Por: Juarez Conrado - Jornalista
É na verdade um mistério
Levado para o cemitério
O encontro programado
Será que Lampião iria
Falar na aposentadoria
Abandonando o cangaço?
Pessoalmente acredito
Que já se achando abatido
Deixaria o cangaço
Certamente o sucessor
Do sertão, governador
Ganharia um abraço
Sendo assim comunicado
O seu então comandado
Que ganhara a promoção
Teria a responsabilidade
De mesmo em dificuldade
Manter no grupo, união
Mas na fria madrugada
Com a gruta já cercada
Acabou-se o vencedor
Morreu o grande bandido
Que desta vez foi vencido
Sem indicar sucessor.
Sessenta e dois anos depois de sua morte, uma pergunta permanece intrigando a quantos procuram conhecer os vários episódios que marcaram durante duas décadas, a vida de Virgulino Ferreira da Silva, a expressão máxima do banditismo nas Américas.
Por que Lampião, acostumado com a perseguição das volantes, deixou-se cercar tão facilmente na gruta do Angico, sem tempo de pegar, sequer, no seu inseparável fuzil?
Afastada a hipótese – absoluta – de ter sido envenenado pelo coiteiro Pedro de Cândido, como chegam a imaginar muitos dos que já escreveram sobre ele, inclino-me a aceitar a possibilidade – e não é uma afirmação do autor, mas, apenas, uma suposição – que o bandoleiro, após 22 anos de vida em meio às adversidades do nordeste brasileiro, já não desfrutava, apesar de contar, ainda, com apenas 40 anos, 1 mês e 24 dias de idade, de um estado de saúde que lhe permitisse manter a habilidade que lhe assegurou, como poderoso e temível senhor, o controle absoluto dos sertões de sete Estados da região.
Decididamente, desde Janeiro de 1938, acometido de grave enfermidade que o obrigou a sair de circulação, razão dos rumores de que teria morrido vítima de tuberculose, Lampião já não se aventurava a incursões mais perigosas, limitando-se a uma área compreendida entre a Bahia, Sergipe e Alagoas, localizada numa mesma região.
Que andava ele às voltas com problemas de saúde, não há dúvida. Os depoimentos dos que o acoitavam nesse período são unânimes em relação a isso. Lampião já não tinha os reflexos que caracterizaram seu gênio de estrategista. Com um olho perdido, porque atingido por um galho de umburana, e com o outro, segundo o diagnóstico de oftalmologistas que examinaram sua cabeça em Maceió, afetado por glaucoma, não tinha uma boa visão. Aliado a isso, fatos outros, surgidos nos seus últimos meses de vida, levam-me a acreditar que Lampião, sentindo fugir-lhe as qualidades que o guindaram àquela posição no cangaço, tenha decidido a exemplo do que fez
Sinhô Pereira
Sinhô Pereira (seu primeiro e único chefe), retirar-se para o interior do país, passando o comando do grupo a um de seus companheiros mais chegados.
Sabido é por todos que sua presença em Angico tinha como objetivo importante reunião, para a qual foram convocados todos os subchefes do grupo.
Luiz Pedro e Zé Sereno
Luiz Pedro e Zé Sereno lá já se encontravam, restando Labareda e Corisco, que eram ansiosamente aguardados por Virgulino, com uma viagem programada para local que nem mesmo ou os cangaceiros mais íntimos conheciam. Acredito, sinceramente – essa, repito, é apenas a minha opinião pessoal - que tal reunião, por ele mesmo dita como de grande importância, iria marcar a sua retirada do cenário do qual, desde que nele surgiu, garoto ainda, foi sempre sua principal figura.
De outro modo, como se explicar a longa espera dos principais homens do bando, quando, contando com uma extensa rede de coiteiros, poderia facilmente com eles comunicar-se, como, aliás, era de praxe acontecer?
Alguma coisa de grande importância iria realmente ser discutida nesse encontro à margens do São Francisco. Mas a polícia alagoana, com sua fuzilaria, impediu que as intenções de Lampião fossem levadas a efeito.
De surpresa e arrasadoramente, cercou o local, liquidando o homem que iria presidi-la e cuja morte envolveu para sempre em indecifrável mistério a decisão que nela tornaria.
Extraído do livro:
Lampião Assaltos e Morte em Sergipe
Autor: Juarez Conrado
Páginas: 220 e 221
Aracaju - Sergipe - 2010