O bando deixou
Arrastapé no dia 18 de abril, passou pelas fazendas Riacho e Malhada da
Caiçara, varou pelas caatingas de Santa Brígida e entrou em Sergipe, indo
pernoitar na fazenda Pedra d’Água, perto de Canindé. No dia seguinte, os
cangaceiros acordaram cedo, arrearam os cavalos e tocaram em direção a Poço
Redondo. Embora Lampião já tivesse entrado em Sergipe pelo menos duas vezes,
esse fato era desconhecido em Poço Redondo, um povoadozinho com umas trinta
casas separadas umas das outras, na beira do Riacho Jacaré, afluente do São
Francisco.
Naqueles
ermos, não havia rádio nem telégrafo, as notícias corriam devagar. Ouvia-se
falar nas estripulias de um cangaceiro chamado Lampião, mas isso era lá para os
lados de Pernambuco ou Paraíba, lugares que ninguém nem sabia para que lado
ficavam, terras tão longínquas que para os matutos era como se ficassem no
estrangeiro. De modo que no Poço ninguém podia imaginar que o temível
cangaceiro se encontrasse em Sergipe, e mais precisamente a caminho daquele
povoado pobre, perdido nos cafundós.
No dia 19 de
abril de 1929, o arraial estava em festa, pois, conforme acontecia pelo menos
uma vez por ano, seria ali celebrada uma missa pelo padre Artur Passos, de
Porto da Folha. O vigário, um homem já velho, ranzinza, malcriado e mandão, já
se encontrava no Poço desde a tarde do dia anterior. Estava hospedado na casa
de Teotônio Alves, conhecido como China, descendente de uma das famílias
fundadoras do lugarejo, os Garra. China, casado com dona Marieta Alves de Sá,
era considerado um homem rico: era dono da fazenda Recurso e tinha uma bodega
no povoado, onde vendia de tudo – jabá, café, açúcar, sal, pimenta-do-reino,
rapadura, cocada, querosene, fumo de rolo, alpercatas, perfume, remédio e,
claro, cachaça.
Naquele dia,
muita gente acordou cedo, ansiosa pela festa. João Cirilo e Miquéias foram os
primeiros a entrar na bodega de China e, para aproveitar o dia, ainda em jejum,
já tinham tomado os primeiros goles de pinga, a fim de limpar o estômago. Entre
uma conversa e outra, escutaram um tropel de cavalos. Quando olharam, viram uns
cavaleiros estranhos vindo pela estrada de Curralinho. Os cavaleiros pararam em
frente à bodega. As roupas sujas de terra indicavam que aqueles homens não
vinham por causa da festa. Apesar de usarem chapéus de couro, não pareciam ser
vaqueiros, pois vaqueiros não carregavam armas, e aqueles tinham fuzis
atravessados nos cabeçotes das selas e deixavam entrever os cabos de grandes
punhais metidos nas bainhas, sobre as vestes suadas. Um deles adiantou o cavalo,
deu bom-dia e perguntou se era ali a casa de China. O próprio China respondeu
ao cumprimento e identificou-se. Então o estranho apresentou-se, amistosamente,
mas sem perder o tom severo do rosto:
– Munto prazê,
seu China! Me dero boas informação sobre o sinhô. Eu sou o Capitão Virgulino
Ferreira, vurgo Lampião.
China e os
companheiros quase caíram para trás com o susto. Dona Marieta, que ia chegando
naquele instante, preocupada com os preparativos da festa, ao ouvir a terrível
revelação pensou logo no padre, que ainda estava dormindo, alarmada com o que
aqueles malfeitores poderiam fazer com ele.
Percebendo o
vexame, Lampião disse que não precisavam ter medo, pois estava ali de passagem,
não iria fazer mal a ninguém, só queria descansar um pouco e comer alguma
coisa. Dito isto, desmontou do cavalo, no que foi seguido pelos outros
cangaceiros.
Enquanto os
homens amarravam os animais nas árvores, China, ainda atordoado com aquela
situação, foi providenciar cadeiras para os recém-chegados. João Cirilo e Miquéias
se prontificaram a ceder seus tamboretes, na esperança de poder cair fora, mas
Lampião mandou que se sentassem:
– Tem cadera
pra todo mundo, rapazes, nun tão veno qui seu China é home privinido? Fiquem
aí!
China trouxe
um banco e algumas cadeiras.
Percebendo que
dona Marieta ainda estava meio atarantada, Lampião voltou a explicar, falando
para o marido:
– Seu China,
diga a sua muié qui ninguém vai fartá cum respeito na sua casa. Diga a ela qui
pegue suas fia, tranque no quarto e bote a chave no bolso.
China, sabendo
por que sua mulher estava tão ansiosa, resolveu expor logo o problema:
– Sabe o qui
é, Capitão, mĩa muié tá munto preocupada purque o vigaro de Porto da Foia, o
pade Artu Passo, tá hospedado aqui na mĩa casa... Ele veio celebrá missa, vai
ter ũa festa hoje im Poço Redondo.
Fonte: facebook
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