Cortando o
chão seco, pedregulhento e quase sempre gretado pelo calor do sol da zona
oeste, corre o rio Apodi-Mossoró. Ele tem um papel determinante na existência
dos seres que habitam nas cercanias de sua bacia hidrográfica, que ocupa 28,5%
da superfície do Estado, sendo a maior da Província, com cerca 18.100 km². É o
segundo em extensão do Estado, com aproximadamente 164 quilômetros. Nasce na serra
de Luís Gomes, no sudoeste do Rio Grande do Norte próximo à divisa com a
Paraíba, percorre em 51 municípios e é alimentado pelas águas que escorrem da
Chapada do Apodi, pelos riachos Bonsucesso, Cabelo Negro, São Raimundo e Pai
Antônio e, ainda, por águas de córregos e extravasadas de açudes e barragens
construídas em seu leito. Possui um único afluente, o rio Upanema ou do Carmo.
Deságua no Oceano Atlântico, quando faz o limite entre os Municípios de Grossos
e Areia Branca, com uma vazão de cerca de 360 milhões m³/ano. O escoamento é
iniciado no mês de março, diminuindo paulatinamente nos meses seguintes, até
tornar-se nulo de novembro a fevereiro.
Na sua forma
natural é um rio de regime temporário, não perene. No seu percurso alimenta
alguns reservatórios naturais – neles se destacando a Lagoa de Apodi,
circundada por terras de boa fertilidade –, corta a cidade de Mossoró no
sentido sudoeste-nordeste, apresentando-se sinuoso nessa região e com várias
lagoas nas proximidades de suas margens. Sua várzea apresenta larguras
apreciáveis, da ordem de 500 a 1000 metros, porém vez ou outra se estreita,
formando gargantas por onde, nas cheias, a água corre com mais violência.
Segundo Câmara
Cascudo, na geografia há referências sobre o rio que datam desde os primórdios
do Brasil colônia. Nesse caso estariam o Mapa de Nicolo (Nicolay) de Canerio
Januensis, elaborado em 1505, que apresenta uma foz, como sendo do rio Sta.
Maria da Rabida; as Cartas Marear de Pedro Reinel e Jorge Reinel, de 1516 e
1519, apresentam-no como o Rio de São Miguel (Sam Miguell); o Padrão Real de
Alonso Chaves, de 1536, como o rio grande de Sainet Migiel, e o “Tratado” de
Gabriel Soares de Souza, também dá o nome de São Miguel “a um rio volumoso que
só pode ajustar-se ao Apodi-Mossoró”. Cascudo diz ainda que “O topônimo
Mossoró não aparece ainda na cartografia do século XVII. O Rio popular é o
Upanema, Opanama, Opunamà, o Ywmanim, Ipanim, Ipiuim, Wapanem, Iwypanema dos
mapas holandeses seiscentistas […]. Verdade é que surge um rio ‘Murggeron’
e ‘Mouggerou’ (Johannes Jansson, 1653, de [Frederick de] Wit, 1871, o
mapa que acompanha a ‘Descrition des Indes Occidentales’, de [Joannes de] Laet,
1625, 1640) que poderia ser um ‘Mossoró’ deturpado e confuso. Mas não creio
ratar-se do topônimo. O nome não era vivo nesse tempo”.
O francês
Guillaume de Delisle, em sua “Carte de la Terre Ferme du Perou, du Bresil et du
Pays des Amazones dressé sur les Descriptions de Herrera de Laet, et des PP.
d’Acunã, et M. Rodriguéz et sur plusieurs relations et observations
posterieures” (Provavelmente retirada do “Atlas Geographique & Universel
avec la Géographie Ancienne & Moderne”), de 1720, faz referência ao
Ywipanem rio Ipanen. José Monteiro de Carvalho (?-1780), no “Mapa dos confins
do Brasil, com as terras da Coroa de Espanha na América Meridional”, cita
Ipanenin. No “Mapa de Todo o vasto Continente do Brasil ou América Portuguesa
com as Fronteiras respectivamente constituidas pelos Dominios Espenhões
adjacentes”, publicado em 1778 por Penalva do Castelo, encontramos o “Rio
Ipanema ou das Salinas”.
Em 1810 o Rio
ainda era mais conhecido com “Panema” ou “Upanema ou Salinas”, como citado por
Koster (1942, p. 153 e 2ª prancheta). Sete anos depois, em 1817, Aires de Casal
(1947, vol. II, p. 212; 1976, p. 279) cita e descreve o rio com o nome de Rio
Apodi somente:“…ao qual dão quarenta léguas de curso, noutro tempo Upanema,
nome que hoje se apropria a outro menor, que se lhe une pela margem direita,
três léguas acima da embocadura, corre quase sempre por terreno plano, onde há
várias lagoas, que pouco a pouco lhes restituem as águas, que suas cheias lhes
introduziram. Tais são entre outras a denominada Apanha-peixe, que tem uma
légua de circuito; Paco, um pouco menor; a da Freguesia das Varges, que tem
seis milhas de comprido, e pouca largura. Todas secam nos anos que não são
chuvosos. Grandes canoas sobem até o Arraial de Santa Luzia, situado sobre a
margem esquerda, seis léguas longe do Oceano. Deste sítio para baixo, estão as
famosas salinas de Mossoró, cujo sal é alvo como a neve, e faz que aquelas
paragens sejam vistosas e povoadas, e o rio visitado por grande número de embarcações,
que o transportam a diversas partes”.
O Rio Mossoró
ou Apodi-Mossoró somente se firmou com o nome atual em 1857, quando a marinha
realizou o primeiro estudo importante das costas brasileiras ocorreu, fazendo o
levantamento hidrográfico entre a foz do rio Mossoró e a foz do rio São
Francisco. Esse trabalho foi elaborado pelo capitão de fragata Manoel Antônio
Vital de Oliveira, em 1862.
Em 1917, Pedro
Ciarlini projetou e dirigiu a construção de sete barragens submersíveis no
município. No final dos anos 30 e começo dos 40 do século passado, o padre
Mota, então prefeito, iniciou o processo de canalização do rio, pela sua margem
esquerda, na região urbana central da cidade. Também na sua gestão foi
construída a primeira ponte, a ponte Jerônimo Rosado. Depois vieram as outras
pontes e Dix-huit rasgou o braço que abraça a ilha de Santa Luzia, a sua
direita.
Hoje o rio é
uma grande cloaca para onde vai toda espécie de dejetos, domésticos e
industriais. Esgotos não tratados, águas servidas, os rejeitos das empresas de
carcinicultura, salineiras e de outros setores, lixo, todo é jogado no seu
leito. E aguapé (eichornia crassipes), muito aguapé. O aguapé encontra na água
do rio uma rica fonte de nutrientes (esgotos sem tratamento etc.), o que
favorece a sua reprodução com rapidez. É uma questão de falta de saneamento
básico e consciência da população. Enquanto o problema existe, a Secretaria dos
Recursos Hídricos do governo estadual divulga que “se não fosse tão poluído, o
rio Mossoró poderia ser cartão postal da cidade”. Por sua vez, a Federação das
Indústrias do Estado diz que “a poluição atualmente existente no Rio
Mossoró é um obstáculo importante à consolidação da cidade como polo turístico
e às intervenções destinadas a criar um Parque Linear às suas margens”.
E a solução
para esse problema? Isso é coisa que os governos do município, do estado e do
país não veem.
PS – Com dados
do meu livro “Padre Mota”.
Leia também:
http://www.tomislav.com.br/o-rio-do-pais-de-mossoro/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com