Lampião
passara inativo vários meses na Bahia. Às vezes, corriam boatos de que se
agrupara ao bando dos (...), de Horácio de Matos, de Franklin, de Pilão Arcado.
Mas apareciam logo informações de que estivera, com sua gente, em Curaçá, em Riacho
Seco, no Morro do Chapéu.
Andava nas
feiras, homiziava-se em fazendas. Arranjava dinheiro, mediante intimação. E a
Polícia fazia vista grossa. Havia uma espécie de modus vivendi tácito, um
arranjo informal.
Um dia, porém,
o caldo entornou. E iniciaram-se os entrechoques. Virgulino, já fartamente
municiado, volta a Sergipe. Penetra em Monte Alegre. Avisado por um menino,
certo comerciante responde-lhe, na vista dos fregueses: “Sou homem, tanto
quanto ele o é. Será homem por homem...” Virgulino, com um caibra ouvem, já
dentro da casa, a fanfarronice do proprietário.
- Qui tá
dizendo? – Pergunta-lhe.
- Se eu
soubesse qui o sinhô tava aqui, nun dizia. Mas Cuma já dixe, tá dito...
O caibra quis
matar o negociante. Lampião não deixou: “Home nun se mata... Gostei do
atrevimento dele...”
Dias após, a
cidade de Capela recebia o cangaceiro. Autoridades foram vê-lo. Com ele,
assistiram cinema. O cangaceiro entrara, cantando que ali estava para amar,
divertir, gozar... Amou a “mulher-dama” mais afamada da cidade, gratificando
regiamente. Bebeu, comeu e passeou, sob os olhares atônitos da população,
tendo, como ordenança e companheiro, um funcionário dos Correios e Telégrafos,
o intelectual Zozimo Lima.
Zozimo
esquecera as cartas, as letras, a neurastenia, neste dia. Plantou-se na porta
das “mariposas”, como sentinela fiel aos deveres do plantão. Bebericou.
Tornou-se um camarada do cangaceiro.
- Bom sujeito.
Inteligente, arisco, desconfiado – disse-nos. Admirou-me sua facilidade de
manobrar a rima. Criado em outro meio, talvez fizesse figura. Tornamo-nos
camaradas. Joguei com ele bilhar. E acompanhei-o às casas do mulherio, como
cicerone. Tornou-se meu amigo e eu dele. Mas não pretendo ter de relembrar-lhe
o nosso encontro e nossa camaradagem...”
E concluindo,
acrescentou: “Há duas coisas que não desejo fazer: reencontrar-me com outro
Virgulino, andando como prisioneiro voluntário, e viajar de avião...”
Indicação
Bibliográfica. Hoje irei falar um pouco do amigo e ser humano ímpar de saudosa
memória Alcino Alves Costa. Ele nasceu em Poço Redondo em 17/06/1940, filho de
Ermerindo Alves Costa e Emiliana Marques da Costa. Homem simples, amigo de
todos, um ser humano ímpar. Pesquisador, escritor, compositor e radialista.
Deixou uma obra literária respeitável, especialmente sobre o Cangaço.
Seus
principais trabalhos: Lampião Além da Versão: Mentiras e Mistérios de Angico de
Angico, O Sertão de Lampião, Lampião em Sergipe, Poço Redondo- A Saga de Um
Povo, Canindé de São Francisco-Se Povo, Sua Gente, entre outros. Foi prefeito
três vezes de Poço Redondo. Faleceu aos 72 anos em 01/11/2012. A minha
satisfação é ter desfrutado da sua amizade. Saudades.
Rostand Medeiros – Escritor e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
Os fatos relacionados ao fenômeno do cangaceirismo possuem em suas variadas narrativas, locais que são referências pelos acontecimentos ali ocorridos. Pontos que se tornaram conhecidos por batalhas, ataques a cidades, assaltos e outros episódios, quase sempre associados ao sangue derramado, a valentia apresentada ou a derrota sofrida.
Na área onde as fronteiras entre os Estados de Pernambuco, da Paraíba e do Ceará se encontram, existem no lado pernambucano um destes locais. Trata-se de uma elevação natural, com altitudes que chegam a mais de 1.000 metros e conhecida como Serra do Catolé. Este ponto geográfico, localizado ao norte da cidade pernambucana de São José de Belmonte, se tornou conhecido dentro do chamado “Ciclo do Cangaço”, por ser apontado por consagrados autores, como o local onde existiam grutas que serviam de esconderijos a cangaceiros famosos, como os de Sinhô Pereira e Luís Padre, além do “aluno” do primeiro, Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião.
Junto com os amigos Sólon Rodrigues Almeida Netto e Alex Gomes partimos da cidade paraibana de Manaíra, na fronteira com Pernambuco, seguimos acompanhados do amigo Antônio Antas, que estava nos ajudando na função de guia na região. Conhecedor das histórias dos cangaceiros e dos inúmeros confrontos na região do Pajeú pernambucano, além de privilegiada fonte de informações, Seu Antonio é um homem da conversa franca, aberta e prazerosa.
A Saga dos Pereiras
Ele nos conta como se deu a luta dos Pereiras, hoje um verdadeiro mito na região.
Sinhô Pereira ou Sebastião Pereira e Silva nasceu em 1896, na antiga Vila Bela, atual Serra Talhada, na região do Pajeú, Pernambuco. Era sobrinho-neto de um rico fazendeiro, que possuía o titulo nobiliárquico de Barão do Pajeú.
Desde os tempos que os primeiros brancos chegaram ao Pajeú, estes viveram principalmente da criação de gado. Como a pecuária requer uma larga extensão de terras, em meio a uma região de gente valente, com a quase total ausência do Estado, não era rara a ocorrência de conflitos sanguinolentos entre famílias, que chegaram a durar décadas.
Em 1848, quase cinquenta anos antes do nascimento de Sinhô Pereira, sua família entra em desavenças políticas com a família Carvalho. Em 1907, com o endurecimento deste conflito, foi assassinado o então líder dos Pereiras, Manoel Pereira da Silva Jacobina, conhecido como Padre Pereira, que era assim conhecido por ter estudado em um seminário em Olinda, Pernambuco. Terra de bravos e com a quase total ausência do Estado, Pouco tempo depois, em resposta, um dos chefes dos Carvalhos é morto.
Três irmãos de Sinhô Pereira assumem por parte da família o combate contra os Carvalhos. Em 1916, um destes irmãos, conhecido como Né Dadu é morto no conflito e Sinhô Pereira assume seu papel no conflito fratricida.
O falecido Padre Pereira tinha como filho Luiz Pereira Jacobina, conhecido como Luiz Padre e primo de Sinhô Pereira. Logo os primos estarão à frente de um grupo de cangaceiros, que não vão se caracterizar pela rapinagem franca e aberta contra alvos aleatórios, mas pela missão proeminente de destruir a tudo e a todos que pertenciam, ou eram ligados aos Carvalhos. Os primos utilizavam o vilarejo de São Francisco, na época crescendo em número de habitantes, como sua principal base de apoio.
A forma de combate dos Pereiras é a guerrilha sertaneja. Para eles não existe outra opção, pois além de poderosos e bem armados, as ligações políticas dos Carvalhos com o poder constituído de Pernambuco, colocava ao lado destes a força policial.
Os fatos envolvendo estas lutas se perpetuaram na região; em uma manhã de junho de 1917, à frente de sete homens, Sinhô Pereira e Luís Padre atacaram a fazenda Piranhas, em Serra Talhada. Apesar de perderem um dos seus companheiros e terem outros feridos, o saque foi alto e a destruição intensa.
Em outro caso, o grupo dos Pereiras chegou um dia antes do casamento de um aliado dos Carvalhos, que evidentemente não ocorreu mais, onde a lua de meu do noivo foi de rifle na mão e perseguindo os Pereiras no meio da caatinga.
A perseguição das autoridades aos Pereiras era intensa, as vezes absurda. Em abril de 1919, após um combate contra o bando onde morrerem nove soldados. Os policiais pernambucanos, comandados pelo Coronel João Nunes, como forma de quebrar a resistência dos primos cangaceiros, simplesmente decidiram saquear e queimar totalmente o vilarejo de São Francisco. E assim foi feito!
Em meio a estes conflitos, os Pereiras utilizaram o apoio de fazendeiros da região para terem proteção e aproveitarem os vários esconderijos oferecidos, ou “coitos”.
Segundo o livro do jornalista cearense Nertan Macedo, intitulado “Sinhô Pereira-O comandante de Lampião” (pág. 87, Ed. Artenova, 1975), afirma que Luís Padre possuía terras na Serra do Catolé, onde o bando se escondia. Teriam eles utilizado cavernas?
Para nós que estávamos na região pesquisando, a suspeita era pertinente, pois outras publicações clássicas sobre o cangaço narram que grutas da Serra do Catolé foram utilizadas como esconderijos por Lampião e seu bando (Optato Gueiros, in “Lampeão-Memórias de um oficial de Forças Volante”, 4ª Ed., Editora Livraria Progresso, 1956, págs. 83 a 92 e Francisco Bezerra Maciel in “Lampião, seu tempo e seu reinado-Livro II-A Guerra de Guerrilhas-Fase de Vendetas”, 2ª Ed., Editora Vozes, 1987, págs. 115 a 129). Como sabemos que muito do aprendizado de Lampião e seus irmãos no cangaço foi passado por Sinhô Pereira, era bem possível que este tenha ensinado ao “Rei dos Cangaceiros”, os principais locais de esconderijo na serra?
Para tirar a dúvida, bastava ir lá.
Até o encontro com o Senhor Antonio Antas, estas eram a únicas informações que possuíamos sobre a passagem do bando dos cangaceiros pela serra. Nosso informante confirmou tudo que fora escrito nos velhos livros e acrescentou outras informações, nos animando para continuar a jornada.
Indicações
Seguimos pela bela cidade serrana de Triunfo, em direção a Serra Talhada, depois pela BR-232, até o entroncamento em direção a São José de Belmonte, percorrendo mais de 50 quilômetros de boas estradas de asfalto.
A partir de São José de Belmonte o caminho para a Serra do Catolé segue por 25 quilômetros de estradas de barro, até o distrito do Carmo. Neste aglomerado urbano, soubemos da existência do Senhor Francisco Maciel da Silva que poderia nos dar boas informações.
Vivendo em uma casa simples do lugarejo, idoso, mas lúcido, o Senhor Maciel é um homem de pequena estatura, lento nos gestos e que utiliza um par de óculos com grossas lentes para poder enxergar. Apesar disto, a firmeza da sua voz, a lucidez e o forte aperto de mão, não deixam transparecer que ele possui 97 anos de idade. E comentou que durante anos viveu no alto da Serra do Catolé e que na sua propriedade existe uma gruta que foi utilizada como esconderijos de cangaceiros.
Já sua filha Maria do Carmo Rodrigues da Silva, de 66 anos, informou que quando ainda moravam no alto da serra, muitas vezes seus filhos traziam desta cavidade, cascas de balas de fuzis detonadas ou ainda intactas e em uma ocasião, um deles achou uma espécie de chave de fendas, aparentemente utilizada para manutenção rifles. Dona Maria nos informa que estes fatos não se restringiram apenas a pequenos objetos. Em anos passados, ela não recorda quando, em outro sítio existente na região da serra, em uma ocasião em que trabalhadores capinavam próximos a uma pequena gruta, foram encontrados dentro desta, segundo suas palavras; “um mundo de rifles socados nas furnas”.
Devido à idade, o Senhor Maciel não pode nos acompanhar, mas informou que um amigo por nome de Luiz Severino dos Santos, morador do Sítio Catolé, saberia muita coisa sobre estes esconderijos.
Os Caminhos para A Serra do Catolé
Seguimos então para a serra por uma estrada de péssima qualidade.
No trajeto percebemos a pequena quantidade de habitações existentes ao longo do caminho, onde a maioria delas se encontra com as portas fechadas, sendo difícil acharmos pessoas quem possa nos dar alguma informação. Vimos pequenas estradas vicinais, seguindo para pontos ignorados, onde mesmo com a ajuda do GPS, acabamos nos perdendo em algumas ocasiões.
Ao buscarmos informações com as poucas pessoas que encontramos, estes se mostraram arredios, desconfiados com quatro homens em um jipe EcoSport. Este comportamento estranho, bastante diferente do que estamos acostumados a encontrar nas nossas andanças pelo sertão nordestino, se explica pelo isolamento do local e a proximidade de três fronteiras estaduais, por onde “passa todo tipo de gente e bicho” como nos disse um lavrador local. Se hoje é assim, imaginemos então no tempo do cangaço.
Apesar dos percalços, cada vez mais a serra surgia imponente.
A Serra do Catolé possui características interessantes; além de elevada, extensa, é coberta com uma imensa quantidade de palmeiras conhecidas como coqueiro catolé (Syagus cromosa). Esta árvore, característica dos cerrados, é igualmente vista em praticamente toda a região Nordeste do Brasil, principalmente em locais com maior altitude, chega a ter em media 7 metros de altura e fornece uma amêndoa que se produz um fino óleo que é utilizado na culinária nordestina. Da sua polpa, principalmente no Ceará, se produz uma bebida chamada aluá e antigamente o sertanejo encontrava nesta caridosa árvore um palmito de gosto amargo, utilizado para temperar carne.
Entre esta verdadeira floresta de coqueiros catolé, vemos uma grande concentração de enormes blocos de granito, sendo esta outra característica desta interessante serra. Foi devido à ação da erosão, ao longo de milênios, que estes blocos rolaram ao longo dos declives da serra, e, ao se juntarem a outros blocos, formaram as cavidades naturais que os valentes cangaceiros do bando de Sinhô Pereira utilizaram em meio as suas lutas.
O “Coito” dos Pereiras e a Gruta da Pedra de Dé Araújo
Em meio a tantas pessoas com o semblante desconfiado, foi uma benção encontrar o riso aberto do Senhor Luiz Severino dos Santos. Homem tranqüilo, forte para seus 66 anos, comenta que nasceu na serra e de lá, no máximo só saiu até Serra Talhada. Para nossa surpresa, no começo do nosso diálogo, ao ser perguntado sobre estes esconderijos, ele confirma a existência das grutas e comenta que elas foram esconderijos usados pelo bando do seu avô, o próprio Luis Padre.
Surpresos diante desta declaração, passamos a conversar e buscar novas informações.
Segundo o Senhor Severino, a família de Luís Padre era proprietária do Sítio Catolé antes mesmo do inicio das “brigadas” contra os Carvalhos. Entre uma pausa e outra da luta, Luis Padre, Sinhô Pereira e o bando seguiam para a Serra do Catolé, onde se refaziam para novos combates. Aparentemente, entre estas pausas, Luís Padre iniciou um relacionamento com a sertaneja Ana Maria de Jesus. Logo deste encontro nasceram duas filhas do célebre cangaceiro, Emília e Agostinha Pereira da Silva, a última foi a genitora do nosso informante, sendo ela quem narrou as peripécias e as andanças do seu pai no cangaço.
As características de isolamento e as dificuldades naturais de acesso a serra, proporcionaram aos cangaceiros um verdadeiro local de descanso e apoio, mas por medo da polícia descobrir estes locais, o Senhor Severino informou que a permanência do grupo era sempre rápida e controlada. Todos os acessos eram vigiados, ninguém entrava ou saia da serra sem que Luis Padre e Sinhô Pereira soubessem. Percebemos a importância estratégica da serra e do Sítio Catolé, pois estamos a somente 18 quilômetros da fronteira cearense e a 3 da Paraíba, mostrando que a partir deste local estas fronteiras poderiam ser ultrapassadas e outros locais de apoios e de combate poderiam ser alcançados.
Em relação às cavidades, Seu Severino comenta que existem várias na região, que o grupo se escondia nelas quando havia notícias das proximidades da polícia, ou quando algum dos cangaceiros estava ferido.
Devido ao nosso tempo curto, pedimos para conhecer a mais representativa em sua opinião. Ele escolhe para uma que sua mãe lhe contou ter ido a este local, ainda criança, levada pelo pai cangaceiro, para ver um dos seus companheiros de luta que se recuperava de um balaço recebido. Ela lhe contou que o cangaceiro se chamava “Dé Araújo”, que havia sido ferido no combate das “Piranhas”, sendo trazido nas costas dos companheiros, onde foi tratado com raízes e produtos naturais. Na medicina destes cangaceiros, eles utilizavam um cipó facilmente encontrado na serra, que chamavam “cipó de baleado”, onde o mesmo era pilado, colocado sobre a ferida da bala, que cicatrizava o ferimento.
A cavidade passou a ser conhecida na região como “Gruta da Pedra de Dé Araújo”, sendo formada por um matacão granítico rolado e internamente, no centro da cavidade existe uma área arenosa, plana, onde sua mãe lhe dizia ser o “leito” do cangaceiro “Dé Araújo”, que se recuperou plenamente e voltou a luta. O Senhor Severino não soube informar se este lugar “Piranhas”, fora a mesma fazenda Piranhas, atacada pelo bando dos Pereiras em junho de 1917.
Em 1919, com o endurecimento da luta, onde a vitória total era impossível, mas a honra da família estava mantida, o conflito entra em um impasse. Neste momento surge a figura do famoso Padre Cícero, da cidade de Juazeiro, Ceará. O sacerdote pede aos Pereiras que deixem a região, que sigam para “o Goiás em busca de paz”. Eles acatam o pedido do religioso e decidem partir separadamente, levando cada um deles, um número reduzido de homens, os de maior confiança. Luís Padre consegue chegar a Goiás, mas Sinhô Pereira entra em combate no Piauí e, sem conseguir ir adiante, retorna para o violento Pajeú.
Tempos depois, em 1920, um pequeno grupo de seis cangaceiros, comandado pelo caçula dos três irmãos Ferreira, de nome Virgulino, entra no bando de Sinhô Pereira. Eles buscam vingança contra um vizinho de propriedade e de um tenente da polícia alagoana que havia matado seu pai. Durante dois anos Virgulino Ferreira da Silva, seria tornaria braço direito de Sinhô Pereira e aprenderia muito com o chefe, inclusive os esconderijos da Serra do Catolé. Em agosto de 1922, atendendo a outro pedido do Padre Cícero e acometido de problemas reumáticos, Sinhô Pereira deixa o Nordeste em direção a Goiás, onde reencontra o primo e juntos vão participar de outras lutas.
A Gruta que salvou Lampião
Chico Barbosa, já falecido, foi um agricultor que possuía uma pequena propriedade na Serra do Catolé. Morava próximo ao Senhor Severino, de quem era grande amigo e lhe contou ter sido durante algum tempo, cangaceiro do bando de Lampião.
A razão da entrada do bando, de onde ele veio, o “nome de guerra” que adotou no bando e como Chico Barbosa deixou o cangaço, ele nunca declinou ao amigo e nem o Senhor Severino perguntou.
Ocasionalmente, quando queria, Chico Barbosa comentava ao vizinho suas andanças “nos tempos dos clavinotes”. Em um destes relatos comentou que chegou à Serra do Catolé através da passagem do bando pelo lugar, quando Lampião foi ferido no pé.
O caso se deu assim; no dia 23 de março de 1924, por volta das dez da manhã, uma volante comandada pelo major da polícia de Pernambuco, Thoephanes Ferraz, teve um encontro com Lampião e dois cangaceiros em uma área próxima a Lagoa do Vieira, distante apenas cinco quilômetros da Serra do Catolé. Na luta, o chefe cangaceiro foi seriamente atingido no pé e sua montaria foi morta, caindo sobre a perna de Lampião. Apesar disto, o bandoleiro consegue fugir. Seu bando então segue para o alto de uma serra, onde o chefe passa por uma recuperação. Sobre este caso ver https://tokdehistoria.wordpress.com/2011/02/10/quando-lampiao-quase-foi-aniquilado/
Alguns dias depois, segundo o boletim oficial emitido pelo mesmo major Theophanes Ferraz, às cinco e meia da tarde do dia 2 de abril, uma tropa do seu setor de ação, ataca o acampamento dos cangaceiros e morrem dois perigosos bandidos, Lavadeira e Cícero Costa. Já Lampião, ao empreender fuga, abre o ferimento e tem início uma séria hemorragia.
O chefe se esconde nas moitas, por pouco não é descoberto pela polícia. Durante três dias Lampião padece no meio da caatinga sem água ou alimentos, com uma grave ferida aberta. Por sorte um garoto o encontra, este chama seu pai, que começa a tratar do cangaceiro. Após se recuperar, Lampião manda comunicar a seus irmãos, que chegam ao local com um bando calculado em cinqüenta cangaceiros, entre eles supostamente estaria Chico Barbosa. Neste ínterim, a polícia sabia do grave ferimento de Lampião e as buscas na região eram intensas. Sem condições de seguir para algum local aberto para um tratamento melhor, o grupo seguiu para a Serra do Catolé.
Chico Barbosa comentou que primeiramente Lampião veio para a gruta da “Casa de Pedra da Boa Esperança”.
O Senhor Severino, com extrema boa vontade nos levou a esta cavidade natural. Seguimos de carro em torno de dois quilômetros, até um ponto onde subimos uma parte da serra a pé, seguindo no meio de uma plantação de milho. O que vemos a partir do ponto onde se localiza a gruta é estonteante, é possível visualizar parte do Ceará e da Paraíba.
Chico Barbosa comentou ter Lampião sido transferido para outras cavidades na Serra do Catolé, como a Furna da Onça, localizada na fazenda Ingá. Mas foi na Casa de Pedra da Boa Esperança que ele passou mais tempo se recuperando. A razão era o isolamento do lugar e sua localização privilegiada.
Um mês após esta peregrinação por cavidades, o chefe cangaceiro será protegido por ricos latifundiários da fronteira entre Pernambuco e Paraíba, aonde vai se recuperar plenamente combatendo por mais quatorze anos, até ser liquidado em julho de 1938, na Grota de Angico, em Sergipe. Durante a continuidade da sua luta, onde vão morrer todos os seus irmãos que aderiram ao cangaço, ele vai incorporar ao bando mulheres, como a sua Maria Bonita e vai participar de inúmeros combates. Apenas ocasionalmente, na região próxima a zona do rio São Francisco, e de forma ocasional, o “Rei do Cangaço” voltara a utilizar cavidades naturais como abrigo.
Conclusão
Ainda criança, Agostinha Pereira viu seu pai Luís Padre, fugir para terras distantes e dele então não teve mais notícias.
Nos anos 50, chega a Serra Talhada um jovem bem instruído, simpático, de fala tranquila e vindo do sul do país. Ele busca entrar em contato com parentes de Luiz Pereira Jacobina, o temido Luiz Padre.
Era o goiano Hagaús Pereira, ativo membro da sociedade da cidade goiana de Dianópolis, filho de Luiz Padre, que a seu pedido buscava entrar em contato com a família deixada na Serra do Catolé. O Senhor Severino nos conta que uma parte da sua família seguiu para Goiás. Ele foi convidado, mas na última hora as belezas da serra falaram mais alto e ele está por lá até hoje.
Luiz Padre faleceu em 1965. Do avô que não conheceu ficou uma foto.
Para os privilegiados moradores deste local, a utilização da Serra do Catolé pelos cangaceiros no passado é um momento da história que cada dia mais se perde diante da concorrência desleal da televisão, provocando o desinteresse dos jovens em ouvir dos mais velhos os “causos” do passado.
Eu não acredito - pois seria capaz de enfrentar
sozinho a escuridão da noite no seu interior ou arredores -, mas dizem que o
Coito da Pia das Panelas (na região das Areias, no município sertanejo e
sergipano de Poço Redondo) é mal-assombrado, ou seja, que conta com a presença
de forças ocultas que amedrontam e afugentam quem chega por lá. Há relatos,
sim, do avistamento de supostas assombrações, de sons estranhos que ecoam de
forma fantasmagórica, de pretensas visões de pessoas ali presentes, das
folhagens e do mato se comportando de modos estranhos. Mas há razões para o
surgimento de tais crendices, e todas baseadas nos terríveis acontecimentos ali
ocorridos, principalmente pelas muitas mortes e pelo sangue derramado em seu
interior e entorno. Seriam fantasmas do Cangaço, principalmente do cangaço, mas
também de inocentes sertanejos que ali tombaram. A história dá conta de ao
menos cinco mortes no Coito da Pia das Panelas e em seus lados e proximidades.
A cangaceira Lídia de Zé Baiano foi morta pelo seu companheiro, e ali mesmo
enterrada debaixo de um umbuzeiro em julho de 34. O cangaceiro Coqueiro, que
havia flagrado Lídia entregue aos amores do também bandoleiro Bem-te-vi, ali
também foi morto e enterrado. Bem-te-vi só não foi morto porque fugiu. No leito
de um riacho logo adiante da Pia das Panelas, chamado Riacho do Quatarvo, a
cangaceira Rosinha (então viúva de Mariano) foi morta pelos próprios
companheiros do bando (Zé Sereno, Juriti, Balão e Vila Nova), e a mando de
Lampião. Inocentes sertanejos também perderam a vida nas beiradas do Coito. Tais
e tão terríveis acontecimentos, acabaram dando a Pia das Panelas a fama de
coito de fantasmas e assombrações, de medos e afugentamentos. Há, contudo,
outros relatos que vão buscar no passado ainda mais distante a motivação para a
presença das assombrações, eis que dizem ser ali também um cemitério indígena.
Com efeito, toda aquela região da Pia das Panelas já foi habitada por povos
nativos de antigamente. Dentre os moradores da região, alguns negam qualquer
estranheza no coito, afirmando sempre que são insinuações jamais comprovadas.
Já outros afirmam em sentido contrário. E dizem mais, pois confirmam que não
somente a Pia das Panelas como toda a região é mal-assombrada. E citam até o
exemplo de uns “neguinhos” que são avistados pelas veredas e estradas em meio
às noites altas. Ademais, não faz muito tempo que um renomado pesquisador e
escritor ficou todo arrepiado assim que se aproximou do coito. “Isso não
acontece por acaso. Há muita coisa estranha e sobrenatural por aqui”, foi mais
ou menos assim que traduziu seus pressentimentos. Verdade ou não - e mesmo
considerando que o medo vai chamando fantasmas onde não existe -, fato é que a
Pia das Panelas não é local para fracos e temerosos. Vá conhecer, vá visitar,
mas levando na mão a lamparina do sol. Evite a noite, até porque os “neguinhos”
podem estar pelos caminhos ou os fantasmas cangaceiros querendo avistar a lua.
ao Coito da
Pia das Panelas. De lado a outro, a caatinga, os tufos de mato, macambiras e
xiquexiques. Sem a constância das chuvas, as paisagens sertanejas vão
amarelando de canto a canto. O marrom vai surgindo quando as chuvas se demoram
e o calor e o sol vão tostando galhos, folhas e ramagens.
Mas ainda tá tudo
vistoso, em marrons-esverdeados que ainda permitem esperanças, desejos de que a
seca não desande tudo, e o cinzento e triste emoldure sertões inteiros. De
qualquer jeito, de vez em quando o pintor da natureza passa por lá e deixa suas
marcas. Um beleza sem fim nos infinitos sertões.
]Manoel Belarmino, Aderbal
Nogueira ao centro, e eu. A cada nova Expedição e novas descobertas, mesmo no
já conhecido. É que a história visual, ou presencial, do Cangaço sempre instiga
novas indagações. Não é como a presença de um livro, onde a pessoa lê e vai
acreditando ou não no que o autor descreveu. No meio do mato, perante os
sertões, a história é outra. É mais interativa e reflexiva. É muito mais viva e
mais contundente, para o espanto ou a admiração. É como se os cangaceiros ainda
estivessem ali, É como se suas vozes ainda ecoassem em meio aos tufos de mato,
coitos e espinhentas veredas. A gente ainda sente a morte e o desespero pela
vida rondando. A gente ainda sente o silêncio que de repente se torna em
alvoroço, em gritaria, em disparos pipocando de canto a outro.
A gente ainda vê
o olhar resoluto de Lídia, mesmo sabendo da morte que vai chegando pelas mãos
odiosas de Zé Baiano. A gente sente a presença de vultos espalhados, de
volantes escondidos entre a mataria, imaginando um ataque certeiro ao Coito do
Maranduba. E o fogo, o Fogo do Maranduba que ainda persiste em labaredas vivas.
A gente testemunha o fogo, sente a correria, embaça os olhos com a nuvem de
pólvora que vai se alastrando. Sim, agora tudo está repousando nos silêncios do
tempo.
Agora só restam as paisagens, mas nestas a gente ainda sente tudo. Os
pesquisadores, escritores e interessados, chegam a Poço Redondo e se encantam
com tudo isso. E eu também me encanto com a visita e o interesse de cada um
pelas histórias cangaceiras do nosso Sertão. Por isso que quando partem, quando
rumam a outros destinos, na voz rouca do meu íntimo eu passo a cantarolar uma
velha canção cangaceira: “Se eu soubesse que chorando empato a sua viagem, meus
olhos eram dois rios que não lhe davam passagem...”.