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sexta-feira, 8 de outubro de 2021

A MORTE DO PAI E DA MÃE DE LAMPIÃO

Por Raul Meneleu
Bico de pena de Lauro Villares com retratos da época

Não querendo faltar com o respeito aos direitos autorais do Padre Maciel, mas solicitando todas as desculpas, transcrevo uma parte da vida e morte desse homem que passei a admirar, que foi José Ferreira e desta mulher que seguiu seu amado esposo, Dona Maria Lopes, em cuidados com seus filhos, e suportarem tantas injustiças, somente e grandiosamente, para proteção deles.

Também fica registrado aqui nesse blog sem pretensão, a não ser no interesse em mostrar as perseguições sofridas por esta duas almas (que Deus as tenha), fatos acontecidos e testemunhados por pessoas que o autor entrevistou.

Quando li esses dois relatos escrito por esse autor, que pesquisou por 30 anos e somente por insistência de amigos, produziu essa preciosa obra, dividida em 6 livros, atinei em registar e incentivar os amigos a lerem essa obra.

Faço isso para aqueles que não tiveram a oportunidade que estou tendo em conhecer a história desde o princípio da saga guerreira de lampião e de seus irmão, Livino, Antônio e depois Ezequiel (quando se deu a morte da mãe e do pai, ele era menininho), que o acompanharam nessa aventura.

Fica também registrado o meu repúdio, aos perseguidores e destruidores de uma família humilde do sertão nordestino. 

Vamos à história, pelas mesmas letras, do livro 'LAMPIÃO, SEU TEMPO E SEU REINADO' de Frederico Bezerra Maciel.

MORTE DE D. MARIA LOPES

21 de maio de 1920.

Ainda escuro, entre o primeiro e segundo canto dos galos, reuniu José Ferreira a família e seus haveres — tão pouco: uma pequena trouxa para cada um! — e partiu, de mudança pela terceira vez* — “os Proscritos!”  Conduzia sua esposa enrolada em desgastado cobertor, de algodão e montada no velho e serviçal Condave. Os seis filhos atrás, olhos arregalados de pavor a que já estavam afeitos, pés no chão para não acabar com as apragatas muito gastas e remendadas, tiritando de frio apesar do exercício do caminhar.

No arrasto da vida e do destino escuros, quiném aquela noite impenetrável, arrastava José Ferreira a família e a miséria. Seguia ele na frente, trôpego, puxando o animal; na outra mão, levantada para alumiar o caminho, o butirão aceso, feito de garrafa de meio litro, com gás e grossa torcida de molambo fumacento.

Caminhava devagar como vagaroso era o seu maginar e raciocinar diante da prepotência do destino nos enigmas das ditriminações divinas. Já perto de chegar, voltou-se, consolador, para sua esposa e disse com resignação e fé:

 — "Maria, é preciso aceitar a vontade de Deus!"

Ela, desde a chegada, continuava sempre amurrinhada. Não se sabe se do cansaço da viagem, embora curta, ou porque sorrateiramente se aproximava a sua hora derradeira. O certo é que, não fossem as tramas ocultas dos perversos, atiçando perseguições e injustiças, não estaria ela assim desacabando a saúde e a vida.

* A primeira mudança da fazenda Ingazeira (Vila- Bela) para a fazenda Poço Negro (Floresta), a quatro léguas de distância; — a segunda, do Poço do Negro para a fazenda Olho d'Agua de Fora (Água Branca, Alagoas), vinte e duas léguas; — a terceira, de Olho d'Água dê Fora para a fazenda Engenho (Mata Grande, Alagoas), quatro léguas; — total: trinta léguas ou sejam cento e oitenta quilómetros! Perseguiram assim José Ferreira ponto por ponto até matá-lo! Dal em diante a família Ferreira não teria mais descanso, tornar-se-ia como Ahasvero, o judeu errante. A perseguição em cima, sem parar. Que se perseguissem os três — Virgulino, Antônio e Livino — que se lançaram no cangaço, compreende-se. Mas a familia que nada tinha a ver com isso? Perseguição inominável! A familia vagueou por Águas Belas, Bom Conselho, Juazeiro do Padre Cícero, Picos no Piauí E com Eurico de Sousa Leão caiu na diáspora!

Não se adornava a natureza sua a uma vida assim acuada por toda parte. Sentia-se desinfeliz, sem poder viver. Inda bem ali não chegara e já as perseguições recomeçaram. Não tinha vindo para ali fugida delas? E ei-las de novo! Sempre injustas, e agora grumitadas pela autoridade. Foi mesmo muito pior ter vindo para Alagoas. O arreliado e vendido comissário de Matinha de Água Branca, o famigerado Amarílio, querendo desarmar seus filhos dela para desmoralizar, corregendo as casas e desassossegando as famílias, prendendo sem motivo e torturando um inocente, botando emboscada, atacando à bala, doido para ganhar mais dinheiro matando... Nessas aflições todas, teve durante o dia dois passamentos. Botaram-lhe até vela na mão, maldando estivesse nas últimas e não resistisse mais.

José Ferreira também agoniado, com as mãos apertando a cabeça e sem encontrar canto para aquietar o juízo, exclamava: "Não! Não é possível viver aqui! Não passo mais um dia nessa terra. Vou falar com o delegado de Mata Grande, que é meu amigo, para poder ficar por lá". Diante da melhora, súbita e surpreendente, da esposa, andando embora devagarinho e pegada, comendo e conversando alegre — não sabia ninguém que era a "visita da saúde" precedendo a morte! — resolveu José Ferreira, de madrugada, selar dois burros e com seu filho João ir logo à Mata Grande trazer remédios e falar com o delegado, seu amigo. Os três filhos mais velhos, tendo espalhado antes que iriam ao brejo de Triunfo, na verdade continuavam ocultos no mato por causa da policia.

Aproveitando a manhã, alegre e de esperança, daquele dia 22 de maio de 1920, conduziram as filhas a mãe para fora, no terreiro de frente da casa, a modo de ela despairecer, tomar um arzinho e uns esquentes do sol brando. Ficou ela sentada numa cadeira, distraindo-se feliz com Ezequiel e Anália, os dois caçulinhas, a brincarem de pega no terreiro. Não demorou muito tempo, deu-lhe nela inexplicável cansaço seguido de sonolência. As três filhas, cada qual com um pote de barro na cabeça, tinham ido vexadas ver água na cacimba. Naquele momento instante, voltando, notaram que sua mãe, de repente, pendia a cabeça de lado e virava os olhos para cima, enquanto o queixo afrouxava entreabrindo a boca.

Compreenderam a evidência do desenlace...

Num sufragante, Virtuosa segurou a mãe pelas costas, levantando-a um pouco para Angélica retirar a cadeira. Ali mesmo foi ela deitada, a cabeça no colo de Virtuosa que se Sentara no chão. Posição essa mais favorável para ajudar a doente a desafogar o peito e a respiração, fazendo passar a agonia. Pela terceira vez — não sabendo que era a derradeira, Mocinha vigiou a vela benta e lhe colocou acesa na mão.

Ezequiel e Anália agarraram-se ao regaço da mãe, chorando e chamando:

— "Mamãe! Querida mamãe!"

Talvez para sua consolação, nesse instante derradeiro, tenha ela ouvido dos lábios infantis de seus caçulas essa doce palavra que traduzia inteiramente tudo o que ela fora na vida — mãe!

O semblante sereno, o olhar fugindo para a eternidade, tendo diante de si a imagem do Senhor Crucificado apresentado por Angélica, que a custo repetia entre soluços:

— "Meu Jesus, misericórdia”, entregou sua alma ao Criador.

— "Sem o mínimo estremeço o modo de um passarim!"

Mocinha apagou a vela. Soprava uma aragem macia e refrescante aliviando aquelas almas transidas de dor... Uma poeira de luz emoldurava aquele quadro de tragédia em terra estranha e de exílio... Lá para o meio-dia chegaram José Ferreira e João, simultaneamente com os três chamados de seus esconderijos. Encontraram a morta deitada numa cama de vento, amortalhada, com os lábios sorrindo para a morte, de vez que há muito deixara de sorrir para a vida!... Na dor e na lágrima lamentaram todos a desdita. Os três filhos perseguidos, às pressas colheram cravos amarelos e bugaris, enfeitaram o leito da mãe defunta e se esconderam de novo. Não podiam ficar velando.

Somente à noite, assim mesmo cismados e precavidos, voltariam para o velório. A família e vizinhos entre lágrimas e soluços de todos, inteiraram a noite fazendo a sentinela com os cânticos lúgubres das incelenças e o ofício das almas.

No dia seguinte domingo, pela manhã, conduzida numa rede pelos filhos, que se revezavam, foi feito o enterro, estrada a fora rezando, e sepultada numa cova do cemitério do povoado de Santa Cruz do Deserto*, após lhe terem o esposo e filhos beijado o rosto frio. Três coroas, lembranças do esposo, dos filhos e dos parentes, além de muitos buquês levados pelos acompanhantes, floriam a sepultura, que mais parecia um canteiro de festa, e de vida.**

* Povoado de Santa Cruz do Deserto no município de Mata Grande (cfr. cap. 24).

** Enviado, cor urgência, de Engenho para Vila Bela, um pombeiro, a fim de avisar aos Ferreiras das ribeiras do Pajeú e do São Domingos esta morte. Dona Mariquinha Ferreira, filha do Cândido Ferreira e prima de Virgulino, ao receber a dolorosa notícia — e ela bem se recorda que ainda na penúltima semana de maio de 1920 — exclamou, os olhos rasos de lágrimas: — "Tá! Maria Lopes morreu..." E ela mesma afirma que José Ferreira foi morto trinta e oito dias depois.

MORTE DE JOSÉ FERREIRA (29 de junho de 1920)

Penúria...

O pobre do José Ferreira, com tanta coisa amarga e trágica sem trégua se sucedendo, ficou desatinado, abatido, sem gosto pra nada na vida, curtindo os penares da dor e da saudade e os sobressaltos de uma desgraça ameaçadora e iminente. Chamou os três filhos que continuavam ocultos, e lhes disse: — "Vocês aqui não podem mais ficar. Vão para Pernambuco que depois eu tomo o mesmo caminho". Não podia, de súbito, se afastar de perto da sepultura da finada esposa. Seguiram os três filhos para Espírito Santo do Moxotó, onde ficaram; trabalhando na propriedade de seu Terto. José Ferreira vendeu os dois burros para comprar roupa de luto para todos de casa.

A diligência do diabo...

Cartas do delegado de Água Branca — comprado por Zé Saturnino — ao Chefe de Polícia de Alagoas, carregando em cores os assucedidos mais recentes: a revolta dos Porcinos; a invasão de "perigosos bandidos" vindos de Pernambuco, onde cometeram "muitos crimes"; o caso do soldado Jagunço em Mata Grande; a desfeita à polícia em Água Branca quando ela, "com bons modos", procurou desarmar aqueles "criminosos bandidos", os quais ao depois desfeitearam o comissário de Paricônia;. um "bandido, ainda jovem, comprando armas"; "a ameaça e o terror ganhando as populações"... Alarmado diante de tudo isso, resolveu o Governo cortar pela raiz todos esses males. Para tal, determinou ao delegado de Viçosa, 2° Tenente José Lucena, famoso por excessos de severidade, fazer uma diligência por aquelas bandas conflitadas. Ao chegar em Água Branca, foi Lucena inteirado de tudo o que ocorrera. Inclusive por carta de Zé Saturnino tivera conhecimento do nome dos "três perigosos bandidos e criminosos": os irmãos Virgulino, Antônio e Livino, além de Antônio Matilde, que, armados, haviam descido do Navio para aquele município alagoano. De primeiro, dirigiu-se Lucena à fazenda Chupete, para perguntar ao Capitão Sinhô pelos irmãos Ferreiras. — "Despachei eles para o Coronel José Abílio, de Bom Conselho; não costumo ter bandido comigo" — descartou-se o capitão. Carecia não se inocentar. Lucena não ofendia coronel e protegido da política de cima. Mas somente cabra solto, isolado ou de grupo. Seguiu, então, Lucena, na pista deles, em direção de Santa Cruz do Deserto.

* Da fazenda Chupete seguiu Lucena no sucaro dos Ferreiras guiado por Zé Batista Quirino e outros mais da mesma família. Zé Batista sabia exatamente paro onde se havia mudado o velho José Ferreira. Tinham os Quirinos transações com os Ferreiras em razão do carguejamento de mercadorias. A aproximação dos Ferreiras com os Marcos, inimigos dos Quirinos, levou estes à denúncia de traição. Além de seus soldados, compunham a tropa de Lucena alguns cachimbos, juntamente com Amarílio e os Quirinos.

O assassínio...

Na casa de José Ferreira, só tristeza. Tinha ele ido ao cemitério e não compreendia por que desta vez chorara muito mais do que das outras. Revelara aos filhos o que dissera à falecida, já na cova enterrada, que não havia mais sentido para ele continuar a viver. Queria ir pra de junto dela. Repassou, de minúcia e fagueiro, os bons tempos de antanho, de paz e ternura. Recordou particularmente a última festa; do Senhor São João, há dois anos atrás, em que a finada, tão bonita e saudável, tão vistosa e alegre, dançara com ele... Hoje, era ele mais morto do que ela morta! No dia seguinte, 29 de junho, terça-feira, precisamente 38 dias depois da morte de D. Maria Lopes, de manhãzinha, o tempo chuviscoso, ele com mais João e as três meninas fora adjutorar, como alugados, os trabalhos de um roçado vizinho, a modo de trazer para casa alguma coisa de ganho para o de-comer carecente. Voltara logo para casa José Ferreira, cansado e escanchado em Condave, trazendo dependurados, de cada lado das ancas do velho burro, dois sacos contendo quatro mãos de milho plantado em São José e colhido agora para o São João.*

* A mão de milho em Alagoas: 25 espigas não debulhadas; em Pernambuco: 50.

Ao chegar no terreiro de frente da casa, bem perto do lugar em que a esposa falecera, apeiou-se. Correram pressurosos e choramingando de fome os dois menores e lhe tomaram a bênção. Abraçou-os o pai, afetuosa e longamente, acarinhando e beijando. Em seguida tirou os sacos e derramou as espigas num balaio. De cócoras, apanhava as espigas, tirava a palha, que avoava para Condave comer. Debulhava o milho numa gamela para depois fazer xerém no pilão, facilitando assim o trabalho das meninas que, ao regressarem, era só preparar o angu. O qual dessa vez não seria comido puro. Tinha ele comprado um bom taco de carne de bode e um litro de farinha. O "café" (almoço) seria sustancioso.

Estava José Ferreira dessa maneira entretido quando, escornetando a concha da mão na orelha, ouviu um tropel. Com mais, estava sua casa cercada de soldados. A uma distância de três braças gritou Lucena para o velho José Ferreira: — "Cadê os seus três filhos bandidos?" Ferido em seus brios e honra, José Ferreira retrucou, com todo o desassombro e altivez, alto, firme e pausadamente: — "Não, sinhô! Bandidos, não! Meus filhos não são bandidos. Querem forçar eles a ser. Mas eles são é home!..." — "É assim que responde a um oficial, velho malcriado, cachorro da mulesta" revidou furioso Lucena.

E, sem mais, descarregou ele próprio a pistola no peito daquele pobre velho, pacifico e indefeso, que caiu, por estranha coincidência, ali, no mesmo chão onde falecera sua esposa. Na queda, de chofre e de bruços, por cima do balaio, o corpo esparramado, o braço direito estirado segurando na mão um cabucé, torceu o rosto de lado e balbuciou:

— "Coma... coma..."

Pareceu, nessa única palavra, que a derradeira preocupaçao de seu coração paterno era desafaimar 'as crianças. Elas, as crianças, apavoradas, dispararam, aos berros, por dentro do mato. Um soldado para agradar ao comandante deu na direção delas um tiro de fazer medo, provocando gargalhadas nos seus companheiros de selvageria. Lucena vasculhou a casa de Zé. Ferreira, encontrando de arma apenas um quicé!

Ao retirar-se notou dois homens ,vindo, desconfiados e irriquietos, na sua direção. Sem saber nem perguntar quem eram, ordenou uma descarga de fuzil, matando um e ferindo o outro, que correu. Uma senhora e u'a moça que vinham a certa distância ficaram levemente feridas. Não era ele o senhor absoluto da vida e da morte?!

Os dois eram o velho Fragoso e seu irmão Zequinha. Aquele, viúvo e dono da fazenda Engenho, onde, por caridade, cedera uma humilde casa de morador para José Ferreira ficar até que resolvesse seu destino. A senhora era a dona da casa e a moça sua filha. Atentando nos disparos, tinham ido ver, desarmados, o que acontecia, sendo seguidos pelas duas mulheres.*

* É absolutamente autêntica, _ com todos os seus pormenores, a descrição. 'assassínio doi. pobre; manso e indefeso velho José Ferreira., assim como das outras circunstâncias. Em vez de debulhando milho, alguém fantasiou José Ferreira tirando leite de uma vaca ...

Vezo da polícia, para justificar seus crimes: alegar que houve "resistência". Assim fez Lucena: O cúmulo do grotesco: o alquebrado velho José Ferreira enfrentando sozinho uma formidável volante e "tiroteiando" com uma quicé, isto é, com um toco do facas Quando João Ferreira, filho da vítima, em entrevista, usou a palavra "tiroteio", entendeu dizer que houve tiros de um lado, o da volante.

Quase profético o Padre Epifânio Moura, vigário de Água Branca: — "Esse crime vai trazer muita desgraça para o sertão". O povo: — "Mataram dois cidadãos de bem só pru gosto de matar!" — "É do esperar que não fique nisso, não". E, de fato, o povo não se enganou. Tão revoltante crime lançou Virgulino e seus irmãos no cangaço. Criou Lampião! A situação piorou. Diante do ressurgimento do cangaceirismo, agora em forma diferente, recrudescido e desafiador. Chamou o Governador alagoano aquele homem de sua confiança, o único, a seu ver, que enfeixando poderes absolutos e indiscriminados, poderia liquidar, de um golpe, todo aquele mal, muito embora enegrecendo o seu nome e o da História. Este homem: — Segundo Tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão. Esteve confabulando no Palácio do Governo, em Maceió, no dia 4 maio de 1921. Depois destituído da delegacia policial de Viçosa, iria com carta branca, acabar com o banditismo em todo o estado. E assim e vexado com uma poderosa volante de vinte e quatro homens, deixaria no dia 10 de maio, a cidade de Palmeira dos Índios “na direção do sertão.” A ação repressiva de Lucena chegou a ser "desumana", conforme ele próprio reconheceu. (Cfr. Adendo ao capítulo 45.)

A desolação da abominação! *

Alarmados pelos tiros, João Ferreira e as três irmãs abalaram para casa.

No maior desespero reviraram o cadáver, fecharam-lhe os olhos e o conduziram para dentro de casa. — "Mas, cadê Ezequiel e Anália?" — "Onde estavam escondidos?" — "Ou será que foram roubados?" — perguntavam-se angustiados uns aos outros, noutro desespero somado. . Feito loucos, saíram João e Angélica às procura deles, chamando-os repetidamente com toda a força dos gritos. Encontraram, enfim, os coitadinhos, com bem cem braças, num estado horrível, assombrados e atordoados, rasgados dos espinhos e tocos de pau, sujos de terra, quase sem mais falar de tão roucos, caídos no chão, semimortos de fome e pavor! Tragédia de rara concepção ou de difícil visualização nesse quadro desumano de miséria e barbaridade! — "Pareciam (as crianças) dois filhotes de ema perdidos no mato, piando de fome!..." Atirados os irmãos aos ombros, retornaram às pressas. No entanto, o grave da situação era que ninguém cia vizinhança, com medo de Lucena, queria se aproximar, para amortalhar e sepultar as vítimas. João Ferreira mandou comunicar o triste acontecido ao delegado de Mata Grande, Maurício de Barros** que atendeu prontamente e pessoalmente veio ao local, providenciando, por sua conta e risco, o enterro, mas de um modo tão atabalhoado, dadas as circunstâncias de terror, que João Ferreira nem viu quando os corpos, altas horas da noite, candeeiro aceso na frente, foram levados! - "José Ferreira também era filho de Deus e não bicho para os urubus..." — dissera Maurício, essa destemida autoridade e mais tarde integrante da polícia pernambucana. Sem que, ninguém da família assistisse, José Ferreira foi sepultado numa cova do cemitério de Mata Grande, na manhãzinha do dia 30 de junho de 1920, a última quinta-feira do mês.***

Unidos à mesma gleba do Pajeú, que os viu nascer, unidos numa vida de vinte e seis anos de amor conjugal; unidos ao mesmo chão do Moxotó em que expiraram o último alento, deveriam seguir o mesmo destino de continuar diante de Deus.

* Naquela época, culto sacerdote-vigário, corajosamente vergastou do púlpito e censurou severamente, condenando esses abomináveis fatos, tomando por tema de confronto as Sagradas Escrituras no famoso texto, cap. 9, v. 27, do profeta Daniel": — "O maldito Coronelismo, simbolizado no deus pagão-político, prepotente, cruel e desumano foi erigido sobre o altar da Justiça — divina por natureza — sob à qual procuravam se abrigar os humildes e ofendidos, os pobres e fracos, cuja vida é um perpétuo holocausto de seus direitos sagrados! Profanação, na linguagem bíblica chamada de "abominação da desolação" ou desoladora e horrorosa abominação".

**. Maurício Vieira de Barros. Lampião, a 29 de novembro de 1930, o prendeu juntamente com um soldado, nas Negras (Aguas Belas), quando ainda estavam deitados e dormindo. Levou-os presos até Pau Ferro (hoje Itaíba) município de Águas Belas. A porta da casa de Maurício, disse Lampião: — "Vou matar o soldado. Você não, porque lhe devo um grande favor: enterrou meu pai! Lhe poupando a vida, paguei a dívida. Se continuar a me perseguir e eu lhe pegar você não tem jeito, não. Morre, visse?!" Apesar das súplicas de Maurício, Lampião matou ali mesmo o soldado e soltou o prisioneiro. Maurício havia verificado praça na Polícia Militar de Pernambuco, chegando a ser sargento. Foi comandante de volante. Era perverso, cometendo muitos crimes. Etelvino Lins, Interventor do Estado, expulsou-o da polícia. Chamava a atenção seu bigodão, Ainda vive com seus noventa anos.

*** Defronte da igreja de Santa Cruz do Deserto visitou o autor deste livro um velho, em sua casa, o qual ajudou no enterro e, sem registro de óbito, no sepultamento de José Ferreira em Mata Grande, território da jurisdição policial do delegado Maurício Vieira de Barros. O nome do velho, o autor não guardou, mas tem como testemunhas o Dr. Tarcísio de Freitas então engenheiro chefe do DNOCS, emt Palmeira dos Índios.

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14 DE MAIO DE 1928 - ANTONIO SOUZA .


 14 de maio de 1928, no “A Tarde”:

O BANDO de Antonio Souza

Uma força volante do Ceará destroçou–o em Araripe.

De conformidade com as bases do convenio policial, os Estados limitrophes ao da Bahia não dão treguas ao bando do destemido cangaceiro Antonio Souza, que ha dias vem revolucionando o sertão bahiano.

Hontem, o dr. Madureira de Pinho, secretario da Policia, recebeu do seu collega do Ceará o seguinte telegramma:

“Acaba de ser destroçado na serra do Araripe o grupo do bandido Antonio Souza, pela volante do ten. Aristides Rosa, que continua perseguindo os bandoleiros. Morreu na luta o bandido José Pereira, sendo capturado o criminoso Firmino e apprehendidos tres animaes.

Telegraphei nosso prezado collega de Recife, pedindo concurso companhia volante tenente Arindo, empenhada como se acha esta chefia em auxiliar o exterminio do banditismo. Saudações cordiaes. – (a) Paulo Pessoa, chefe de policia

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O CRÂNIO DE GAVIÃO

  Por Rubens Antonio

Abatido o cangaceiro Gavião, em dezembro de 1929, o vaqueiro Domingos Enéas apresentou à Secretaria de Polícia, em Salvador, no início de 1930, um crânio já descarnado, indicando ser daquele que havia morto.

Se verdade, foi o primeiro crânio de cangaceiro do bando de Lampeão a chegar a Salvador.

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A TRAJETÓRIA DE VOLTA SECA, O MENINO DO BANDO DE LAMPIÃO

Por Cleidiana Ramos - Notícias - Colunistas - A Tarde Memoria

Em 1963, a redação de A TARDE recebeu a visita de Antônio dos Santos, descrito como baixo, magro e aparentando 50 anos, em reportagem publicada na edição de 14 de março daquele ano. O visitante era o ex-cangaceiro conhecido como Volta Seca no bando liderado por Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião. Volta Seca foi admitido no grupo, segundo afirmou, quando tinha 11 anos. Aos 14 foi condenado a mais de cem anos de prisão que depois foram reduzidos para 30 anos. Foi levado, mesmo sendo menor, para a Penitenciária do Estado. Ficou preso por 20 anos, pois, em 1951, o presidente Getúlio Vargas assinou o seu indulto. Em liberdade, Volta Seca continuou a fascinar as mídias.

“– Vim fazer uma visita a A TARDE para mostrar que não sou aquilo que inimigos afirmavam a meu respeito e que mudei muito de vida sendo agora um brasileiro digno e trabalhador, pai de numerosa família” (A TARDE 14/3/1963, p. 4).

Nesta visita, Volta Seca reiterou, por diversas vezes, seu objetivo de desmentir histórias que considerava prejudiciais à sua reputação, como a de que fazia crochê na prisão. Isso parece ter lhe incomodado muito, pois contou que chegou a procurar, sem sucesso, pelo repórter que escreveu o texto, mas tomou o cuidado de garantir que não ia adotar nenhuma postura violenta caso o encontrasse.

“– O que me danava – diz o antigo cangaceiro – eram as notícias de que eu vivia fazendo crochê na prisão dando a entender que eu era afeminado. Procurei o repórter, quando saí da cadeia, durante meses. Não queria evidentemente tirar vingança, mas saber onde ele colheu as informações contra minha moral”. (A TARDE, 14/3/1963, p. 4).

No livro Volta Seca e

o estranho mundo dos cangaceiros, Estácio de Lima apresentou informações que podem explicar a origem do boato sobre o crochê. Lima, diretor do Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues (IML), foi também presidente do Conselho Penitenciário, o que o fez envolver-se com o caso de Volta Seca, especialmente devido à sua condição de menor em ambiente prisional. O correto, de acordo com a legislação da época, seria interná-lo em uma instituição correcional, mas destinada a menores de idade. De acordo com Lima, no presídio, Volta Seca foi direcionado à fabricação de flores com miolo de pão.

“Ora, sendo o ambiente prisional favorável a deformações do caráter, com os desvios da libido, o fato de escalarem o rapaz para essa habilidade, era deixá-lo exposto aos motejos dos demais, afora os prejuízos resultantes da falta de um trabalho de caráter viril”. (Volta seca e o estranho mundo dos cangaceiros, coleção e-poket, pp 49-50).

O incômodo de Volta Seca, portanto, era por conta de insinuações, ao que parece, sobre uma inclinação homossexual, aspecto que foi citado mais diretamente em uma reportagem.

“Na Penitenciária dedicou-se a tarefas mais próprias às mulheres, executando trabalhos em ‘tricot’ de fino gosto! Quando parecia que deixava a prisão marcado por uma anomalia sexual, casa-se cá fora ‘Volta-Seca’, hoje já sendo pai por duas vezes”. (A TARDE, 27/3/1957, p. 3).

O trecho citado é da reportagem que anunciou, em 1957, quando Volta Seca já estava em liberdade, a sua estreia como cantor. Ele gravou um LP intitulado Cantigas Sertanejas. No disco, Volta Seca entoa canções que contou ser a trilha sonora da rotina nos acampamentos do bando de Lampião.

“Atendendo pedido do repórter, ‘Volta Seca’ canta algumas (músicas). Confirma que ‘Mulher Rendeira’ era a preferida de todos e quase que o hino do cangaço. O LP chama-se ‘Cantigas Sertanejas’ e foi gravado pela Todamérica”. (A TARDE 14/3/1963, p. 4).

Midiático

Volta Seca foi o preso mais jovem entre os integrantes do cangaço. Ele contou, na entrevista que concedeu em 1963, que foi acolhido por Lampião após fugir de casa e perambular pelos sertões. Estácio de Lima afirmou que ele tinha dez anos quando entrou no cangaço. Natural de Itabaiana, Sergipe, Antônio dos Santos fez pequenos serviços para o bando até que aos 13 anos começou a participar de ações, como o assassinato de policiais em Queimadas, o crime que lhe deu notoriedade e resultou na sua condenação.

Praticante da abordagem que fazia a mistura explosiva – associação de traços físicos a comportamento criminoso – seguindo os passos de Nina Rodrigues, Estácio de Lima relata exames, como radiografia, em Volta Seca como um dos métodos para investigar os motivos da sua inclinação para o crime. Mas criticou o que considerava um interesse exagerado da imprensa pelo personagem.

“Volta Seca passou a meio falastrão. E a reportagem ávida das novidades e das sensações invadiu a Penitenciária da Bahia, no velho Engenho da Conceição, para as entrevistas repetidas”. (Volta seca e o estranho mundo dos cangaceiros, p. 31).

Realmente, Volta Seca foi tema de seguidas reportagens publicadas em A TARDE, pois sempre estava envolvido em lances fascinantes. A edição de 18 de janeiro de 1946, por exemplo, deu detalhes sobre Percilia da Cruz, uma lavadeira que morava na região da Capelinha de São Caetano e que era tida como a companheira de Volta Seca. A casa de Percilia foi um ponto de busca por informações quando ocorreu a sua segunda fuga do presídio.

A escapada foi noticiada no dia 17 de janeiro, mas 12 dias depois, um texto na capa do jornal informou que Volta Seca havia retornado ao presídio. Ele explicou que ao perder o horário marcado para se recolher temeu ser punido e resolveu ficar perambulando por Salvador. Na fuga anterior chegou a sair da capital, mas retornou quando o seu companheiro na ação ficou doente.

Revisão

Literatura, estudos acadêmicos e o cinema começaram a abordar o cangaço por outras perspectivas que não apenas a criminal. Há narrativas que enfocam, como no caso dos movimentos messiânicos, a pobreza, a ausência do estado e o contexto dos enfrentamentos de poderes locais como bases do fenômeno. As alianças de Lampião, por exemplo, envolveram proprietários de terra interessados no poder que essa relação poderia ofertar especialmente para amedrontar adversários.

“O cangaço é um movimento que comporta as mais variadas narrativas, relatos, versões e é um fenômeno antigo. O cinema foi fundamental na retomada desse assunto, especialmente o feito por Glauber Rocha e outros integrantes do chamado Cinema Novo”, analisa Gilfrancisco, 69 anos. Historiador, jornalista e escritor, ele tem cerca de 40 livros publicados sobre temas e personagens relacionados, especialmente, à história da Bahia e de Sergipe, onde mora atualmente.

Gilfrancisco é autor de uma interessante obra que mapeia as notícias sobre Lampião no Diário Oficial do Estado de Sergipe dando uma dimensão das estratégias adotadas para tentar conter os ousados movimentos do herói para uns e bandido para outros. “O Diário tinha uma coluna que fez parte da estratégia de comunicação oficial, envolvendo até rádios para dar alertas sobre as ações de Lampião”, diz Gilfrancisco. O livro intitulado Lampião no Diário Oficial tem belíssimas ilustrações do artista plástico Leonardo Alencar.

Com o cangaço no radar dos seus escritos, Gilfrancisco, um pesquisador cuidadoso e detalhista, conheceu Volta Seca. Ainda menino, acompanhou o pai, Odilon Francisco dos Santos, funcionário da Ufba e radialista, ao restaurante da famosa cozinheira Maria de São Pedro. Lá, Volta Seca encontrou-se com Jorge Amado.

“Na minha cabeça de menino a sensação era de um certo temor, afinal ele era definido como um matador, alguém que cometia atrocidades. Lembro que ele estava acompanhado por dois homens. É natural, pois alguém que tinha uma história como a dele podia ser um alvo para várias pessoas”, diz Gilfrancisco.

Esse encontro tinha ainda um ingrediente a mais sobre a midiatização da história de Volta Seca. Contava-se que ele tinha ficado furioso ao saber que Jorge Amado deu seu nome a um dos personagens do livro Capitães da Areia. Segundo a rede do fuxico, Volta Seca teria ameaçado fazer Jorge Amado engolir as páginas do livro. Mas ao menos esse encontro, de acordo com as lembranças de Gilfrancisco, não teve demonstrações de ressentimento.

De alguma forma, Volta Seca parece ter contado com uma certa simpatia de alguns setores da imprensa. Um repórter de A TARDE que, infelizmente, não tem o seu nome registrado, pois na época não se usava rotineiramente o recurso de assinar reportagens, conseguiu permissão para dar pessoalmente ao ex-cangaceiro a notícia da redução de sua pena.

“Quando lhe comunicamos que o presidente da República havia comutado sua pena e que ele brevemente iria ser solto, “Volta Seca”, meio desconfiado, disse: “Deixe de história seu repórter, o que eu quero é paz e dinheiro e daqui a uns dez anos a minha liberdade”. Mostramos-lhe então o telegrama e ele exclamou que já podia ir embora”. (A TARDE, 8/11/1951, p. 2). Mas a liberdade de Volta Seca ainda demorou alguns meses e teve o cômputo de punição pelas duas fugas. Solto em abril de 1952, foi trabalhar no IML, dirigido por Estácio de Lima. Sete meses depois surgiu o boato de que ele havia sido morto em uma confusão. Além disso ninguém conseguia localizá-lo em Salvador.

Mas na edição de 5 de dezembro do ano seguinte, A TARDE noticiou que o Comitê de Imprensa da Câmara do Rio de Janeiro estava à procura de um emprego para Volta Seca. O texto também informou que ele havia auxiliado na divulgação do filme O Cangaceiro, de Lima Barreto, e uma das atrizes, Marisa Prado, havia batizado uma de suas filhas. Em 7 de dezembro de 1953, A TARDE informou que ele conseguiu um emprego de vigilante, mas estava receoso, pois achava parecido com a função de “macaco”, que era a forma como os integrantes do cangaço chamavam a polícia.

Ferrovia

Quando visitou A TARDE em 1963, Volta Seca estava trabalhando na ferrovia, na Estação Barão de Mauá, conhecida como Leopoldina, no Rio de Janeiro. Contou que tinha um salário superior ao mínimo da época, que era de 21 mil cruzeiros, e outros detalhes da sua vida como um homem regenerado. Na despedida, o repórter foi abraçá-lo e notou que ele estava armado, detalhe que registrou no texto assim como a resposta de Volta Seca:

“– Tenho porte de arma e carrego uma pistola. Meu serviço na Leopoldina exige. E o fato da polícia me conceder porte de arma é uma prova que mudei e que a polícia confia em mim”. (A TARDE, 14/3/1963, p. 4).

Volta Seca morreu em 1997 quando morava em Minas Gerais. Não manteve a promessa de silenciar sobre o cangaço, como afirmou para a reportagem de A TARDE em 1963, pois, posteriormente, concedeu entrevistas a jornais, como O Globo e o Pasquim. Em 1995 foi entrevistado pela TV Globo onde mais uma vez abordou o tema que o fazia ser lembrado: a condição de sobrevivente do bando de Lampião, uma história que ainda move paixões intensas.

Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em Antropologia

*A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período.

Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE

Para saber mais: Volta Seca e o estranho mundo dos cangaceiros, Estácio de Lima, coleção E-Poket, 2020; Lampião no Diário Oficial, Gilfrancisco, Edições GFS, 2021. Pedidos:gilfrancisco. santos@gmail.com; Os Cangaceiros. Direção: Lima Barreto, 1953

 https://atarde.uol.com.br/atardememoria/noticias/2170298-a-trajetoria-de-volta-seca-o-menino-do-bando-de-lampiao-premium

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RAPTADA PELO BANDO DE LAMPIÃO, MULHER DE 96 ANOS PASSOU JUVENTUDE NO CANGAÇO

Por Leonencio Nossa, enviado especial

É o trauma de uma violência sofrida há mais de oito décadas por uma mulher que torna bem vivo o tempo do cangaço numa pequena casa do Jardim Márcia, na periferia de Campinas (SP). Na cidade muito longe do sertão - pelo menos na geografia - mora Dulce Menezes dos Santos, de 96 anos, violentada na adolescência por um integrante do grupo de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, arrancada da família e levada para a vida nômade na caatinga.

O começo de tarde paulista é frio para a senhora de corpo franzino e cabelos compridos, que acordou da rápida sesta. Ela chega à sala para a conversa com a equipe de reportagem. Antes mesmo de sentar no sofá, comenta: "O sonho da gente não esquenta mais, não". O lamento vem junto com um leve sorriso. A filha caçula, Martha, diz: "Tá faltando carne entre esses ossinhos, mãe".

Dulce se ajeita no sofá, com ajuda da filha. Martha conta que a mãe sempre evitou visitas e não esconde incômodo com janelas e portas abertas - por onde entram o frio e também a violência. Antes de toda pergunta, solta uma frase que repetirá a cada resposta dada e a cada interrupção na longa conversa. "Infelizmente aconteceu isso contra minha vontade. Não fui porque quis ir."

Era filha de trabalhadores de uma fazenda de algodão em Porto da Folha, Sergipe. Tinha quatro anos quando um besouro mordeu a mãe, Maria, que não resistiu. O pai, Mané João, dizem, morreu de saudade seis anos depois. A menina foi morar com a irmã Mocinha, em Piranhas, Alagoas, depois na fazenda de outra irmã, Julia, e do marido dela, João Felix.

O lugar servia de rancho de cangaceiros que adentravam o sertão. Ela estranhou os homens de roupas de tecido grosso, cor de folha seca, cintos pregados de moedas, chapéus de couro de aba para trás e com estrelas bordadas e bornais floridos. E bem armados. Um dos que frequentavam a fazenda era o cangaceiro João Alves da Silva, o Criança. Ao ver aquela menina num canto, acabrunhada, negociou a compra dela com João Felix por um bornal de joias.

Criança avisou a João Felix que levaria Dulce numa festa que seria organizada pelo amigo cangaceiro Zé Sereno, numa fazenda vizinha. João Felix levou a mulher, Julia, e a cunhada. Criança não esperou para se aproximar da menina, que estava na casa da fazenda. Dulce já se assustou quando o cangaceiro entrou. "Tu vai ali comigo, Dulce."

Ele a puxou pelo braço, arrastando para fora. "Cala a boca, se não te sangro agorinha mesmo." Do lado de fora, a jogou no chão. Entre pedregulhos e espinhos, Dulce foi violentada e os convidados assistiram em silêncio. O cangaceiro passou a noite vigiando a "mercadoria". A música continuava e o som da sanfona e do triângulo sufocava os soluços de Dulce. Arrependido, João Felix temia que Criança, ao fim da festa, levasse Dulce embora. "Num vou desperdiçar bala em tu não, homem", disse o cangaceiro, com desprezo, segundo Dulce. "Esse cara me carregou."

Beira do rio

Naquele tempo, Dulce flertava com Pedro Vaqueiro, garoto de Piranhas. Eles brincavam na beira do São Francisco. "Eu era novinha, de 13 para 14 anos, uma criança", lembra. A violência vai e volta no relato de Dulce. "Fui a pulso, arrastada, se não morria. O apelido dele era Criança (o nome do agressor sai mais forte na voz dela). Deus queria que eu estivesse aqui agora, conversando com vocês", conta. "Com parabellum (pistola) na mão. E com medo de morrer, acompanhei."

A notícia do rapto chegou a Piranhas. Pedro Vaqueiro se desesperou. Dizem que ficou desnorteado, sem rumo. Saiu de casa, desapareceu, relata Martha. A história daqueles dias está num livro escrito pelo professor baiano Sebastião Pereira Ruas, que foi casado com Martha. Dulce, a boneca cangaceira de Deus foi escrito na forma de novela típica dos velhos contadores. O texto simples traz luz ao debate sobre a violência contra a mulher no cangaço. A venda é para ajudar Dulce.

Massacre

Em 27 de julho de 1938, Dulce estava num acampamento na Grota do Angico, Sergipe. Ali, Lampião reuniu diversos subgrupos que agiam sob seu controle na caatinga, em roubos, saques, achaques e agiotagens. Foi quando Dulce, adolescente, esteve mais perto de Maria Gomes de Oliveira, de 27 anos, a mulher de Lampião, que ficou conhecida por Maria Bonita. "Era boa pessoa a Maria. Ficamos poucos dias juntas. Lampião tinha uma turma, Criança tinha outra, Balão tinha outra. Se vivesse tudo junto, a polícia descobria pelo rastro. Agora, nesse dia estava todo mundo junto. Tinha de acontecer, graças a Deus."

À noite, Maria chamou Sila e Dulce para conversar. Na conversa, elas viram, na caatinga escura, uma luzinha amarela, que piscava longe. Chegaram a pensar que era vaga-lume. Foram dormir sem falar para os homens sobre a luminosidade.

Pela manhã, Dulce levantou com os gritos de Criança. Uma volante - grupos de policiais formados para combater cangaceiros - tinha cercado o grupo. Em meio a tiros, ela ouviu a voz de Maria Bonita, baleada, diante do corpo de Lampião. Dulce, Sila e Enedina correram. Um tiro de fuzil acertou a cabeça de Enedina, miolos respingaram em Dulce, que conseguiu escapar juntamente com Criança e outros 21 cangaceiros.

"No combate em que mataram Lampião e Maria Bonita, eu estava. Nenhuma bala pegou em mim. Morreu um bocado. Já esqueci quantos morreram", conta - 11 cangaceiros e um soldado morreram. "Era tiro demais. Gente caindo, entrando pelas pernas, passando em cima de cabeças. Escapou quem tinha de escapar, porque nunca vi tanto tiro na vida, meu filho." A notícia da emboscada chegou rápido a Piranhas. Parentes de Dulce foram ver se a cabeça da menina estava em exposição na escadaria da prefeitura.

O historiador João de Sousa Lima, de Paulo Afonso, na Bahia, desenvolve um trabalho para localizar sobreviventes do cangaço, em especial mulheres. Os relatos delas mostram que a história de crueldade do bando de Lampião ou das volantes encobriu a da violência contra mulheres do grupo. Uma semana antes do massacre de Angicos, Cristina foi assassinada por querer trocar de companheiro. Também foram mortas de forma trágica pelo próprio grupo Lídia, Lili e Rosinha.

Mulher de prefeito

Embrenhado na caatinga, o grupo sobrevivente de Angicos decidiu se entregar à polícia. "Aí acabou", diz Dulce. O ditador Getúlio Vargas concedeu anistia aos cangaceiros. Criança e Dulce, nesse tempo, tiveram dois filhos. Foram trabalhar na fazenda de João Anastácio Filho, o Jacó, na região de Jordânia, Vale do Jequitinhonha, em Minas.

O livro destaca que Jacó era influente. Casado, decidiu se aproximar de Dulce. Pôs Criança para atuar como tropeiro e, assim, começou a afastá-lo da fazenda. Depois de uma longa viagem, Criança foi alertado por companheiros que era melhor ir embora. Ele levou os dois filhos. Do casamento com Jacó, Dulce teve outros 18 filhos. Anos depois, ele foi eleito prefeito de Jordânia, hoje com 10 mil habitantes. "Foi o tempo que fui feliz. Por enquanto estou aqui, até a hora que Deus me levar. Graças a Deus nunca maltratei ninguém", diz. "Agora essa turma do Lampião, meu Deus do céu, quando queria pegar mulher, se não fosse, eles matavam."

Com a morte de Jacó, Dulce foi morar com a filha Martha em Campinas. A cidade grande também seria de privações. Viu filho e netos serem assassinados. Ela volta a falar do sertão e do cangaço. "Acabou. O Norte está sossegado, não está?"

Serviço:

DULCE, A BONECA CANGACEIRA DE DEUS

Autor: Sebastião Pereira Ruas

Editora: Lexia, 227 páginas

Preço: R$ 45

O livro é vendido por Martha Menezes pelo telefone 019-988726588.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

https://atarde.uol.com.br/brasil/noticias/2078844-raptada-pelo-bando-de-lampiao-mulher-de-96-anos-passou-juventude-no-cangaco

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PAIS DE MARIA BONITA

Por José Mendes Pereira 


Aqui são os sofridos pais de Maria Gomes de Oliveira a Maria Bonita do capitão Lampião.

Em 1964 – Dona Maria Joaquina Conceição de Oliveira, a mãe de Maria Bonita sofreu uma picada de cobra, e não resistindo ao envenenamento, veio a falecer.

Em 05 de Março de 1965,  faleceu José Gomes de Oliveira, Zé Felipe, pai de Maria Bonita. – Fonte: http://tokdehistoria.com.br/tag/ze-de-nenem

Em uma entrevista José Gomes de Oliveira disse ao repórter que, quando Maria Bonita entrou para o cangaço, ele passou oito anos no mundo afora, vivendo por aí, sem destino.

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ROTA TURÍSTICA DO CANGAÇO LAMPIÔNICO

Por Geovan Farias

Região do Estado de Sergipe, Município de Poço Redondo às margens do Velho Chico, a Grota do Angico, onde tem uma pequena gruta, Combatentes Cangaceiros Lampiônicos foram atacados com o avanço da tropa, fortemente armada, do Governo do Estado de Alagoas.

A tropa Alagoana deixou para trás corpos de Cangaceiros mutilados, seviciados com vilipêndio de cadáveres, dignos de um filme de terror.

No ataque surpresa a tropa Lampiônico reage de forma heróica, contudo, é obrigada a recuar. Sem o Comando Central, atacado mortalmente, os Cangaceiros Lampiônicos, ao longo do tempo, depuseram às armas e foram Anistiados, pondo, assim, o fim da Era Lampiônica no Cangaço.

https://www.facebook.com/groups/508711929732768

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O HOMEM QUE SE OFERECEU PARA PEGAR LAMPIÃO A UNHA.

 Por Nas Pegadas da História

https://www.youtube.com/watch?v=2zMpx_8qB7k&ab_channel=NASPEGADASDAHIST%C3%93RIA

LIVROS SOBRE O CANGAÇO ✔✔✔A história de lampião contada através dos cordéis https://amzn.to/3lWeAXB ✔✔✔O covil do diabo https://amzn.to/3k9jaBx ✔✔✔De olho em lampião https://amzn.to/37i9ukG ✔✔✔Benjamin Abrahão: Entre anjos e cangaceiros https://amzn.to/3lOxu2K ✔✔✔Um repórter do futuro no bando de Lampião https://amzn.to/2IFptim ✔✔✔O governador do Sertão https://amzn.to/31gcwlv ✔✔✔Apagando Lampião – Vida e morte do rei do cangaço https://amzn.to/3lVgiZf ✔✔✔Maria Bonita: Sexo, violência e mulheres no cangaço https://amzn.to/3jc56FY ✔✔✔Cangaços https://amzn.to/2H2xQnM DICAS DE LIVROS. https://ler-para-melhor-viver.webnode... https://jflavioneres-nph-livraria.fre... CANAIS PARCEIROS: 😊👀 UMA HISTÓRIA PARA A MEMÓRIA https://url.gratis/EKbuum 😊👀 ROSINHA VIDA MINHA: https://www.youtube.com/channel/UCE32... 😊👀 Pr. FLÁVIO NERES : https://www.youtube.com/channel/UCuM7...

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JOÃO BARACHO: O HOMEM QUE ATERRORIZOU NATAL/RN NOS ANOS 60

 Por Nordeste Fantástico

https://www.youtube.com/watch?v=v-GxmVkH0bk&ab_channel=NordesteFant%C3%A1stico

O vídeo trata-se da história de João Baracho, um dos foras da lei mais conhecidos da crônica policial da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte nos anos 60. Baracho após morrer é cultuado como santo no cemitério do Bom Pastor em na capital potiguar. #Baracho #Natal #RN #PMRN #História #Biografia O canal trás para os inscritos, histórias de um passado cheio de batalhas no sertão nordestino e casos e causos de personalidades nordestinas que marcaram o imaginário popular. 

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ALGUNS ATAQUES DO CANGACEIRO JESUÍNO BRILHANTE NA PARAÍBA E RIO GRANDE DO NORTE

 Por Nordeste Fantástico

https://www.youtube.com/watch?v=wEPyhs8aSk0&ab_channel=NordesteFant%C3%A1stico

O vídeo conta a história de ataques do Cangaceiro Jesuíno Brilhante e seu bando no Rio Grande do Norte e na Paraíba. #JesuínoBrilhante #Paraíba #RN #PombalPB #MartinsRN #CatoléDoRocha #PatuRN #BrejoDoCruz O canal trás para os inscritos, histórias de um passado cheio de batalhas no sertão nordestino e casos e causos de personalidades nordestinas que marcaram o imaginário popular. 

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O NASCIMENTO DO CABELLEIRA | CNL | 872

 Por Cangaço na Literatura

https://www.youtube.com/watch?v=V5fiA7577zg&ab_channel=OCanga%C3%A7onaLiteratura

Narrado por Robério Santos

CABELLEIRA (A SÉRIE) https://www.youtube.com/watch?v=K46cZ...

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