, sente como
passa varrendo tudo ou apenas enxuga a roupa. E quando um pano se desprende do
varal e é levado, e a mulher logo grita, o cego se levanta querendo ajudar, mas
tropeça no vento e cai.
Ao entardecer
sobre as calçadas, entre proseados e cadeiras espalhadas, pessoas celebram a
brisa boa e vão comentando sobre as realidades ao redor, sobre as novidades que
passam, sobre o céu nublado que vai se formando e a ventania que parece querer
tomar o lugar da refrescante aragem. O cego quer se aproximar para ouvir mais
de perto, porém tropeça no vento e cai.
Nem com a
força de vendavais, aquela árvore centenária geme sua idade. Mas o cego tropeça
no vento e cai. Só depois de muita força a janela é aberta pela ventania. Mas o
cego tropeça no vento e cai. Um passa correndo, pulando por cima de tudo,
enquanto outro parece até voar querendo ser o primeiro a chegar, e ninguém
tropeça e cai. Mas o cego tropeça no vento e cai.
O pássaro voa
solene, singelo, cortando horizontes e seguindo adiante. O avião faz seu risco
no ar e vai sumindo entre as nuvens, longe, cada vez mais longe. A pipa sobe
desajeitada, querendo seguir, querendo voltar, mas depois toma os espaços como
a coisa mais bela, enquanto menino a domina com apenas dois dedos. Tudo assim
com seu voo, seu passeio pelo ar, sua dança nas nuvens. Mas o cego tropeça no
vento e cai.
O bêbado vai
de calçada a outra, titubeia sem cair. Mas o cego tropeça no vento e cai.
As folhas
secas e mortas vão seguindo pelo ar. Seguem o caminho, o impulso, a força do
vento. Bem assim com a poeira que se desprende das coisas velhas e se junta ao
pó que vai sendo soprado até se espalhar mundo afora. Tudo tem seu momento e
sua lógica de acontecer. Nada estranho no graveto que vai sendo arremessado
pela rua ou pelos restos que vão sendo soprados adiante. Mas nada normal quando
um cego tropeça no vento e cai.
O ser humano
precisa discernir sua estrada, precisa escolher o melhor caminho a seguir. É
este poder de decisão que o torna capaz de ser dono do próprio destino. Mas
qual estrada seguir, qual caminho escolher, qual poder de decisão naquele que
nada avista adiante, e não por que deseje que seja assim. Quer também ter sua
estrada, até tenta dar um passo sem medo, mas logo tropeça no vento e cai.
Mas não
somente o que tem cegueira na visão que tropeça no vento e cai. Cego é também
qualquer um que podendo avistar não deseja fazê-lo com os olhos da razão. O
cego de visão conhece os seus limites, sabe que está propenso ao passo em
falso, mas o cego de razão sabe que vai cair e ainda assim caminha ao
precipício. Mas o vento que faz tropeçar e cair não é o mesmo para os dois. Há
num a tentativa de acerto, enquanto no outro há tentativa de erro. Um cai pelo
tropeço do vento, o outro nem precisa de qualquer sopro para cair.
É que o homem
é frágil demais. Qualquer vento lhe surge como ameaça. Um cego tropeça na sua
passagem e cai. Mas qualquer um que pretensiosamente se ache em segurança ou
forte demais, de repente poderá ser transformado em frangalho que se desprende
de varal. O cego tropeça no vento e cai, mas igual folha seca será aquele cuja
visão perfeita não lhe permita enxergar o que está além de seu passo.
Escritor
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