Por: José Mendes Pereira
Por que crio algumas histórias?
O escritor Adolfo Caminha, Aracatiense-CE, disse o seguinte: “-O ser humano que tem bom censo e sabe ler e escrever, e não repassa o que pensa para um papel, com medo de levar ao público, é um grande rude entre os homens”.
Com medo de ser rude entre os homens, eu não me sinto tímido para publicar os meus pensamentos.
Através de uma frase criada por vestibulandos, eu escrevi esta história, colocando como principal personagem, o professor João Maleável.
O João Maleável estava preparadíssimo para concorrer uma vaga no curso de letras, e já se considerava um dos acadêmicos daquela universidade. Há meses que ele não ia mais ao bar do Aderaldo, lá na Pedro II, para tomar uma pinguinha em companhia dos amigos; e nem tão pouco à Praça da Catedral para dar um dedinho de conversa com o livreiro da banca de revistas. Pelo menos no momento só os livros eram a sua diversão. Já havia devorado o José de Alencar, a Raquel de Queiroz, o Jorge Amado, o Machado de Assis; leu um pouco a Cora Coralina e outros romances dos grandes escritores da literatura brasileira.
Em relação aos conteúdos estudados, estava com todos encaixados ao crânio. Em Português: Compreensão de textos, crases, interpretação, orações subordinadas, as coordenadas, semânticas, morfossintáticas, e discursivas, significação literal e contextual. Nossa! Nisso ele era o bicho! E Matemática? Foi a disciplina que mais treinou em casa, fazendo cálculos e mais cálculos. E História? Sabia tudo! Sim senhor! “-E que venha Geografia!” - Dizia ele. E Inglês? Nenhuma dúvida! Verbos no presente, no passado, no condicional, no gerúndio, no particípio...
Eram sete horas da manhã quando os portões da Universidade foram liberados, para que os vestibulandos fossem se acomodando em seus lugares. O futuro dono da sabedoria ocupou a cadeira 61, e tinha certeza que ia fazer uma boa prova.
Minutos depois deram início ao concurso em um silêncio total. Ninguém mais podia conversar ou se deslocar de sua cadeira para outro lugar.
Lá em um dos recantos da sala estava o João Maleável, todo orgulhoso e com o crânio cheio de sabedoria, para dar e vender. O tempo passava rápido, e ele no momento resolvia a parte gramatical e bem concentrado.
A Cristina, uma amiga de colégio, também concorria uma vaga, e permanecia sentada atrás dele, ocupando a cadeira 62. Vez por outra ela cravava a ponta fina do lápis no seu vazio pedindo respostas.
- Calma! – Exclamava ele prendendo a língua para que o fiscal não o observasse.
Finalmente terminou a parte principal, e agora sim, podia enfrentar a redação. Já havia respondido o que não lhe preocupava tanto. E partiu ele com garras para devorar a redação, pois não tinha medo de redigir, era o seu melhor hobby.
Mas quando ele abriu a página e viu o tema, entrou em choque. Não era o que ele tanto esperava. Sim senhor! Redigir um pingo d’água!
-E agora, o que eu faço? - Resmungava ele. Será que os elaboradores desta prova estavam doidos, malucos? Quem já se viu isso meu Deus! Redigir-se um pingo d’água!? Tanto que eu estudei e colocaram uma besteira desta! Minha Nossa Senhora! O fiscal da sala ouvindo aquele ai, ai, ai, do João Maleável, não lhe poupou a pele. E de pressa alterou-se um pouco e o chamou à atenção dizendo-lhe:
- O senhor aí, o que está acontecendo?
- Nada, senhor! Nada! - Respondeu ele timidamente.
E continuou observando a prova novamente. Pôs-se a imaginar um pingo d’água. No momento só lhe veio à lembrança de que a água era formada por dois elementos: Hidrogênio e oxigênio, e representada por H2O. E o pingo d’água era incolor, minúsculo, algumas vezes em forma de balão. Em outros momentos, arredondado, sem cheiro, e se caísse sobre o chão desaparecia em fração de segundo nos grãos de areia. Tentou recomeçar novamente, mas não lhe apareceu nenhuma inspiração. Insistiu outra vez, mas a mente estava totalmente travada. Colocou um pouco de saliva sobre o chão e ficou observando, esperando que as bolhas desaparecessem para ele idealizar um pingo dágua.
O fiscal parecia que estava o marcando.
- Novamente senhor eu tenho que lhe chamar atenção! O que o senhor está vendo aí no chão?
- Nada, senhor!...Nada!... Talvez seja a sua mãe..., Quis ele dizer algo baixinho, mas desistiu.
- O que o senhor quis me dizer?
- Nada! Eu estou olhando senhor, para ver se eu vejo a minha mãezinha aqui no chão... Quem sabe,... Talvez ela possa me ajudar nessa redação! – Respondeu ele maleavando.
Os vestibulandos se desmancharam em risos.
A Cristina cutucou-lhe dizendo:
- Sossega leão! Fique calmo! Não o responda! Ele pode te prejudicar. Cuidado!
De repente lhe veio à intenção de embrulhar a prova e ir até onde ele estava e esfregá-la no nariz. Mas depois desistiu. O fiscal não tinha culpa, os únicos culpados tinham sido os elaboradores que criaram uma redação tão imbecil. Infelizmente, desta vez o João Maleável estava frito.
A sirena anunciou o final das provas, e ele não tinha mais como fazer nada. E antes que alguém lhe tomasse a prova, escreveu: -“Foi neste pingo d’água que o João Maleável se afogou”.
(Pois diga meu amigo João Maleável! Fritaram você! Não estudou!).
A palavra maleavando gramaticalmente não existe.