Januário e
Santana tocando para os filhos dançarem
Esse texto
está disponível num site inteiramente dedicado à sanfona de oito baixos.
Pouco sabemos
a respeito de Seu Januário, pai de Luiz Gonzaga e “vovô do baião”. José
Januário dos Santos nasceu em Floresta, sertão de Pernambuco, no dia 25 de
setembro de 1888, ano da Abolição da Escravatura. Alguns dizem que Januário não
teria nascido em Floresta, mas em algum outro município dos arredores. Também
não se sabe, ao certo, em que ano Januário chegou à Fazenda Araripe, nas terras
pertences ao Coronel Manuel Aires de Alencar, filho de Gauder Maximiliano
Alencar de Araripe, o Barão de Exu. Pelo que conta a história oral, esta
palavra homônima do orixá africano, é uma corruptela de Ansú (?), grupo
indígena que habitava a Serra do Araripe. Daí o nome daquele latifúndio
pertencente ao Barão ter sido posteriormente batizado de Exu.
Januário
trabalhava como agricultor e na confecção de couro. Não se sabe como Januário
teria aprendido a tocar e afinar sanfona de oito baixos.
Teria sido
sozinho, isolado no sertão pernambucano? Alguns dizem que ele teria
conhecido um mascate judeu na Chapada do Araripe.*
Nas
recordações de infância de Luiz Gonzaga, seu pai aparece como um sanfoneiro
respeitado das redondezas. De forma mítica, Januário é apontado como o pioneiro
da sanfona nordestina. Com certeza, haviam outros sanfoneiros, com seus solos
de sanfona que talvez tenham sido levados para sempre no vento que sopra nas
catingas, a espera de que alguma fotografia ou lembrança familiar seja
encontrada para que a história possa ser reescrita. Se sabemos algo mais sobre
Januário, isso se deve à Luiz Gonzaga. Graças às letras e narrativas de
Gonzaga, conhecemos tão bem certos personagens e detalhes daquela região que
muito provavelmente estariam esquecidos, ou, ao menos, escondidos por trás da
espessa mato do cerrado.
A atuação
profissional de Januário no contexto fonográfico foi errática, tendo ocorrido
em 1955, na gravadora RCA-Victor, quando gravou dois discos de 78 rotações,
acompanhado de sua prole. No selo dos discos, o velho sanfoneiro era
apresentado como “Januário, seus filhos e sua sanfona de oito baixos”. Nestas
gravações, podemos ouvir a “sanfona abençoada”, tal como se refere Luiz Gonzaga
no xote “Januário vai tocar”. A letra autobiográfica, discursa sobre o papel
social do sanfoneiro nos bailes interioranos e reforça a relação deste
instrumento com o passado rural e as populações menos favorecidas
economicamente: “a cidade te acha ruim, mas eu não acho".
Ai, ai,
sanfona de oito baixos,
Do tempo que
eu tocava na beira do riacho.
Ai, ai,
sanfona de oito baixos,
A cidade te
acha ruim, mas eu não acho
Lá na Taboca,
no Baixio, lá no Granito,
Quando um
cabra dá o grito: - Januário vai tocar!
Acaba feira,
acaba jogo, acaba tudo,
Zé Carvalho
Carrancudo tira a cota pra dançar.
Outra música
gravada por Januário é o solo instrumental “Calango do Irineu”, que pode nos
revelar um pouco da técnica e do estilo pessoal de Januário. Neste baião, está
presente a 7a menor da escala maior, tão característica da música trazida
por Luiz Gonzaga. Também estão as 3as paralelas e consecutivas, segundo o
maestro Guerra-Peixe, uma reminiscência do gymel, uma técnica de
harmonização medieval surgida na Inglaterra tão presente na música brasileira.
Acima de tudo, nesta música encontramos aquele “tempero” que torna peculiar o
estilo nordestino de tocar sanfona, que é facilmente perceptível ao primeiro
toque, embora difícil de ser descrito em palavras.
Alguns anos
antes, em 1950, Januário seria apresentado ao grande público, através do disco
e do rádio, por seu filho, Luiz Gonzaga e o parceiro Humberto Teixeira, com o
xote “Respeita Januário”. Numa narrativa metalingüística, Gonzaga descreve seu
deslocamento de Exu, foragido de uma briga, da qual foi ameaçado de morte, e a
longa epopéia que culmina com o retorno ao berço natal, já consagrado como Rei
do Baião no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Escrito com tinturas
épicas de uma saga nordestina, o relato de Gonzaga tornou-se maior e mais real
do que a história literal, onde personagens ganham vida em diálogos que teriam
sido inventados, mas que acabaram tomando vida própria e se eternizando de
forma mítica na imaginação popular. Muito provavelmente, pela primeira vez, na
história da canção popular urbana, se versava sobre a sanfona de oito baixos e
o papel social do sanfoneiro no sertão nordestino. Outro aspecto salientado
pela letra desta canção é a relação de constante recusa e desafio entre pai e
filho que permeia a transmissão da herança cultural, que não é ensinada, mas é
aprendida.
No ano de
1952, Luiz Gonzaga reuniu seu pai e seus irmãos, formando o conjunto “Os Sete
Gonzagas”, que realizou apresentações inesquecíveis nas rádios Tupi, Tamoio e
Nacional. Por sorte, estas gravações foram registradas em áudio, e podemos
ouvir as performance de Januário ao vivo.
No entanto,
Januário poderia ser aquele personagem da letra de Gilberto Gil para a melodia
“Lamento Sertanejo” de Dominguinhos. Avesso à cidade grande, “por ser de lá do
sertão, lá do roçado, lá do interior do mato, da catinga e do roçado”. Januário
não se adaptou ao sitio dos Gonzaga em Santa Cruz da Serra, no Rio de Janeiro.
Preferiu voltar a Serra do Araripe, entre a catinga e o roçado, na lavoura,
tocando sanfona de oito baixos na beira do riacho.
No entanto, a
despeito de sua atuação profissional em música ter sido tão breve e fugaz, sua
herança foi transmitida através dos filhos; Luiz Gonzaga, Zé Gonzaga, Severino
Januário e Chiquinha Gonzaga. Através deles, a música do velho Januário foi
ressignificada ao contexto fonográfico, se entranhando na alma nordestina, como
se fizesse parte da paisagem sertaneja, traduzindo em contornos melódicos a
poética do sertão.
Januário veio
a falecer aos 90 anos, em 11 de junho de 1978, em Exu. Salve Januário, pai
de Luiz Gonzaga e pioneiro da sanfona de oito baixos na região Nordeste.
* A respeito
dessa pergunta do autor LÉO RUGERO eu gostaria de informar que no final do século
XIX o sanfoneiro IRINEU ARAÚJO pai de Edmundo, João, Nelson e Mário
Araújo já difundia o fole de oito baixos na região de Quixeramobim-CE, tocando
inclusive polcas e xotes que apareceram posteriormente no repertório dos filhos
de Januário. Logo se vê que Januário, sendo um sanfoneiro respeitado e
afinador, pode haver criado uma escola, mas não foi exatamente o pioneiro no
manuseio desse instrumento aqui no Nordeste brasileiro. Quando Januário passou
a se interessar pelo instrumento com certeza já havia outros sanfoneiros em
atividade no interior de Pernambuco e no Cariri cearense, pois a ligação de
Januário e seus filhos com o Crato era muito forte.
Fonte: Blog acorda
cordel
http://www.diassislira.com.br/2012/12/um-mergulho-na-historia-januario-e-seus.html
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