Refletir sobre os modos de cura que estavam presentes no cotidiano do cangaço é lançar novos olhares sobre esta temática que fora abordada ao longo da historiografia, a partir do viés marxista que retratava o cangaceiro de uma forma dicotômica, ora como bandido, ora como herói.
A análise dos modos que os discursos e ritos de cura foram elaborados pelos
participantes do cangaço nos possibilita enxergar suas práticas cotidianas bem
como suas estratégias de sobrevivência. Os cangaceiros burlavam os conhecimentos
médico-higienistas de sua época e recorrendo a mezinhas, chás, orações aos
santos e a produtos naturais, criaram uma farmacopeia regional, onde os
espaços de cura eram recriados e os saberes populares subjetivados na geografia
do cangaço.
Pensar o cangaço como um lugar de invenção da cura, situa o corpo do cangaceiro
como depositário de signos sociais, e nos leva a compreendê-lo como constituído
e modelado pela cultura em que está inserido.
A Medicina do
Cangaço:
Em "Lampião: A Medicina e o Cangaço", o autor Aglaê de
Oliveira menciona alguns dos procedimentos utilizados pelos cangaceiros em seus
cuidados com o corpo:
Cefaleia:
Folhas de algodão aquecidas e mascar o gengibre.
Faringite: Chá
de formiga e gargarejo com sal.
Doenças reumáticas:
Banha de capivara, chá de osso de jumento, carne de cascavel.
Otites com leucorreia: Banha de traíra.
Asma: Banha de
ema.
Constipação:
Alecrim caseiro.
Sinusite:
Alecrim salobro.
Diabetes:
Jucá.
Epistaxe:
Cheirar algodão queimado.
Otalgia:
Tampões de folhas de algodão.
Entorses e
luxação: Emplastro de clara de ovo batida com breu e untar o local
atingido,
com banha de
ema.
Mordedura de
cobra: Queimava o local da picada imediatamente ou realizavam um
corte com faca
afiada para escorrer o veneno.
Halitose:
Mastigar folhas da goiabeira branca.
Hemorragia:
Suco de arnica.
Cardiopatias e
lipotimia: Chá de quiabo.
Epilepsia: Chá
de perna de garça.
Ascaridíase:
Erva de cruz.
Difteria:
Banhos de sândalo e alcaçuz.
Hidrocele e
hérnia: Banha de baiacu.
Enterites: Chá
de erva cidreira, sarpinanga.
Escabiose:
Raspa de coco misturada mistura com enxofre, passando 8 dias sem molhar.
Verminoses:
Lavagem de manipueira.
Impotência
sexual: Chá de velame, chá de cabeça de negro em jejum e água de arroz. À
pimenta e ao
caminho em jejum chamavam “mingau levanta homem”.
Para suspender
a menstruação: Semente de mangiroba em infusão. Infusão de grão e
café na
aguardente, durante 9 dias.
Febre alta:
Suador de semente de melancia e a casca de angico em água serenada.
“Fraqueza dos
pulmões”: Leite de jumento pela manhã.
Prisão de ventre: Chá de raiz da jitirana, retirada do nascente.
A farmacopeia dos bandos era constituída por remédios feitos tanto
a partir do saber popular como das crenças e valores dos indivíduos. A junção
de chás, lambedores, emplastros, acompanhados de rezas e orações, estão
presentes nas práticas do cangaço, como por exemplo, o ritual para curar-se do vício
da cachaça: cinco gotas de Jurema do Pará deveriam ser colocadas na bebida sem
que o viciado soubesse. Essa prática deveria ser repetida por três
sextas-feiras.
A
intenção era que o viciado ao beber, vomitasse e aborrecesse a bebida, a
prática deveria ser acompanhada da seguinte oração:
"Oh!
Divino Redentor
Quando fulano
beber
Êle há de se
enjoar
A bebida há de
feder.
Meu senhor,
Meu Jesus Cristo,
Minha Santa
Virgem Maria
Valei-me
Padrinho Cícero
E a Sagrada
Família.
Com a santa
fôrça do credo
E o vosso
santo poder
Tu hás de
sentir a bebida
Nas tuas
ventas feder."
Os sujeitos do
cangaço elaboraram táticas e estratégias para sobreviver as adversidades do
cotidiano, como as doenças, a dor e principalmente a morte. Lampião assim como
outros cangaceiros trazia em seu corpo as marcas da violência e das
adversidades da vida de bandidagem.
Dentre os
diversos tiroteios que presenciou, Lampião foi ferido em diferentes partes do
corpo: “Foi ferido à bala no ombro e na virilha, no município de
Conceição do Piancó, Paraíba, em 1921; em 1922, o foi na cabeça; em 1924,
no dorso e no pé direito, em Serrado Catolé,
Pernambuco. Outros ferimentos também tatuaram seu corpo –em 1926, na omoplata; em 1930, no quadril.” ( Buriti Oliveira, 2011,
p.10).
Essas entre
outras marcas de dor e ferimentos se faziam presente cotidiano dos sujeitos do
cangaço, que com suas crenças e valores driblavam os discursos médicos lançando
mão de práticas de viver e de agir para sobreviver às adversidades do
cotidiano.
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