Falar em
Joãozinho Retratista sem falar de sua genialidade fotográfica desde a década de
10 até a de 70 seria como falar de Chaplim sem enunciar a importância dos seus
filmes. Herdeiro não de uma fortuna, mas de um maquinário fotográfico do século
XIX, Joãozinho começou a vida ajudando seu padrinho itabaianense, Miguel
Teixeira da Cunha, primeiro retratista oficial de Sergipe. João de Germano
Venta na sua juventude carregava o aparelho de congelar o tempo pra lá e pra cá
com seu padrinho, este ato seria sua herança eterna (grande trabalhador) e seu
grande prêmio veio junto ao casamento dele com Maria Osana Teixeira em 1918 no
mesmo dia que Zeca Mesquita subia ao altar com sua primeira esposa, Bernadete,
filha do chefe político local Manuel Batista Itajahy.
Joãozinho abraçou a fotografia, aposentou a antiga Photo Nacional (nome este
dado por causa da inscrição na câmera de Teixeirinha, “National Camera”) e
fundou a Photo Lobo. A década de 20 foi muito movimentada na vida de Joãozinho.
Seu local de trabalho era o mesmo que Teixeirinha começara no século anterior
numa Itabaiana ainda Villa, em 1872. Na sua porta ficava antes o Mercado dos
Cabaús, depois a feira muda de local (foi para a praça da Igreja Matriz) com a
morte de Itajahy e em 1927 ela volta para a praça Santo Antônio com a
inauguração do Mercado Municipal por “Ozin” Dutra (assim Volta Seca o chamava),
hoje o chamado Mercado Municipal Zezé de Bevenuto.
Nesta mesma época, Lampião, Sabino e seu bando invadiam Limoeiro e faziam as
famosas fotos da multidão a pé e a cavalo. Tempos antes o grupo foi fotografado
em Juazeiro do Norte, na visita ao Padre Cícero para o combate que nunca
ocorreu à Coluna “Peste”. Em 1928 Lampião começa a se aproximar de Sergipe, os
jornais anunciam a presença dele pelo oeste, vindo da Bahia. Ainda não havia
chegado a hora de entrar no minúsculo Estado, mas que foi um dos mais
importantes neste período sangrento e místico do cangaceirismo.
1929 chega e com ele a notícia oficial nos tabloides da capital Aracaju:
Lampião e seu bando está em Sergipe! Ele entrara por Carira no dia 1o de março
deste ano e com uma “carta de paz” se deixa ver de corpo aberto pela população
local fazendo com que as pessoas o descrevesse perfeitamente até poucos anos
atrás. Seus passos eram difíceis de serem detectados, assim só temos fragmentos
de suas passagens. Eles ficavam escondidos nos matos, em ranchos, em cidades
pequenas (por pouco tempo) mas não temos um diário dele por Sergipe exatamente
sobre todos os dias e o que fez aqui durante todo o tempo que ficou. Sabe-se
que em 1929 Lampião escolhera Sergipe para ser sua “morada”, não se sabe a
razão, mas ele estava aqui. Talvez em Sergipe ele tivesse mais amigos que
inimigos... Antônio Caixeiro, pai de Eronides de Carvalho pode ser um bom
exemplo.
Itabaiana é avisada por tropeiros carirenses da presença do cangaceiro pelas
proximidades. Joãozinho, o retratista e não o Veneno, um curioso nato, diz em
voz alta que se tivesse a oportunidade de fotografar os cangaceiros ele iria.
As pessoas enxergavam isso como um chiste, vindo de uma pessoa muito
brincalhona como está no sangue ceboleiro. Capela, cidade que mantinha bons
negócios com Itabaiana é telegrafada e avisada. Quem recebe a notícia lá em
Capela é Zózimo Lima, chefe dos Correios local. Por volta das 16h um grupo
conversava lorotas na porta da Farmácia Mendonça e Zózimo estava entre os
moços, foi quando um de seus auxiliares chega com a devida notícia vinda de
Itabaiana. O telegrama dizia:
Virgulino, partindo de Cariri(1) perambula norte Sergipe, visitará capelenses.
Voltando a Itabaiana, a tensão era enorme. A jovem Thetis Nunes se trancava em
casa com medo dos cangaceiros. Os mais valentes diziam que se eles entrassem
seriam recebidos a bala. A célebre Maria Carreiro ainda pegou seu cavalo e como
uma Joana D’Arc solitária fez a ronda a fim de não deixar que fôssemos pegos de
surpresa. Joãozinho Retratista de arma só tinha a câmera e ela estava
preparada.
Um dia calmo de domingo como tantos outros, 31 de março, Joãozinho é procurado
em sua casa na Praça da Santa Cruz (atual João Pessoa) por Etelvino Mendonça e
Zeca Mesquita, este, dono do único carro da cidade, por isso a probabilidade
enorme de Zeca ter participado da façanha. O papo foi dos mais interessantes,
Etelvino descreve exatamente o que o retratista estava esperando há meses: eles
iam até o Pinhão fotografar o bando de Lampião.
Virgulino chegara na surdina no dia 28 de março de 1929, cansado e desnutrido
na fazenda do chefe político de Itabaiana. Lembra Sila décadas depois que
Etelvino era cabra muito valente, pois para ser amigo de cangaceiros tinha que
ter sangue no olho. A polícia de Carira não sabia se Lampião havia saído de
Sergipe ou se estava nas proximidades, mas já estavam se movimentando na união
de diversos policiais para a formação de algumas volantes que foram de extrema
importância no combate aos cangaceiros no Estado. Lampião e nove de seus mais
fortes asseclas descansam com um olho aberto e outro fechado. Dentre eles
estava o itabaianense Volta Seca (provavelmente quem indicou o local da fazenda
e do conhecido Coronel) e o Diabo Loiro, Corisco, que passara um tempo em
Sergipe antes de entrar para o Cangaço.
Joãozinho acorda na segunda-feira nervoso. Sem contar aos familiares o que iria
fazer. Ele separa seu material fotográfico e desmonta sua câmera caixão de mais
ou menos cinco quilos, pega algumas fotografias já reveladas de Itabaiana e
espera Etelvino e Zeca Mesquita chegarem para fazerem a viagem. Por volta das
dez horas da manhã chegam à porta de Joãozinho, se acomodam no carro de Zeca e
seguem viagem em direção a São Paulo (Frei Paulo). No caminho Etelvino adianta
a Joãozinho que os cangaceiros estão mansos, não se sabe porque eles estão
relaxados e queriam fazer um retrato para enviar para alguns familiares. Como
só Joãozinho era conhecido retratista da região, Etelvino resolveu convidar o
jovem de pouco menos 33 anos.
A viagem não era das melhores, chegando em São Paulo pegaram uma outra estrada
(comparada a que temos hoje em dia) em direção ao Pinhão, pois a estrada
oficial entre São Paulo e Mocambo só seria construída em 1932 segundo o
escritor de Almas Torturadas, J. Rabelo. Chegando lá, Joãozinho já avistou
espalhado pelo terreiro alguns cangaceiros proseando e de arma em punho. Alguns
se alertaram, entraram e avisaram ao Capitão que o Etelvino havia chegado.
Homem de poucas palavras, Lampião se aproxima de João Teixeira Lobo (aqui
merece ter seu nome citado por inteiro), estende a mão, percebe a câmera na mão
de Joãozinho, ensaia um sorriso e pergunta.
- Vai deixá o retrato bonito viu? Meus minino tão cansado e não querem ser
molestados com demora. Vai demorá?
- Não, Lampião, é o tempo de arrumar o equipamento.
Virgulino deu a volta, foi conversar com Etelvino e Zeca Mesquita (este que era
forte empresário local) e não se sabe se alguma quantia foi entregue ao
cangaceiro. O povoado Pinhão estava longe, era quase visível a olho nu as
pequenas casas que se fixavam perto de uma pequena Capela, também a povoação
Mocambo era vista. Estavam numa fortaleza, um local alto e privilegiado que
evitaria um ataque surpresa.
Por volta das 15h Lampião com um pequeno apito soa o alarme, já havia sido
instruído por Joãozinho sobre o local ideal para o retrato (por causa da luz do
sol). Pede educadamente a seus companheiros que se aproximem a uma das casas
que formava o complexo da fazenda. Eram portas altas, parede fixa e que servia
para guardar ferragens, sacos de ração e outras coisas. Antes de se aprontarem,
Lampião dá uma sondada na câmera para ver se era realmente de tirar fotos ou
era uma arma escondida. Curioso e desconfiado chegou à conclusão que era de
confiança. Joãozinho começa a focar os homens estranhos e debaixo do pano
vermelho, aquele grupo amedrontador de cangaceiros se apresentava de cabeça
para baixo no vidro fosco do fundo. Eles estavam em formação futebolística:
cinco de pé atrás; cinco na frente com um joelho ao chão. O sol estava forte e
alguns fechavam os olhos por causa do clarão. Lampião era o primeiro da
esquerda, ajoelhado como os outros quatro, Volta Seca era o menorzinho de pé
atrás.
Joãozinho pega o compartimento de madeira com a placa de vidro sensibilizada
dentro, coloca no repartimento da câmera, fecha o obturador, puxa a proteção
para deixar a placa de vidro na posição e anuncia a fotografia. Haviam alguns
meninos curiosos na varanda da fazenda e Etelvino que não se atreveu entrar na
fotografia, fica apenas de olho em todo processo. Voltando à foto, Joãozinho
toma um susto ao ver que todos estavam com as armas apontadas para ele. Nisso
Joãozinho com toda coragem do mundo indaga.
- Só faço a chapa se vocês virarem um pouco para o lado essas armas, não gosto
de violência.
Luiz Pedro solta uma piada.
- Oxi ômi e esse canhão aí não atira foto?
E todos caíram numa risada, até Joãozinho.
Preparado o retrato, é dado o sinal. Joãozinho percebe um furo minúsculo no
lado direito do fole, furo este confirmado em outras fotografias e até no
remendo na câmera, confirmado por mim quase 80 anos depois. Mas, ele ficou com
medo de dizer que a fotografia poderia não sair boa. Colocou o dedo onde
entrava um pouco de luz e rezando (agora mais calmo por ver as armas um pouco
mais de lado) para que tudo desse certo ele dispara e faz a foto. Na revelação,
justamente Lampião saiu com menos nitidez. Ainda fotografou Etelvino Sozinho,
também fotografou um grupo de pessoas no carro com dois cangaceiros juntos, o
grupo completo com as pessoas e também fotografou individualmente alguns
cangaceiros, assim como faria dias depois Felino Bonfim em Saco do Ribeiro
(Povoado de Itabaiana) e meses depois Eronides de Carvalho em Jaramataia, ainda
em Sergipe. Lampião tomara gosto pelo retrato desde 1926 em Juazeiro.
Acabada a sessão de fotos, Lampião se despede, avisa que quer uma cópia dos
retratos e que é só avisar que ele manda alguém pegar em Itabaiana mesmo.
Joãozinho presenteia Virgulino com algumas fotos de Itabaiana e pede para ele
não ir lá, tudo que ele quiser ele pode ter sem a necessidade de amedrontar um
povo simples e pobre. Tudo certo, Joãozinho volta todo feliz para casa, revela
as fotos e dias depois entrega-as a Etelvino e nenhuma delas é vista por muito
tempo. Mas, Terezinha Andrade, filha de Joãozinho Retratista sempre viu essas
fotos ainda nas chapas de vidro, elas eram guardadas com um carinho enorme pelo
velho pai.
A história virou lenda em Itabaiana, nenhuma prova concreta era vista aos olhos
de Itabaianenses ou de outra região. Começo então a pesquisar a história de
Itabaiana e logo de cara, em 2007 ouço pela primeira vez partes desta história
que acabei de contar vinda das filhas de Joãozinho. Delas recebi centenas de
fotografias, mas, do cangaço, só a lembrança.
Em 2011 localizo a primeira fotografia, não estava em boa definição mas era um
grupo de pessoas numa fazenda e dois deles com cara de jagunços estavam
sentados no automóvel. Batia com a descrição, mas ainda era pouco. Consegui a
segunda, o grupo na mesma casa, agora com a presença de Joãozinho Retratista na
fotografia. Quem havia fotografado? Era uma fotografia do mesmo dia. Consegui
estes retratos originais com uma qualidade incrível e continuei minha busca.
Neste mesmo ano publico a biografia “Joãozinho Retratista - O Mestre da
Fotografia” e trago o caso pela primeira vez ao público.
2013 chega e com ele muitas ideias novas e a chance de publicar com Vladimir
Souza Carvalho um dos livros mais esperados da história de Itabaiana, o “Álbum
de Itabaiana” contendo 180 retratos feitos por Teixeirinha, Joãozinho
Retratista e Percilio Andrade. Publico as duas fotos que havia encontrado, mas
ainda faltava a cereja do bolo. Em setembro deste ano me chega à porta Abércio
Gois e com ele um punhado de fotografias antigas de nossa Itabaiana. Amigo de
longas datas ele me presenteia com um pedaço de nossa cidade e para minha
surpresa eu me deparo com a foto mais incrível e que coroava totalmente minha
pesquisa: a foto do bando de Lampião feita por Joãozinho. Era um retrato
simples de 17,5 x 11,5 cm colado numa base de papelão de 24 x 18,5 cm, em Sépia
e com alguns pedaços já faltando. Mesmo assim, foi considerada pelos
pesquisadores como um dos maiores achados fotográficos da história do cangaço.
Estamos hoje fazendo tudo com ela, desde Rubens Antonio a colori-la até
decifrar detalhes escondidos nos pontos mais estragados dela. Nas costas do
retrato está a grafia do fotógrafo (onde foi feita a analise grafotécnica e
comprovado ser a letra de Joãozinho) a data 1o de abril de 1929 e hoje sabemos
que na foto estão de pé: (Supostamente) Arvoredo, Volta Seca, Mariano,
Labareda, Ezequiel. De joelhos: Lampião, Virgínio, Calais, Luiz Pedro e
Corisco.
Ainda faltam encontrar fotos deste dia incrível, quem sabe possamos ter esse
privilégio ainda nesta existência, pois, no dia que eu encontra-las, não
ficarão em uma gaveta. Obrigado, Joãozinho por ter tido a coragem e a
oportunidade que poucos tiveram.
1“Cariri” é na
verdade “Carira” e Zózimo alertou toda região de Dores a Propriá. Ninguém
acreditou.
Robério
Santos, Membro da Academia Itabaianense de Letras
Fonte: O Cangaço em Itabaiana Grande
Colorização da
fotografia: Rubens Antônio
Fonte adquirida: facebook
Página: Robério Santos
http://blogdomendesemendes.blogspot.com