Por Raul Meneleu Mascarenhas
Lampião tinha
sido convidado por um de seus coiteiros, chamado de Chico Gordo, para comer um
peru em sua casa. Lampião então escolheu alguns cangaceiros para ir com ele, os
demais mandaram que o esperasse na Lagoa do Rancho, na casa de outro coiteiro
chamado Silvestre. (1)
Como todos nós sabemos, ele além de ser muito religioso, (nesse caso essa
religiosidade para mim era mera conduta supersticiosa, pois temia desagradar a
Deus, ao Santos e aos padres) também se achava um homem decente. Gostava de
mostrar isso quando se tratava mulheres violentadas, nunca admitiu que um
"cabra" de seu bando violasse uma mulher e continuasse vivo. O amor
era livre, mas o amor correspondido, nunca o amor forçado, amor de violência...
(alguns autores mostram que ele próprio cometeu em algumas ocasiões, violências
contra algumas mulheres)
Pois bem, esse fato se deu com o bando em Lagoa do Rancho, no interior da
Bahia. O bando estava aguardando a volta de Lampião da casa de Chico Gordo,
quando soube que Sabiá(2) - Terceiro Sabiá, e se chamava Antonio Caboclo -
havia estuprado a filha do fazendeiro/coiteiro.
Lampião foi ver a filha de Silvestre e deparou-se com as queixas do pai e o
desespero da mocinha, que tinha apenas 13 anos de idade. Esta, chorava e estava
em estado lastimável. O autor do crime, Sabiá, era um rapaz forte, com dezoito
anos de idade e era novo no bando.
Lampião ficou furioso e mandou que chamassem Sabiá, que a estas alturas já
tinha "voado" e encontrava-se entrincheirado em umas pedras, pois não
tinha ido muito longe. (O relato dessa estória, encontramos em diversos livros
- Aglae Lima de Oliveira; Oleone Coelho Fontes; Bismarck Martins Oliveira, e
jornal o Globo)
Na estória contada por Volta Seca (3) - Sabiá tomando consciência que seria
morto por Lampião, caíra no mato a uns quinhentos metros da fazenda. Lampião,
depois do ver o estado que ficou a filha do fazendeiro, falou para Volta Seca e
Gavião irem buscar Sabiá.
"Eu e Gavião saímos em busca de Sabiá e o encontramos em umas pedras
grandes, e quando nos aproximamos ele gritou: "Não avancem mais um passo
que abro a cabeça dos dois a bala!" - Olhei para Gavião e certifiquei-me
que ele faria mesmo o que prometera, mas mesmo assim lhe falei: Sabiá, o
Capitão quer lhe falar, e nos mandou buscar você. A resposta não tardou;
"Pois eu não vou e vocês não se aproximem. Se o Capitão que falar comigo
que ele mesmo venha me buscar!"
Volta Seca nessa entrevista disse: "Achei muita ousadia, mas não tentei
captura-lo. Seria loucura, pois estando num ponto ideal para defender-se,
mataria nós facilmente. Olhei para Gavião e retornamos à fazenda. Lampião,
quando nos viu perguntou intrigado: "Cadê ele? Fugiu?" - "Não,
senhor, respondi, "Sabiá está entrincheirado ali numas pedras aqui
perto". - "Por que não trouxeram ele?" retornou Lampião -
"Porque ele nos mata. Nós dissemos a ele que o Capitão queria lhe falar,
mas ele disse que o senhor vá buscar ele, se quiser."
Foi a conta,
relatou o menino cangaceiro; "A testa de Lampião franziu, os lábios
apertaram e rilhando os dentes falou: "Cachorro! Pois vou buscar esse
cão." Fomos até o local onde Sabiá se encontrava. Sabiá estava ainda no
mesmo lugar, como se nos esperasse. Quando estávamos a uma boa distância
paramos, mas Lampião continuou andando no mesmo passo sem ligar pra nós dois.
Sabiá, ao ver
Lampião cada vez mais perto disse: "Pare, Capitão, ou eu
atiro!"Lampião só parou a uns cinco metros da pedra. Segurava o fuzil nas
duas mãos na posição de soldado que se prepara para uma carga de baioneta. Eu e
Gavião à distância olhávamos admirados com o que víamos e pensamos que dessa
vez Lampião seria morto, pois Sabiá era um rapaz muito valente."
- Você, não
atira em ninguém! Disse Lampião gritando.
- Não avance
nem mais um passo Capitão, que eu atiro! Ninguém vai me pegar! Disse Sabiá.
Lampião olhou para
ele por um instante e disse:
- Você não
atira em ninguém menino!
E avançou.
Avançou resoluto, com Sabiá fazendo pontaria para ele. A todo instante eu
esperava o estampido do tiro do assassino fuzil de Sabiá, mas o tiro não saiu.
- Atira
cachorro! Atira! Disse Lampião.
E Sabiá não
atirou, arriou o fuzil e foi o seu fim. Lampião deu com a coronha de seu rifle
na cara de Sabiá que rolou pelo chão, ensanguentado. Lampião mandou a gente
levar o rapaz para a fazenda e nós desarmamos Sabiá e o conduzimos, com Lampião
na frente a passos largos. Ele, com a boca toda arrebentada e os dentes da
frente quebrados."
(N.A. - Aqui
nesse relato, encontramos Lampião fazendo o justiçamento por tiros. Mas outros
autores nos dizem que Sabiá foi morto a pauladas pelos cangaceiros Mourão e
Labareda. (4). Já no livro Lampião - A Raposa das Caatingas, de José Bezerra
Lima Irmão, pg 356, citando Estácio de Lima, diz que quem matou Sabiá foi o
cangaceiro Ângelo Roque, que lhe deu um tiro a mando de Lampião.)
Mas
continuemos avaliando esse relato de Como se forja um cangaceiro - jornal
O Globo 8/11/58 onde notamos romancismo demais e como diz meu amigo Jorge
Remígio - Conselheiro do Cariri Cangaço e membro do GPEC (GRUPO
PARAIBANO DE ESTUDOS DO CANGAÇO) que, essas estórias "só servem para
solidificar o mito".
Na fazenda todos se acercaram de Sabiá e sabiam que a coisa iria sair ruim para
o estuprador. Ele iria ter um fim trágico.
Continua Volta Seca: "Lampião estava furioso e olhava sem afastar por
segundos, seus olhos de Sabiá. Olhava-o com ódio sem dizer nada, em silêncio
completo, pois ninguém ousava falar. Sabiá mal se aguentava de pé. Estava
vencido.
Lampião então pôs-se a falar: "Vai morrer porque não prestas cão! E por
causa dessas coisas que falam mal da gente por aí. Mas eu te dou um exemplo para
todos saberem que o bando de Lampião tem vergonha!"
Apontando para dois empregados da fazenda, mandou-os cavar uma cova e quando
essa estava com apenas dois palmos, mandou parar e apontou a arma para o rosto
impassível de Sabiá e atirou gritando; "vai-te pros infernos, cão!"
Sabiá caiu morto, mas Lampião continuou atirando. Houve quem contasse quinze
tiros. Essa expressão "vai-te pros infernos" era muito comum a ele.
Depois de assassinar o rapaz, Lampião disse para os dois empregados: "Joga
esse peste aí, pois cachorro a gente enterra de qualquer jeito."
Vemos assim como se constrói um mito. Em várias referências a esse evento,
vemos discrepâncias nos relatos.
Mas gostaria de fazer menção ao livro recentemente lançado por ocasião do
grande encontro de estudiosos do cangaço, que se deu na cidade de Floresta. O
livro tem o título de As Cruzes do Cangaço, de autoria de dois jovens
escritores, Marcos Antonio de Sá e Cristiano Luiz Feitosa Ferraz, que nas
páginas 204-212 que nos fala do segundo Sabiá, que parece ter-se espelhado o
terceiro de nosso relato, pois esse também era um estuprador.
Depois de passarem-se mais de dez anos da morte desses "sabiás estupradores"
tivemos então em 1937 o quarto e último "Sabiá" no bando de Lampião,
seu nome, João Alves dos Santos, vulgo João Preto. Mas esse não seguiu os
passos dos dois anteriores, a não ser, ser cangaceiro.(5)
(1) - Lampião
- A Raposa das Caatingas, de José Bezerra Lima Irmão, pg 356
(2) - Dicionário Biográfico Cangaceiros e Jagunços, de Renato Luiz Bandeira, pg
288
(3) - Como se forja um cangaceiro - jornal O Globo 8/11/58
(4) - Dicionário Biográfico Cangaceiros e Jagunços, de Renato Luiz Bandeira, pg
288
(5) - Dicionário Biográfico Cangaceiros e Jagunços, de Renato Luiz Bandeira, pg
289
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