"É sempre melhor apagar uma lamparina do que apagar um lampião"
Capitão João Bezerra
("Como dei cabo de Lampião")
Em seus últimos tempos de vida o Capitão tornara-se uma fábula onipresente.
As volantes de Alagoas e Sergipe perderam por completo os vestígios do seu paradeiro. Ignoravam o seu rastro pelas duas margens do São Francisco, onde ele estabelecera coitos numerosos e desconhecidos.
Era pela madrugada, de preferência, que o Capitão amava bater às ribeiras do velho Chico.
Os raros que conheciam o seu esconderijo, silenciavam. A polícia farejava no ar, como uma matilha de caça desnorteada.
Desencontradas versões corriam pelo sertão franciscano. Uma delas, que a tuberculose matara o Capitão, já sepultado, mas cujo nome fora preservado pelos companheiros como legenda para terror das populações. Outra, que o Capitão havia arribado, muito rico e opulento, para o estrangeiro, largado de vez o cangaço. Fora residir em Paris, onde contratara professor para o seu aprendizado na língua francesa. Que, num encontro com um amigo, queixara-se amargamente do seu destino, proferindo estas palavras:
"Estou morto. Não sou mais homem para tão cruel vida. Preciso de um retraimento para poder viver mais algum tempo."
Coronel Antonio Caixeiro - fonte da foto: http://lampiaoaceso.blogspot.com
Outra versão era a de que repousava em Borda da Mata, a fazenda do coronel Antônio Caixeiro, recuperando-se dos pulmões. Na verdade, ninguém sabia do Capitão e das suas andanças.
Uma noite, afinal, ele reapareceu. Foi no dia 17 de Abril de 1938. Havia passado, antes, pela Borda da Mata. Afirmavam uns que estava em preparativos para um ataque a Propriá. Outros, que atravessaria o rio, pala o lado de Alagoas, tão somente para apanhar munição e mantimentos. Nessa mesma noite ele praticou singular aventura.
Na travessia do rio emparelhou com uma barca que ia para traipu. Transportava essa barca àquela localidade o jazz-banal da cidade de Pão de Açúcar. O conjunto ia exibir-se numa festa. Sob a lua do São Francisco, ao abordar a canoa, Virgolino vira a cintilação dos instrumentos: bateria, clarinete, trombone, sax, pistão. Deu ordem ao canoeiro para que abordasse a barca e saltou dentro dela em companhia dos seus homens. Os músicos empalideceram ante a presença dos cangaceiros.
Mas Lampião sorriu para ele. Também sorriram os do bando. Então, tirou do bolso um punhado de notas, fez ele mesmo uma ligeira coleta entre os bandidos e entregou o dinheiro arrecadado ao mestre da banda, dizendo-lhe:
- Mestre, eu quero música. Aí está a pega dos seus tocadores. Cinquenta Mil Réis pra cada um. Vamos embora!
A canoa deslizou outra vez. E, dentro da noite, sobre o velho rio dos povoadores, soaram, ao compasso do mestre regente de Pão de Açúcar, as notas dos fox-blues em voga no tempo: Cole Poster, Louis Armstrong, entremeados com algumas das valsinhas e marchas carnavalescas.
O Capitão mostrava-se delicado com a orquestra. A melodia o acompanhou até o Saco do Madeiro, onde desembarcou, feliz e satisfeito, com sua gente.
Três meses e onze dias após essa pitoresca incursão pelo Baixo São Francisco, chegara o Capitão Virgulino Ferreira da Silva, com sua gente, ao grotão dos Angicos, um dos seus coitos antigos, conhecendo-lhe o terreno palmo a palmo. Ali acampou, erguendo tendas sobre forquilhas.
Fazia dezessete anos que o então tenente João Bezerra, pernambucano oficial da polícia alagoana, estava Lampião como quem procura agulha no palheiro. O seu primeiro combate com o bando de Virgolino se dera em 1931, no lugar Jerimum, onde os soldados do tenente lograram ferir José Baiano, tido e havido como o ferrador oficial do bando.
Tempos depois deparara o tenente Bezerra com gente do Capitão, no meio dela Corisco, na fazenda Mandacaru, em Mata Grande. Aí prendeu um homem de Virgolino, Mestre Naro de apelido.
Em Caraibeiras, Bezerra enfrentou Luiz Pedro, num combate sem maiores consequências. O quarto encontro foi com o grupo chefiado por Gato Braco, cuja amante, Inacinha, foi presa na ocasião. Sucedeu o quinto contra um lugar-tenente de Corisco, Jandaia, na fazenda Beleza.
A sexta escaramuça, nas caatingas de Água Salgada, no pé da Serra do Taborda, foi com o grupo de Português, quando caiu prisioneiro o cabra Vila Bela. Num sétimo encontro, este na fazenda Patos, Bezerra enfrentou Corisco de frente, pela segunda vez.
"Salvo se o combate era travado com o grupo dirigido pelo próprio Lampião, porque ele, cuja sagacidade foi sempre respeitada, quando acontecia sair ferido algum dos seus homens embrulhava-o numa coberta de chita e quando esta se achava ensopada de sangue ordenava que seguissem uns por um lado levando o ferido, enquanto ele por outro lado ia espremendo o sangue do pano deixando mesmo sinais das mãos ensanguentadas nos troncos das árvores, para abrir duas pistas, estabelecendo confusão", escreveu o tenente em seu livro de memórias.
CONTINUA...
Fonte: Capitão Virgulino Ferreira: Lampião
Autor: Nertan Macêdo
Edições O Cruzeiro Rio de Janeiro
Ano: 1970
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