No tempo do
cangaço, homens valentes se digladiaram nos carrascais sertanejos. Eram dois
mundos contidos em um. A força volante que saia em perseguição aos bandoleiros
sem saberem aonde iria pernoitar ou comer, beber e retornar a algum posto
policial, quartel ou povoado para se reabastecerem e os bandos de cangaceiros
que sabiam de determinados lugares como grotas, furnas, grutas, serras e
serrotes onde podiam descansar por alguns instantes com a certeza de não serem
incomodados por alguma Força Policial.
Ao longo do
tempo os fugitivos foram se aperfeiçoando em andarem sem deixarem quase sinais
por onde andavam. Sua locomoção era em várias direções, onde havia retornos e
mais retornos, idas e vindas por gargantas, sopés e cumes de serras para que
seus perseguidores levassem muito tempo até encontrarem o rumo certo. No
entanto, na maioria das vezes, quando achavam à pista correta a presa já estava
bastante longe e recomeçavam tudo de novo. Assim uma verdadeira briga de se
esconderem e de outros procurarem às vezes levava anos corridos sem se toparem
dentro da caatinga. Quando isso ocorria o tempo fechava e a bala comia solta de
ambos os lados.
Lampião, um
dos maiores ‘esconde pistas’ que fez parte do cangaço, sempre mantinha seu
bando divido, principalmente depois de ter migrado para terras baianas em 1928.
No início, antes do primeiro meado de 1927, os outros grupos eram independentes
e de quando em vez havia uma ‘convocação’ para uma grande empreitada planejada
pelo cangaceiro mor. No entanto, se algum dos chefes da época também tivesse
uma grande ação em vista, bastava mandar o recado que Lampião se fazia presente
com seus ‘meninos’.
A ação de
vários grupos ao mesmo tempo em lugares distintos foi um dos motivos que fez
com que o cangaço perdura-se por tanto tempo enraizado no sertão nordestino.
Pois, esse tipo de movimento deixava as patrulhas desnorteadas sem saberem ao
certo qual caminho seguir. Além disso, havia aqueles comandantes de volantes
que quando sabia que havia um grupo de cangaceiros agindo em determinado lugar,
davam meia volta e tomavam o rumo contrário.
A vasta região
era um local isolado, esquecido pelas autoridades onde a modernização não era
trazida pelos poderosos. A falta de veículos de comunicação, de estradas de
rodagens entre as cidades, vilas e povoados foram outro dos motivos que
ajudaram os bandos de bandoleiros rurais sobreviverem tanto tempo.
Um jovem
cangaceiro de nome Antônio Ignácio da Silva, conhecido nas hastes cangaceiras
pela alcunha de “Moreno”, certa feita estava com seu bando sendo perseguidos
por um dos homens mais valentes que Nazaré do Pico viu nascer, Euclides de
Souza Ferraz, o conhecido Euclides Flor.
Moreno já era corrido no trecho, sabia o que tinha que fazer para dificultar
cada vez mais os olhares aguçados dos rastreadores. Encontrando-se nas Alagoas,
o chefe de subgrupo parte ruma ao Leão do Norte a fim de executar determinada
missão que o chefe mor lhe confiara.
A pequena
volante comandada por Euclides Flor, oito homens apenas, recebe a informação de
que um bando de cangaceiros estava nas redondezas de Espírito Santo, hoje
Inajá, e que Moreno era o chefe. Saindo em seguida, sem perderem tempo, a
pequena coluna entra na Mata Branca a procura dos rastros dos cangaceiros.
Depois de horas sem retirara os olhos do chão calcinado sertanejo, terminam por
encontrarem vestígios da passagem dos cabras. Tanto o comandante quanto os
rastreadores nem piscavam para não perderem algum sinal na dificultosa trilha
seguida pelos cangaceiros chefiados por Moreno.
Moreno havia
sequestrado um rapaz, Zé Pereira do Olho D’água, para que o mesmo o levasse há
uma fazenda na região da serra Grande onde estava sendo realizada uma
farinhada. Euclides Flor, na época terceiro sargento, comandava os soldados:
“José Rodrigues de Souza (Dé), José Gomes de Lima (Zuza – filho de Melania e
neto do lendário navieiro Cassimiro Gomes da silva, o “Cassimiro Honório”),
Cirilo de Souza Araújo (pai do coronel PMPE reformado Antenor Araújo), Noberto
Gomes de Oliveira, José Laurindo Neto (pai de Marluce, esposa de Zé de Né
Maniçoba), Isaias Inácio dos Santos, Pedro Sombrinha (tio de Lindaura do Hotel)
e outros.
O rastejador
da volante encontra os rastros do bando na serra da Traíra, e seguiam em
direção a Serra Negra. Desta feita, parece que os cangaceiros estavam
confiantes de terem despistado os perseguidores e seguem caminho por uma
baixada arenosa, onde deixam rastros fáceis e serem seguidos. Esse erro lhes
custaria caro.
Incansável
perseguidor, Euclides flor mantinha a perseguição mesmo após o sol se pôr, pois
era época de lua e dava para diminuírem a distância que tinham dos cangaceiros.
Cautelosamente a tropa avançava com todo cuidado, pois na próxima moita poderia
estar à morte a espreita-los. Em certa hora, negras nuvens encobrem a lua e
começa a chover forte. Euclides ordena uma parada. Recomeçando a perseguição,
depois de um bom tempo andando, recebem a ordem de pararem para descansarem um
pouco antes de o dia clarear. Dois dos soldados saem para fazerem o
reconhecimento do local. Começam a escutar vozes bem próximas, retornam ao
acampamento e reportam ao comandante.
Muitos
comandantes nazarenos são vangloriados pela coragem e disposição que sempre
tiveram para enfrentarem cangaceiros, em particular Lampião e seu bando, pois
essa rixa entre eles virara uma questão de honra. Muitos tombaram na trilha da
guerra devido essa coragem sem planejamento. Outros foram feridos várias vezes
pelo mesmo motivo, falta de pensar em uma estratégia antes de agir. Com
Euclides Flor a coisa era diferente. Além da coragem que possuía, tinha dotes
de comando e estratégias em combate. Ao ser informado do som das vozes a sua
frente, separa seu pequeno grupo e ordena um avanço cauteloso e silencioso,
principalmente para terem a certeza de que se tratava exatamente do bando de
cangaceiros.
Depois de uma
longa caminhada por entre os carrascais das brenhas sertanejas, o bando de
cangaceiros comandados por Moreno resolve parar e acampar em determinado local.
Em volta havia várias árvores frondosas onde poderiam armar suas toldas ou redes
protegidos da chuva. Enquanto uns cuidam em arrumar seus locais de descanso,
outros cuidam de outras tarefas. Alguém acende uma fogueira e começa a
providenciar a boia. É feito a comida, todos comem e cada um vai para seu
recanto descansar que no dia seguinte enfrentariam outra grande caminhada. Aos
poucos o fogo começa a diminuir, diminuir.. até ficarem só algumas brasas
teimosas que não queriam se apagar. Sem notarem que a morte se achegava como
espectros por entre a folhagem.
A sorte e a
falta dela andam de mãos dadas. Temos que saber evitar uma e aproveitar a outra
no exato momento em que se mostrarem. Isso é fato. Já bem próximos ao
acampamento, á tendo a certeza de que tratava-se dos cangaceiros, a tropa se
amoita e espera o momento adequado para entrar em ação. Ver alguma coisa com
exatidão, nem pensar. De repente o comandante da patrulha nota um vulto através
da pouca claridade surtida pelas poucas brasas da fogueira. Sem pestaneja, o
próprio abre fogo e a partir daí o mundo se fecha. O tiroteio é intenso.
Soldados
atacam atirando na direção do acampamento, porém sem saberem ao certo em que
realmente atiravam. Os cangaceiros, pegos de surpresas, mas como sempre estavam
alerta, instintivamente pegam suas armas e contra-atacam atirando em todas as
direções, pois não sabiam de onde vinham os disparos nem tão pouco quem estava
atacando. O alvo do comandante teria sido o refém Zé de Pereira.
Naquele
pandemônio, moreno grita para sua companheira, Durvinha, que o siga e sai em
disparada sem saber qual direção exatamente havia tomado. Durvinha o segue de
perto, na medida do possível, não empregando o mesmo ritmo do companheiro. Um
dos soldados nota aquela manobra e, sem prever as consequências, parte em toda
velocidade rumo aos que fugia. Moreno nota a ação do militar e, com receio que
ele alcançasse sua companheira começa a disparar sua pistola para ver se o
perseguidor recuava. Nada disso, o soldado não teme os disparos e prossegue na
toda em busca de matar ou captura algum fugitivo. Já estava bem perto da mulher
que corria a sua frente quando sente uma dor horrível em seu antebraço direito.
O projétil penetra pela parte posterior do membro e causa estragos
irreparáveis, tanto que por causa dele, é reformado com a patente de sargento.
Saindo em socorro ao companheiro Dé, Zuza e Cirilo o seguem e, a certa altura,
abrem fogo. Como a escuridão não os deixava ver direito, com toda certeza,
acertam o companheiro que estava para conseguir capturar um dos inimigos, a
cangaceira Durvinha.
Os espólios
encontrados no coito era uma grande presa. Marcos Antônio de Sá e Cristiano
Luiz Feitosa Ferraz em seu livro “As Cruzes do Cangaço – Os fatos e personagens
de Floresta – PE”, 1ª edição de 2016, nos dizem: “Após cessar o combate, a
volante encontrou no local do coito dos bandidos vários objetos: um rifle e um
bornal contendo farta munição, quatro facões, diversos canivetes, cobertas, uma
banda de bode e duas cabaças que foram usadas pelos soldados para saciarem a
fome e a sede. A força volante manteve-se nesse local e só ao amanhecer
retornou para Espírito Santo, sendo o ferido levado em uma rede conduzida por
dois companheiros.” O soldado e levado para Espírito Santo e, de lá, é
transferido para Águas Belas onde ficava a sede do comando das volantes daquela
região.
Em poucos minutos
os cangaceiros se embrenham nas caatingas e somem dentro dela. Alguns retornam
para o Alagoas. Outros pegam rumo diferente e abrem no meio do mundo. O chefe,
cangaceiro Moreno, termina por encontrar-se com apenas quatro companheiros e
duas mulheres. Seu bando estava reduzido a seis gatos pingados. Mas, as pessoas
daquela região haviam de pagar por aquele ataque... Ah, isso haveriam! Nas
quebradas do Sertão pernambucano.
Fonte “As
Cruzes do Cangaço – Fatos e personagens de Floresta – PE” – SÁ, Marcos Antônio
de e FERRAZ, Cristiano Luiz Feitosa. 1ª Edição. Floresta, 2016
Fotos Ob. Ct.
O Canto do Acauã – FERRAZ, Marilourdes. 4ª Edição. Recife, 2012
Benjamin Abrahão
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