Por João de Sousa Lima
A fazenda
Lajeiro do Boi, em Canapí era sempre visitada tanto por cangaceiros quanto por
policiais. Os proprietários desta fazenda era o casal José soares e Maria dos
Santos Lima. Eles tiveram sete filhos: Eleonora, Benedita, Dasdôres, Valdemira,
Luiza, Maria, Aristéia e Antenor. Todos nascidos no Capiá da igrejinha, local
onde fica a fazenda Lajeiro do Boi.
A polícia passava com freqüência na fazenda Lajeiro do Boi. Em uma dessas
passagens, um dos policiais ofendeu verbalmente ao velho patriarca dos “Soares”,
enquanto ele descansava no alpendre da casa se aproximou uma volante e um dos
soldados falou:
– Oh veio feio da peste!
– Cada qual como Deus fez! Retrancou José Soares!
– É verdade! Atalhou um soldado mais consciente!
Em outra
ocasião, outra volante comandada pelo aspirante Porfírio espancou o velho José
Soares e o filho Antenor, tendo este último sua orelha cortada, sendo atingido
pela coronha de um mosquetão. De tal castigo, com seus 97 anos de idade,
Antenor guarda a cicatriz co remorso e revolta pela pena sofrida.
Porfírio, além
de ferir os moradores da fazenda do Boi, espancou várias pessoas da fazenda
Talhada, seguindo até a fazenda Pedra D’água onde mataram Ramos.
Vizinho
fazenda Lajeiro do Boi, ficava a fazenda Poço do Boi e foi nesta fazenda onde
Benjamim Abrahão se encontrou com o bando de lampião para realizar as famosas
fotografias e as filmagens. Benjamim passava dias instalados na casa de
Francelino, onde se dirigia sempre uma velha baraúna com pretexto de fotografar
Otacilia, filha de Francelino, usando a velha árvore como desculpa para os
encontros amorosos que vinha tendo com a filha do dono da fazenda.
Das filhas do
casal José Soares e Maria Santos Lima, duas engrossaram as fileiras do
cangaceirismo. Uma indo por prazer, outra sendo forçada. A primeira a entrar no
bando foi Eleonora. Ela seguiu o cangaceiro Serra Branca.
Aristéia
Soares de Lima nasceu em 23 de junho de 1916 ( dia que se comemora a festa de
São João ) e lembra-se bem da passagem dos cangaceiros Corisco, Virgínio e Luiz
Pedro em sua casa, sendo que por diversas vezes, outros cruzaram o terreiro da
fazenda Lajeiro do Boi.
Tendo seu nome
envolvido como coiteira de cangaceiros e temendo a ação vingativa dos
policiais,Aristeia fugiu pra fazenda alto vermelho,entre lajinha e campo,próximo
a Santana do Ipanema,indo refugiar-se na casa das tias Mariinha, Zifina,Santa e
Maria Grande. Por essa época, Eleonora já se cobria com a mescla azul e os
bornais enfeitados com os desenhos de flores coloridas.
Cícero
garrincha já tinha certa queda por Aristéia e assim que abraçou a nova vida do
cangaço começou a rondar a fazenda da família da moça. Em uma dessas passagens,
ele foi avisado pela amiga Celina, da localização de Aristéia. Cícero seguiu
pra fazenda alto vermelho e depois de conversar com a escolhida, sem usar a
força, conseguiu que ela, mesmo contra sua vontade, acompanhasse o cangaceiro.
O novo casal
seguiu ao encontro do grupo de moreno que os aguardava no coito conhecido por
pilão das “pêia junta”, próximo á casa de Aristéia. No esconderijo, Aristéia
foi festivamente recebida. Durvalina manejou a velha máquina de costura e fez
um vestido pra nova amiga, completando o figurino com bornais floridos e um
chapéu de feltro.
Logo após a entrada de Aristéia, suas primas Sebastiana e Quitéria seguiram os
cangaceiros moita brava e pedra roxa.
CAPIÁ DA
IGREJINHA,
Zé Soares,
primo de Aristéia, jovem de dezesseis anos, na companhia do amigo Pedro Tomáz
seguiam para roça quando avistaram alguns cangaceiros que deram com a mão
chamando-os. O irmão chamou Zé para correr. Zé falou que se corressem podiam
morrer. Os dói foram ao encontro dos cangaceiros. O cangaceiro pedra roxa foi
logo identificado pelos irmãos. Pedra indagou aos jovens:
– Quem tinha na casa de Pedro Jaquinta?
– Tinha uma mulher!
– O que ela tava fazendo?
– tava torrando umas pipocas!
– Volte e traga uma cuia cheia de pipoca pra gente!
Os rapazes voltaram e quando deram o recado á mulher, ela caiu assustada.
Zé Soares apressou-se
-Avia (se apresse ) Carolina!
Ainda no chão a mulher respondeu:
– Pegue ai, meu filho!
Zé pegou a cuia e levou até o cangaceiro.
– Oi só tem o torrero!
– Tá bom, tá bom! Volte e traga um machado pra eu tirar uma abelha que eu achei
aqui!
Zé voltou, encontrando a mulher ainda no chão, tentando se recuperar do susto.
– Levanta Carolina, me dá um machado que a coisa tá apertando!
– Pegue aí debaixo do banco!
Zé entregou o machado a Pedra Roxa e o cangaceiro obrigou Pedro Tomáz a tirar o
mel. A empreita entrou pela noite, gastando o rapaz, duas caixas de fósforos
para clarear e fazer fumaça, espantando as abelhas.
De repente um
barulho foi ouvido e um farol clareou os cangaceiros e os rapazes. Era um
caminhão abarrotado de soldados. Os cangaceiros se abaixaram e por muita sorte
não foram avistados. Refeitos do susto os cangaceiros foram saborear o mel.
Pedra Roxa se aproximou dos dois irmãos e alertou:
– Olhe, vão embora, mais se conversarem que me viram, passam por essa daqui
(apontando a boca do mosquetão)!
– Eu por mim me garanto, só não garanto por este daqui!Falou Pedro Tomáz.
Diante do embaraço da resposta do irmão, Zé ficou sem palavras para se
defender. O cangaceiro ameaçou o jovem:
– Qué dizê, rapaz, que você é assim? Você agora achou! Você agora vai aprender
a viver!
No momento de angústia, Zé Soares se lembrou da padroeira do Capiá a quem ele
venerava : “ Valha-me Nossa Senhora Divina Pastora “ Clamou Zé,
silenciosamente.
Com pensamento
na santa, as palavras vieram e ele disse:
-Mais Pedro
como é que você diz uma coisa dessas comigo, eu tenho visto esses homens muitas
vezes, estando com você e nunca falei nem pra minha mãe!
Foram as
palavras salvadoras. O cangaceiro reconheceu que estava seguro.
Os jovens
puderam seguir o caminho de volta. No trajeto Zé reclamou de Pedro.
– Mais Pedro como é que você fala uma coisa dessas comigo?
– Agente com medo não Sab o que diz!
A escuridão da
noite era testemunha de uma conversa de amigo cobrava de um amigo a sua
lealdade e a justificativa do medo servia para pedir perdão e ser perdoado.
Nota: Relato
colhido pelo autor , no dia 25 de janeiro de 2007, em noite festiva, na novena
consagrada á Divina Pastora, no Capiá da Igrejinha. Canapí, Alagoas, Presente a
ex-cangaceira Aristéia e o próprio Zé Soares.
ARISTÉIA CHORA
A MORTE DA IRMÃ, A CANGACEIRA ELEONORA
Eleonora vivia
com o cangaceiro Serra Branca, que chefiava um grupo de aproximadamente cinco
cangaceiros. Grupo esse pouco conhecido por viver sempre escondido nas terras
alagoanas. Os cangaceiros desse bando não ganharam destaque em combates, saques
e nem crimes, fugindo da realidade do mundo que cercava os caminhos dos
cangaceirismo, vida cheia de entrechoques perigosos e violentos.
No dia 20 de
fevereiro de 1938, com as rodagens cercadas por policiais, que davam segurança
e proteção ao interventor Dr. Osmar Loureiro, de viagem pelos sertões
alagoanos, o tenente João Bezerra deixará sua volante nas proximidades do
Inhapí, ao cômodo do soldado Juvêncio, totalizando nove homens no grupo, que
estavam arranchados perto de uma cacimba.
Os soldados estavam bem á vontade ao redor da cacimba, desarreados dos bornais,
chapéus e cartucheiras, estando alguns sem alparcatas.
Com o
amanhecer, entre nove dez horas, enquanto Antonio Jacó tirava água do riacho,
ele observou um cachorro que se aproximou da cacimba e desconfiou que, pela
ornamentada coleira que possuía, só podia ser cachorro de cangaceiro. Os
soldados tinham realmente razão, era o grupo de Serra Branca que vinha se
aproximando.
O chefe trazia
nas costas, uma banda de bode, sendo seguido pela mulher Eleonora e mais dois
companheiros, entre eles o Ameaça Antonio Jacó viu quando o soldado Cornélio
levantou-se e empunhou o fuzil, se preparando para atirar, enquanto ele
ajeitava, na cintura, suas cartucheiras com vinte e cinco cartuchos. O tiro
zoou, partindo da arma de Cornélio Jacó correu em perseguição aos cangaceiros,
sendo acompanhado pelo soldado Zé Gomes. Na frente de Antonio Jacó corria o
cangaceiro Serra Branca e na frente tentava fugir Eleonora. Jacó gritou:
-Se vira cabra, pra brigar. Se vira pra brigar!
(Acompanhem a
perseguição sendo relatada pelo próprio Antonio Jacó):- Eu atirando, atirando e
correndo. Aqui e acolá ele ( o cangaceiro ) se virava, dava um tiro e corria.
Até que ele se apadrinhou numa catingueira, mas ficou assim meio de fora eu
tive a oportunidade de atirar bem nele. A bala pegou assim na altura da pá com
as costelas e saiu do outro lado, ele se torceu, jogou a banda de bode prum
lado e correu. Ai eu vi que tinha ferido ele, porque das costas saia sangue.
Quando ele saiu correndo eu sai na carreira atrás dele de novo. Adiante tinha
um riacho, ele pulou embaixo, já com pouca força. O riacho tinha assim um metro
e meio de fundura, mais tava seco. Na carreira que eu ia nem deu para parar na
ribanceira do riacho. Ele tava com o rifle armado e pronto para atirar e como
não deu pra mim parar eu pulei encima dele. Ele assombrou-se com o que viu e
ocorreu. Quando ele virou as costas, ai eu aproveitei e pá. Ele caiu debruçado.
Mais eu i que ele não tinha morrido. Quando ele caiu, a mulher que ia na frente
dele viu que ele não podia mais correr, virou-se abriu os braços. Não sei por
que ela abriu os braços assim, porque foi tudo rápido, não deu para pensar em
nada. Naquele instante, Zé Baixinho vinha atrás de mim e eu não sabia que ele
vinha atrás de mim, acompanhando aquela correria toda. Zé Baixinho que vinha
correndo mirou o mosquetão e atirou na mulher de braços abertos e acertou bem
no meio da testa. Foi um tiro só. A mulher tombou no chão na mesma hora.
O soldado Zé
Baixinho aproximou-se de Serra Branca. O cangaceiro apesar do tiro que havia
tomado levantou-se e atirou. Zé Baixinho caiu entre os matos. Antonio Jacó
atirou no estômago do cangaceiro acabando de matá-lo. Zé Baixinho levantou-se
apenas atordoado pelo susto do tiro, sem ser ferido. Antonio Jacó cortou a
cabeça do casal, amarrou um crânio no outro pelos cabelos e retomou trazendo os
dois troféus, na direção da cacimba, onde estavam arranchados. Na cacimba,
Cornélio estava com a cabeça do cangaceiro Ameaça, separada do corpo cortada
por facão. O tenente João Bezerra que estava um pouco distante na hora do
tiroteio, mas que havia ouvido os tiros, já se encontrava na cacimba quando
Antonio Jacó foi avistado seguindo por dentro do riacho, trazendo as cabeças e
os pertences dos cangaceiros. Os soldados levantaram as cabeças cortadas
mostrando-as aos amigos.
Depois de
alguns minutos de conversa, diante da observação do tenente João Bezerra, foi
que eles foram ver que Antonio Jacó tinha perseguido os cangaceiros, estando
descalço, sem camisa e sem chapéu.
Os soldado
retornaram pra piranhas, transportando as cabeças. De Piranha foram pra pedra
de Delmiro e de lá seguiram pra Santana di Ipanema, onde entregaram as cabeças
aos coronéis Zé Lucena e Teodoro de Camargo Nascimento. Os coronéis deram a
patente de cabo a Antonio Jacó repassou a patente para o amigo Juvêncio.
Em Santana do
Ipanema, os soldados Cornélio, Zé Baixinho, Elias, Octácilio, Zé Gomes e mais
alguns companheiros, prestaram contas aos seus superiores hierárquicos, tendo
por provas os crânios das vitimas abatidas em combate.
Entre as
macambiras espinhentas da caatinga, três corpos alimentavam animais selvagens,
enquanto na fazenda Lajeiro do Boi, os pais de Eleonora sofriam a perda de uma
filha querida. Aristéia soube através dos coiteiros da morte da irmã e por ela
verteu lágrimas sentidas.
O padre
Demuriês, que celebrava a missa na região de Mata Grande, Canapí, Inhapí e nas
fazendas circunvizinhas, criava em segredo o filho de Eleonora e Serra Branca,
um menino chamado Francisco de Sá. Assim que o padre ficou sabendo da morte da
amiga cangaceira, convocou alguns fiéis e foi, em segredo, enterrar Eleonora. O
padre chegou com facilidade onde estava o corpo, sendo auxiliado por vaqueiros
conhecedores da região. No local, o Ministro de Deus encomendou o corpo e o
enterrou em côa rasa aberta na urgente necessidade do momento e coberta por
facheiros e macambiras, deixando sepultada uma vitima que antes de tudo fazia
parte de sua vida, ficando, por recordação da amiga, um filho deixado por ela.
A MORTE DOS
CANGACEIROS ZÉ VEIO E CÍCERO GARRINCHA
Moreno e seu
grupo empreenderam uma viagem em direção á Santana do Ipanema, saindo das
proximidades da fazenda Lajeiro do Boi. No percurso, os catingueiros tiveram
que passar nos pastos, fazenda com o mesmo nome do local onde morreram
Eleonora, Serra Branca e Ameaça. Cícero Garrincha e Aristéia seguiam um pouco
na frente do grupo, atravessando as veredas, soltando sorrisos de
contentamento, curtindo a festividade da aparente gravidez, de poucos meses, da
cangaceira.
Moreno, sempre arisco, seguia concentrado no caminho e preparado para as
surpresas que pudesse aparecer (e elas sempre apareciam ).
Apesar de cedo
do dia, o sol alardeava seus raios trêmulos sobre a terra, castigando os galhos
pontiagudos e as folhas secas da caatinga. Os cangaceiros riscavam com suas
“percatas” ferradas, os empoeirados atalhos alagoanos.
Os risos de Aristéia disfarçava a triste dor que perpassava a condição de
sofrimento da ida bandoleira do cangaço, feito sentença cumprida na solidão e
no abandono dos carrascais poeirentos dos materiais lúgubres, que geravam as
ações continua de fuga, onde se igualavam atacantes e atacados.
Um pouco mais
na frente, fechando a passagem de vereda por onde seguiam os cangaceiros,
soldados armavam uma emboscada. Escondidos e protegidos entre as pedras e as
vegetações mais salientes, eles aguardavam o momento de atacar os inimigos.
Os cangaceiros seguiam em direção á armadilha, sem desconfiar da cilada armada.
Poucos passos depois, na aparente serenidade da caminhada, tiros ecoaram,
calando risos e gerando tumultos. Moreno e João Garrincha agacharam-se e
retribuíram os disparos, colocando as mulheres em suas retas-guardas, longe dos
possíveis ferimentos. Travou-se acirrado tiroteio.
Um pouco á
frente de Moreno, um cangaceiro atingido pelos primeiro disparos, agonizava.
Poucos segundos depois, o cangaceiro Zé Velho, apelidado de pontaria, dava seus
derradeiros suspiros. Um pouco atrás de Zé Velho, Cícero Garrincha, o
Catingueira, também tombava crivado por balas.
Aristéia
avistou Cícero Garrincha se arrastando, procurando sair do raio de ação dos
disparos realizados pelos policiais.
Aos poucos, o
matraquear intermitente das armas foram ficando compassados. Os soldados foram
silenciando seus armamentos e fugindo do campo de batalha. Zé Velho tombara
morto, crivado pelas minúsculas ogivas de chumbo disparadas. Cícero Garrincha
levantou-se depois de muito esforço. Suas roupas estavam completamente
encharcadas de sangue. Moreno se aproximou de Cícero Garrincha e, junto com
João Garrincha, o transportaram para um local mais seguro. Aristéia lembrou-se
do velho ditado sertanejo: “Muito riso é prenúncio de muita dor”.
Os cangaceiros
seguiram a trilha de volta, buscando socorrer o amigo que cambaleava apoiando
nos ombros dos dois fiéis amigos. Com algumas centenas de metros, já exaustos,
os cangaceiros pararam. Cícero Garrincha foi colocado em uma sombra e sua
camisa foi aberta dando visão ao estrago causado pelo tiro. A caixa torácica
foi parcialmente destruída pelos estilhaços de uma mortal bala.
Os
companheiros assustaram-se diante da visão do ferimento, onde viam o coração
pulsando. A respiração ofegante do baleado expulsava jatos de sangue, pelo
largo orifício da contusão. O cangaceiro pediu água, Moreno argumentou que água
naquele momento causaria danos piores, podendo levá-lo rapidamente á morte.
Durvalina tirou de dentro de um dos bornais um vidro de “saúde da mulher” um
composto usado quando das cólicas menstruais. Um capucho de algodão foi
ensopado por Durvalina na solução e passado nos lábios do moribundo cangaceiro,
por seguintes vezes o chumaço de algodão foi embebido no remédio e aliviado a
secura dos lábios de Cícero Garrincha, enquanto seu coração arquejava
descompassado, expulsando sangue borbulhante cada vez que respirava, sendo
assistido por olhares assustados com a gravidade da lesão. Moreno sabia que a
morte do amigo era questão de tempo. Cícero Garrincha também pressentiu o
momento difícil porque estava passando. Ao lado do cangaceiro, Aristéia chorava
sua angústia. Moreno olhou nos olhos de catingueira e perguntou:
– O que você quer que eu faça com sua mulher?
– Faça o que Deus quiser!Se pudé deixe ela com a família!
– Eu deixo!
A respiração
de catingueira foi ficando insuficiente, o sangue banhava cada vez mais as mãos
que segurava o corpo inquieto. O coração pulsava frágil e visível. O cangaceiro
apertou com a mão, o braço de Moreno, pendeu a cabeça pro lado e expirou. As
lágrimas rolaram nas faces angustiadas dos companheiros. João Garrincha
assistiu, contrariado, a morte do irmão. Aristéia chorou amargamente sua perda,
ostentando em sua barriga saliente, um órfão prestes a nascer. Moreno cavou,
junto com a ajuda dos amigos, uma cova rasa e enterrou o companheiro, cobrindo
a sepultura, com macambira e xique-xique cactáceos que enfeitam a paisagem rara
do Sertão Nordestino.
Os cangaceiros
seguiram outro caminho, inverso ao que vinham seguindo, fugindo de mais uma
desagradável surpresa que, por ventura, pudesse acontecer. Ao local do combate,
Moreno retornaria quatro dias depois, encontrando só a carcaça do corpo
decepado do cangaceiro pontaria. A policia levou a cabeça, deixando o corpo
para servir de comida para os bichos famintos das caatingas.
NOS DIAS
SEGUINTE
Durvalina
tentou alegrar Aristéia de todas as formas possíveis, porém a dor da amiga era
por demais recente inesquecível. Moreno escalou dois cangaceiros para levarem
Aristéia onde ela escolhesse, cumprindo o prometido ao amigo Cícero Garrincha.
O cangaceiro
cruzeiro passou a perseguir Aristéia, insistindo para ficar com ela. A
cangaceira ainda abalada com a perda do marido recusou as propostas de
cruzeiro. O dinheiro tirado dos bornais de catingueira, 50 contos de réis, foi
costurado por Durvalina, na barra do vestido de Aristéia. A cangaceira pediu
pra ir se entregar, pois se voltasse para família poderia ser morta. Moreno
aceitou o pedido da companheira e mandou Boa Vista e Cruzeiro levá-la em
Santana do Ipanema, local escolhido por ela. Os cangaceiros seguiram dentro do
Máximo cuidado, escoltando Aristéia. Na fazenda pedra D’água, os cangaceiros
pegaram um rapaz e mandaram que ele levasse a mulher até a cidade, pois não
podiam se aproximar mais, pois, corriam o risco de serem presos ou mortos. O
rapaz temeroso se recusou a atender ao pedido dos cangaceiros. Boa Vista se
aproximou e jurou sangrar o garoto caso ele desobedecesse a sua ordem. O jovem
sem opção seguiu escoltando Aristéia. Em Santana do Ipanema, diante dos olhares
curiosos, Aristéia se entregou ao capitão Mané Vicente. O militar deixou a
cangaceira em sala livre onde ela passou alguns meses. O moço portador, que
havia ido apenas deixar a mulher na cidade, acabou sendo preso também. O senhor
Ismael, de Alexandre, quando viu o rapaz preso, diante do absurdo da detenção,
procurou o delegado e foi pedir para que ele soltasse o garoto, pois o conhecia
e ele era guia de uma cega. O delegado ordenou a soltura do inocente e ele
retornou pra fazenda, onde realmente servia de guia de uma senhora que vivia na
escuridão por falta de visão.
No dia 15 de
maio de 1938, Aristéia deu a luz ao filho dela e catingueira. O menino ganhou o
mesmo nome do pai de Aristéia, José Soares. O filho ficou aos cuidados das tias
de Aristéia. O menino depois que cresceu, ganhou o mesmo apelido que tinha o
pai, catingueira.
No mês de
julho, cubículo apertado, cercado por grades, Aristéia ouviu fogos de artifício
estourados nos arredores da cidade. Diante dos gritos e do barulho formado,
Aristéia e mais algumas mulheres que também estavam presas subiram em
tamboretes e avistaram, ao longe, soldados que exibiam as cabeças de Lampião,
Maria Bonita e mais alguns cangaceiros abatidos na Grota do Angico, em Sergipe.
Foi essa a única vez que Aristéia viu Lampião, apesar de terem trilhado o mesmo
caminho do cangaço.
Pedra Agra,
Pedro Gaia e Pedro Soares, homens de recursos, tios de Aristéia, quando ficaram
sabendo da prisão da sobrinha, reuniram-se e foram solta-la. A cangaceira ficou
livre das grades, tendo apenas que permanecer na cidade, sem poder se ausentar,
ficando sob ordens do coronel Lucena, que a enviou para casa das tias Mariinha,
Zafina, Santo e Maria Grande, na fazenda Lajinha.
Os tios de
Aristéia, Pedro Gaia e Pedro Soares residiam em Palmeira dos Índios, sendo que
o primeiro tornou-se depois prefeito de Santana do Ipanema. Homens de
influência política e publica usaram seus conhecimentos para deixarem a
sobrinha sem os infortúnios das regras regidas dos detentos vindos dos diversos
bandos de cangaceiro.
O coronel
Lucena disse que Aristéia podia ir ficar na casa das tias, mas que não fosse
procurar mais por cangaceiros. Aristéia respondeu que não havia mais
cangaceiros vivos, pois Lampião havia morrido. Salvo desconhecimento da cangaceira,
o seu ex chefe, o Moreno, percorria ainda, os mesmos esconderijos.
Na casa das
tias, Aristéia ficou durante algum tempo, depois retornou pro Capiá da
Igrejinha, seu paraíso de infância, deixando José Soares, seu filho, para ser
criado pelas tias, todas elas, moças velhas.
Catingueirinha,
quando já rapaz, deixou as tias e veio morar com a mãe biológica. Tornou-se um
negociante de frutas, conhecidos por todos da região, levando seus produtos
para serem vendidos nas feiras das localidades vizinhas. Em uma dessas viagens,
demorou chegar em casa e a sua esposa aflita saiu em busca do marido, indo
encontrá-lo na beira da estrada, gemendo e todo ensanguentado, falecendo no
outro dia, crime realizado em 1964, por um amigo, que levou irrisória quantia,
pela qual, mesmo sendo a pior qualidade de bandido, não e tira a vida da mais simples
espécie. O salteador foi transferido para Maceió, depois que um dos primos de
Catingueirinha tentou invadir a cadeia para vingar do bárbaro assassinato,
inconformado com a barbárie da morte de um jovem familiar.
Aristéia ainda
vive, lúcida e forte, hoje aos cuidados do filho Pedro Soares, lembrando com
facilidade dos fatos ocorridos que deixaram marcas profundas em seu curso de
vida, sendo sempre aliviada pelo amor dos familiares e pelas correntes de
orações que lhe são dedicadas em dia especial, em uma maravilhosa noite
festiva, acontecida no Capiá da Igrejinha, em Canapí Alagoas, terras abençoadas
e que ela carrega sempre no pensamento como se fosse parte sagrada do seu
próprio corpo.
Por João de
Sousa Lima
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A CANGACEIRA ARISTÉIA
Extraído do livro: Moreno e Durvinha, sangue, amor e fuga no cangaço.
Autoria João de Sousa Lima
Fonte: facebook
http://blogdomendesemendes.blogspot.com