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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

LIVRO DE RAPADURA

   
O Coronel Antônio Joaquim de Santana, cearense de Barbalha, foi coiteiro de Lampião por muitos anos. Em 1926, o bando de Lampião estava por lá, comandado por Antônio Ferreira, a serviço do Coronel. Então aconteceu um fato pitoresco que nos conta o historiador Alberto Santiago Galeno, em seu livro “Território dos Coronéis", edição de 1987.

Os cangaceiros geralmente eram homens novos e não perdiam oportunidade para, em momentos de folga, fazerem as suas graças, as suas brincadeiras. Na fazenda do coronel Santana existia um grande galpão onde os bandoleiros armavam redes e descansavam. Certo dia, quando eles estavam no galpão, apareceu o Lucíolo, filho menor do prefeito de Jardim e Lourival filho do Coronel Daudet. Meninos buliçosos e traquinos ficavam mexendo nos ferrolhos dos mosquetões, nas facas dos cangaceiros e estes até que gostavam das traquinagens dos garotos porque soltavam gargalhadas efusivas.

Em um destes momentos raros de calma e tranquilidade, aconteceu uma crise de risos por conta do menino Lourival, que era seminarista e trazia na escola, junto com um caderno, uma maleta cheia de rapadura. Um dos cangaceiros abriu a mesma e exclamou: - venham ver negrada, os livros do estudante é feito de rapadura!... Nesta hora, houve uma explosão de gargalhadas.

Site: www.kantabrasil.com.br/Lampiao.../Lampião%20e%20outras%20Históri...‎
  
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Entrevista com o Escritor Adriano Marcena




O site Domingo com Poesia iniciou uma série de entrevistas com escritores, poetas e personalidades do cenário cultural do estado e do país. Nesta estreia, o escritor Adriano Marcena, um dos grandes nomes da cultura nordestina e em especial de Pernambuco, fala sobre o movimento literário do Estado, sobre o seu mais recente livro, entre outras questões.

Adriano Marcena é escritor, historiador, professor e dramaturgo, nasceu no Recife, em 1965. Estudou teatro na UFPE. Escreveu mais de 50 (cinquenta) textos para o teatro, muitos deles publicados, outros tantos encenados, inclusive fora do Brasil, e alguns nacionalmente premiados. Também concluiu o curso de Licenciatura Plena em História, com estudos voltados às relações simbólicas nas culturas brasileiras. Escreveu artigos científicos e de opinião para sites e revistas especializadas, além de proferir palestras e oficinas em seminários e encontros acadêmicos. Lançou, nacionalmente, o Dicionário da Diversidade Cultural Pernambucana, na São Paulo Fashion Week 2012 e, recentemente, Mexendo o Pirão, com incentivo do Funcultura.

DCP - Como você vê os caminhos da literatura em nosso estado?

AM - Poderemos pontuar essa questão de várias maneiras, mas nos deteremos em apenas alguns aspectos. Alguns avanços se deram, enquanto política pública de cultura, desde a formulação do Plano Nacional de Cultura-PNC que mudou o conceito de cultura nos livrando das famigeradas e reducionistas artes consolidadas. Ações como a criação da Diretoria do Livro, Leitura e Literatura (DLLL), do MinC, os Planos Estaduais do Livro, Leitura e Literatura implementados em alguns estados da Federação para discutir a cadeia produtiva do livro, além dos Pontos de Cultura, foi um novo olhar para a cultura dentro da política de Estado.

Isso permitiu ampliar editais públicos de cultura que, em sua maioria, contemplam as várias dimensões da literatura, inclusive sua relação com as outras manifestações culturais ou linguagens, além de publicações, oficinas literárias, pesquisas, contação de histórias, experiências griôs, rodas de diálogos com escritores, editores, tradutores e ilustradores, realização de feiras do livro e formação de novos leitores.

Os valores destinados aos programas públicos de literatura são insuficientes, para não dizer inexpressivos, diante das demandas atuais, acontecendo o mesmo com outras manifestações da cultura. Avanços foram dados? Sim, mas se desejamos tornar o Brasil um país de leitores é preciso, primeiro, torná-lo um país de cidadãos letrados. Digo cidadãos letrados, não literatos.
O problema é que o trato com a literatura e demais artes, quase sempre está associado às exigências pedagógicas muito mais preocupadas com a aprendizagem, que é o seu propósito, que com o prazer possibilitado pelo exercício dos imaginários e da própria fabulação estética.

O gosto pela leitura passa pelo exercício constante das sensações de agradabilidade proporcionadas pelo contato entre obra e leitor. No tocante ao aumento real da acessibilidade de novos leitores, creio que apenas os programas da pasta da cultura em suas esferas federal, estadual e municipal não minimizarão, sozinhos, problemas tão profundos no cerne da sociedade brasileira. Nesse caso, família, sindicatos, associações comunitárias, bibliotecas, igrejas, escolas e estado desempenham papel fundamental na questão.

Sobre o incentivo para novos escritores, dramaturgos, poetas, romancistas e contistas há tímidas iniciativas quase sempre em editais públicos, mas desconheço uma política de Estado pensada para formar e orientar profissionalmente os brasileiros que desejam ser literatos, ou seja, ter como ofício escrever obras literárias. Outro problema grave é o engasgo na distribuição da produção literária, pois envolve a relação entre autores e os interesses do mercado editorial que são enormemente complexos. Sem falar na discussão dos Direito Autorais.  Virão novas eleições em 2014 e precisamos estar atentos aos programas de governo dos candidatos e ver como eles tratarão o tema.
  
DCP – Qual a importância da pesquisa e consequentemente da literatura para você?

AM - Sem pesquisa não se escreve algo consistente. Refiro-me a pesquisa para além da experimental, teórica, empírica, exploratória, social ou histórica; pesquisa como estudo, inclusive da linguagem, da língua, da história e da filosofia da literatura. A importância da pesquisa permite que o escritor domine a ferramenta mais importante do seu ofício, que é a palavra em seus variados contextos. Uma coisa é a língua escrita, outra é a língua literária. É com o domínio desta última que se faz literatura e, dominá-la, exige dedicação monástica (do grego, monastikós,ê,ón  ‘solitário, relativo à vida solitária’). Lembrando que solitário não é sozinho.

DCP – O que você pode nos falar do seu mais novo livro “Mexendo o pirão”? Algum novo projeto já em vista?

AM - Pirão pra render é esse... O livro Mexendo o pirão: importância sociocultural da farinha de mandioca no Brasil holandês surgiu durante o curso de História quando decidi estudar as trocas culturais em Pernambuco. Ao ler várias fontes primárias, me deparei com relatórios de espiões dos Países Baixos enviados a Pernambuco antes da invasão holandesa  (1630-1654).

Percebi que a farinha de mandioca figurava na documentação sempre com uma advertência pejorativa para diferenciá-la da nobre farinha de trigo. Quer dizer, havia uma relação hierárquica muito evidente entre comida e identidade, fosse pela afirmação ou pela negação. A partir daí, me aprofundei na documentação e consultei diários de viagem, documentos administrativos e correspondências enviadas à Holanda por espiões e gestores da ocupação flamenga a Pernambuco, no período de 1637 a 1646, além de trabalhar com alguns textos dos cronistas da periodização da guerra.

Decidi pela História antropologizada, usando instrumentos metodológicos da Antropologia Cultural, que permitiria observar os documentos pelos fios das relações simbólicas, tendo como prato principal o encontro da cozinha seca dos indígenas com a cozinha úmida ou molhada dos lusos. Parece-me que o gosto do pirão mexido agradou...

Sobre o novo projeto de publicação também será na área de história da alimentação. Trata-se do livro Raspando o tacho - comida e cangaço: relações etnogastronômicas entre nômades e sedentários nos sertões nordestinos (1922-1938).

Neste livro, tentamos mergulhar no universo do cangaço para entendermos as relações entre nômades e sedentários em meio à complexa rede de interesses socioeconômicos que envolviam os atores sociais. Neste contexto, a obra percorrerá a forma como os cangaceiros adquiriam, transportavam, conservavam, preparavam os alimentos e os comiam, além do cuidado que tinham em se desfazer das sobras alimentares sem deixar rastro para a polícia. A edição traz ilustrações do poeta e professor Carlos Newton Júnior.

DCP – Qual a importância sociocultural da farinha de mandioca no Brasil Holandês?

AM - A comida é geradora de símbolos, logo, de identidades, como inclusão das escolhas culturais. A farinha de mandioca está entranhada em nosso DNA cultural muito antes de 1500. Era de extrema importância para os povos indígenas como parte integrante do complexo cultural da mandioca.
A invasão das tropas da Companhia das Índias Ocidentais a Pernambuco, no século XVII, destrói o modelo de produção agrícola que vinha sendo erguido desde a chegada de Duarte Coelho, no século XVI. Com isso, crises no abastecimento interno e também no envio de víveres para a colônia lusa faz a fome se instalar.

A farinha de mandioca, vista por portugueses e holandeses como comida inferior, passa a constar nas mesas daqueles que a difamavam, justo os mais abastados, constituindo-se como alimento para depois tornar-se comida. Ao saciar parte da fome seiscentista, a farinha tornar-se um dos ingredientes que ajuda a alimentar a invenção do nosso paladar.

É quase inconcebível pensarmos um Brasil sem farinha de mandioca para mexer pirão, fazer farofas, mingaus; também para misturá-la no sarapatel, no molho da cabidela, na graxa do guisadinho, na tanajura frita ou irmanada diariamente com o feijão diário do Nordeste brasileiro. Sua importância é porque a farinha de mandioca diz muito do que somos: um povo que incorporou ao longo dos séculos, apesar de negá-las, várias contribuições dos povos indígenas.

É bom lembrar que a casa de farinha se constituiu como importante instituição sociocultural correndo emparelhada com a casa de purgar o açúcar, casa de purga, desde os primórdios da invenção da brasilidade. Se o açúcar e todo seu complexo civilizacional enchiam o bolso a farinha, na outra margem do prato, herdeira da civilização da mandioca, enchia o bucho.

Ao deixar denso rastro no tacho da história do Brasil, a farinha afirma, como outras partículas culturais, que o índio participou de maneira consistente da formação simbólica dos brasileiros e, negá-los como grandes contribuidores deste País é negar quem somos.

Apesar de estarmos no século XXI, os indígenas ainda nos parecem ‘seres’ excêntricos, exóticos, enfim, estranhos, dos quais queremos distância (de nós mesmos), pois se assim agirmos corremos o risco de nos tornarmos incivilizados, pagãos ou incultos. Parece-me que só os aceitamos longínquos dos nossos apinhados civilizacionais, como se os índios nos infestassem de todo tipo possível de atraso.

Para muita gente, basta garantir ao índio uma data em nosso calendário nacional (Dia do Índio) e lembrá-lo como importante ‘peça’ do nosso folclore que está reconhecida a importância indígena entre nós. Sentenças dessa natureza soam tão arrogantes que beiram a imbecilidade pragmática.

DCP – E sobre a gastronomia, qual o seu valor na história dos povos?

AM - É bom lembrar que sem comida não há povos. O que comemos diz de onde somos, como fomos formados historicamente e o que somos enquanto possíveis significações de uma coletividade.

De forma quase imperceptível, a comida denuncia nossas querelas sociais e preocupações enquanto cidadãos, pois envolve saúde pública e do cidadão, nutrição, aspectos sanitários, estética, legislação, tabus, condição econômica e cultura, esta última, por ser a comida patrimonializável e contribuir para desenhar o nosso perfil identitário. Eis os motivos da sentença de Brillat-Savarin (1755-1826) não envelhecer: “Diz-me o que comes que te direi quem és”.

Enviado pelo escritor Adriano Marcena


Fonte: 
http://www.domingocompoesia.com.br

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