Material do acervo José João Souza
Optato Gueiros
era filho do delegado de polícia e alferes da Guarda Nacional João da Silva
Gueiros, e de sua primeira mulher, Rita Cavalero. Nasceu em Garanhuns, no dia 2
de março de 1894. Cumpre talvez lembrar: nasceu dois meses antes da chegada de
Henry Jonh McCall, missionário calvinista escocês, que naquele mesmo ano
converteu quase toda família Gueiros ao Evangelho.Não se sabe onde Optato
Gueiros estudou. Como filho de evangélicos, deve ter começado seus estudos em
1900, aos seis anos de idade, na escolinha paroquial da Igreja Presbiteriana de
Garanhuns, fundada e conduzida por Martinho de Oliveira. Provavelmente
continuou os estudos em Belém do Pará, para onde seu pai João da Silva Gueiros
se mudara, em 1908. Sua educação não deve ter ido além do nível secundário, se
tanto. Sem dúvida era um autodidata. Escrevia relativamente bem e era versado
em assuntos de história, filosofia e direito, sem falar do seu conhecimento da
Bíblia, lida diariamente "em inglês", assim assevera seu velho
companheiro de lutas, o tenente Davi Gomes Jurubeba.
Seguindo a
profissão do pai, sentou praça na polícia pernambucana, como soldado raso, como
se fazia naqueles dias, antes de haver escola para preparação de oficiais.
Galgou todos os níveis: de soldado raso a major. Sua carreira militar poderia
ser melhor apreciada através dos documentos por ele guardados, se esses ainda
existissem. Parte dessa documentação cheguei a examinar, na minha juventude,
pois o filho dele, João Gueiros Neto - meu colega no Colégio 15 de Novembro, em
Garanhuns, Pernambuco - levava para a escola relatórios, documentos e
fotografias do pai famoso, a fim de mostrá-los aos amigos.
Com a morte do
major Optato, toda essa documentação ficara sob a tutela de uma de suas filhas,
Zita Souza Gueiros, casada com um primo, o pastor Uziel Furtado Gueiros.
Infelizmente esses documentos foram perdidos na grande cheia do Recife, em
1966.
Por falta de
subsídios documentais, restou-me pinçar os eventos da vida do major Optato
Gueiros através do seu livro de memórias; das poucas informações que seus
descendentes ainda guardam de sua vida; e dos eventos guardados em minha
própria memória. Foram também de grande auxílio neste trabalho as entrevistas
que mantive por dois dias com o tenente Davi Gomes Jurubeba, em dezembro de 1999.
Fui levado até Serra Talhada pelo filho dele, Olímpio Jurubeba. Davi Jurubeba,
várias vezes citado no livro de Optato, vivia em Serra talhada - tendo
completado 97 anos em janeiro de 2000. Na época, já cego de cataratas, no
entanto era ainda pessoa de saúde admirável e de memória invejável,
especialmente para assuntos do passado longínquo.
Não se sabe em
que data Optato Gueiros "sentou praça" na polícia pernambucana.
Sabe-se apenas que aos 27 anos de idade, em 1921, ele já era sargento. Em 1930,
com 36 anos, casou-se com Maria Estela de Souza "Liquinha", sua
parenta, nascida e criada na Fazenda da Barra, perto de Triunfo, Pernambuco. A
noiva tinha doze anos de idade. De acordo com os boatos familiares, ela
trouxera consigo não apenas a babá, mas também suas bonecas de estimação.
Evidentemente, esse não foi um casamento feliz, pois mais tarde vamos encontrar
o major Optato Gueiros debatendo-se com grande fervor pelo divórcio no Brasil,
através de um livreto de 78 páginas, de sua autoria, intitulado O Divórcio, a
Igreja e o Estado (verdades nuas e cruas), publicado em São Paulo, em 1954.
Aparentava lutar, em causa própria, em favor da aprovação do divórcio no
Brasil.
Como militar,
enfrentou cangaceiros do tipo Lampião; os jagunços de José Lourenço e Severino
Tavares; os revolucionários da coluna Prestes; os revolucionários liberais de
1930 - aos quais mais tarde ele se irmanaria - e a rebelião paulista de 1932.
Mais ainda, muitas vezes foi obrigado a enfrentar os próprios homens da volante
pernambucana, a quem chamou de "verdadeiras feras".
Eventualmente
converteu-se ao Evangelho, e daí em diante passou a atuar como pregador leigo
junto aos seus próprios soldados, bem como aos sertanejos nas caatingas. No
entanto, assim nos conta Davi Jurubeba, Optato Gueiros, no começo de sua
carreira, fora um grande farrista, não se comportando de acordo com as regras
de vida geralmente seguidas pelos evangélicos. Pelos anos de 1928 ou 1930 -
Jurubeba não conseguiu precisar a data - Optato converteu-se ao Evangelho,
tendo então completamente mudado de vida.
A partir de
então, vestindo o "uniforme" de couro das forças volantes
pernambucanas, e com cartucheira, pistola e punhal ao cinto, lia a Bíblia e
pregava o Evangelho nas ruas de Serra Talhada e outras cidades sertanejas. A
razão da mencionada indumentária talvez tenha sido porque, como oficial das
forças volantes não podia se desarmar, sem correr o risco de ser morto por
algum bandido, razão pela qual mantinha as armas à mão em todos os momentos.
Mais ainda, o clima antiprotestante no sertão era tão violento, que os
missionários evangélicos às vezes sequer podiam apear-se de seus cavalos, e já
eram expulsos das cidades. Ninguém porém, jamais teve coragem ou ousadia de
tentar expulsar Optato Gueiros de lugar algum, por pregar o Evangelho. Coisas
da época.
Conta ainda
Jurubeba que, na caatinga, cada vez que a tropa parava para repousar, Optato
sentava-se "debaixo de um pé de pau" e lia a Bíblia em Inglês. Isso
mesmo, "em inglês", afirmou Jurubeba. Ao ser inquerido pelo amigo Jurubeba
a razão pela qual ele não mais farreava, como nos primeiros tempos, Optato
explicava que no começo de sua carreira não fora realmente evangélico, mas
apenas um "simpatizante" da causa. "Isso era estranho para
mim", afirmou Jurubeba, "porque antigamente, quando Optato bebia, era
um homem perigoso. Topava qualquer um. Isso no tempo antigo. Bebia cachaça e
comia pimenta malagueta com farinha e um pedaço de carne assada. Morreu de
tanta pimenta que comeu, e sabia disso", concluiu o ex-companheiro de Optato.
Relatando
maiores detalhes da profunda mudança ocorrida na pessoa de Optato Gueiros, após
sua conversão, Jurubeba afirmou: "O que me lembro especialmente de Optato
foi a batalha com Lampião, na Fazenda Caraíbas,. Optato recusou matar as
pessoas, e atirava para o ar, só para espantar. Mas disse aos meninos nazarenos
que matassem se quisessem, mas que ele não ia matar ninguém. Isso foi em 1928,
eu creio. Isso era coisa estranha para mim, porque antigamente, quando Optato
bebia, era um homem perigoso."
Símile ao seu
tio Antônio Gueiros, Optato era um dentista do tipo tira-dentes, e
"médico" da população sertaneja. "Uma coisa lembro bem
dele", afirmou Davi Jurubeba, "é que ele era também doutor raizeiro.
Por onde andava, nos vários postos que teve, sempre levava um montão de
garrafas e panelas, nas quais cozinhava e preparava suas garrafadas de cascas
de pau e raízes, que apanhava na caatinga. E muita gente comprava as garrafadas
dele". Por amar o Sertão, e nele sentir-se "em casa", bem como por
também amar as batalhas com o banditismo, seu serviço militar, naquela região,
foi todo voluntário. As forças volantes eram todas compostas por voluntários.
Por terem escolhido esse tipo de serviço, tanto os oficiais quanto os soldados
eram obrigados a pagar pelo seu próprio transporte do Recife até o sertão, e
mesmo de um posto de serviço para o outro, um absurdo, evidentemente. Escreveu
Optato: "Viajei muitas vezes a pé, de Vila Bela a Rio Branco e vice-versa.
Houve tempo em que as nossas próprias passagens pagávamos no trem, sob alegação
de que era nosso gosto preferir o sertão à capital; não íamos contra a vontade,
então 'pague seu transporte'."
Como não havia
meios de transporte no sertão, e o Estado nem sempre provia montarias para os
soldados. Frequentemente as volantes locomoviam-se a pé, por dezenas de
quilômetros ao dia, às vezes até mesmo os oficiais tinham de caminhar. Quando
tinham de correr atrás de bandidos, então requisitavam cavalos ou mulas da
redondeza, se os encontrassem. Porém o meio de transporte mais comumente
utilizado era mesmo caminhar. Usavam mulas ou cavalos apenas para transportar
os apetrechos militares, munição e comida. O acima pessoalmente constatei, em
1937 ou 1938, quando pela primeira vez vi um pelotão de tropas volantes de
Pernambuco, comandadas por Optato Gueiros. Vinha a pé, e tinha marchado os 75
km de Águas Belas a Garanhuns. Entrara na então poeirenta cidade de Garanhuns
tão garbosamente quanto possível. Os soldados calçavam alpercatas e vestiam
roupas de couro, trazendo ainda pistolas à cintura, bandoleiras cruzadas e
fuzis aos ombros. Os únicos cavalos que possuíam vinham atrás, carregando a
matalotagem da tropa. A poeira levantava pelas alpercatas ia ficando para trás,
enquanto o povo nas ruas observava os soldados, silenciosa e, talvez,
amedrontadamente. Parecia mesmo um grande grupo de cangaceiros invadindo a
cidade.
Contava meu
pai ter sido o próprio Optato Gueiros, quando ainda no início de carreira, quem
se debatera pela necessidade da volante vestir-se com roupas de couro, como os
vaqueiros sertanejos. Argumentava ser uma possibilidade os policiais
embrenharem-se pela caatinga, no meio da vegetação xerofílica, do tipo
"rasga bode", vestindo fardas de cáqui.
Os soldados da
volante, em geral, comiam uma vez por dia apenas. Isso porque as tropas
volantes, em consonância com sua denominação, estavam quase sempre se
movimentando, e não havia como parar, a fim de comer três refeições por dia.
Por essa razão, em geral comiam apenas à tarde, ou tardinha, um
"jantar" bem reforçado. Essa refeição reforçada os deveria sustentar
por vinte e quatro horas. Isso explicou Jurubeba, quando tinham tempo de parar
e comer. O mais das vezes, quando estavam correndo atrás de bandidos, nem
sempre tinham tempo de comer, de modo que às vezes passavam dias sem se
alimentar regularmente, "chegando até mesmo a enfraquecer de tanta
fome".
Contava a
professora Noêmi Gueiros Vieira, prima irmã de Optato Gueiros, que quando este
se converteu ao Evangelho, fez uma visita ao tio Antônio Gueiros, pastor da
Igreja Presbiteriana de Garanhuns, a fim de alegremente comunicar-lhe esse fato
auspicioso. Após uma longa visita - e quando o sobrinho já tinha ido embora - o
pastor Antônio Gueiros chamou a mulher e disse: "Maroca, estamos muito
mal. Optato contou-me que se converteu. Vai sair por aí dizendo que é crente.
Que tipo de crente será ele? Espero que não nos envergonhe".
A razão para
essa dúvida, explicou Jurubeba, era válida. A princípio, Optato fora "uma
pessoa muito violenta e perigosa". Bebia muito. Fazia grandes farras,
quando se tornava mais violento ainda. Porém, após ter-se convertido, mudou
completamente e transformou-se em pessoa pacífica, a ponto de recusar a atirar
nos bandidos quando estava em batalha. Atirava ao esmo, ainda que desse ordens
aos soldados para atirar e matar. Ele mesmo, anteriormente, matara o corneteiro
de Lampião com um tiro na cabeça, e depois dera um tiro no próprio Lampião,
quando este fugia, chegando a traspassá-lo com uma bala de fuzil, ferindo-o
pelas costas. Afirma ainda Jurubeba que, quando Lampião morreu foi constatado
que ele levara um tiro que o trespassara e ninguém sabia explicar como o
cangaceiro sobrevivera àquele tiro.
As atividades
de Optato como "doutor raizeiro", e dentista do tipo tiradentes, são
as mais folclóricas de sua vida. Sempre o conheci como "raizeiro",
como o chamou Davi Jurubeba, pois quando visitava seu tio Antônio Gueiros
trazia garrafadas, preparadas por ele mesmo, com aquelas misteriosas raízes e
folhas do sertão, as quais receitava para tudo: nevralgia, dor de dentes, dor
de barriga, "mal do fígado", fraqueza, "espinhela caída",
vermes, e outra enfermidades mais.
Em 1923,
quando da passagem da Coluna Prestes por Pernambuco, em um dado momento, no
lusco-fusco da tardinha, Optato Gueiros avançou com alguns soldados, buscando
prender dois revoltosos. Deu-se então conta ter penetrado no acampamento de um
batalhão da coluna, onde já se acendiam fogueiras para preparar a refeição
noturna. "Vimos então que estávamos perdidos", escreveu ele. Pulamos
dos cavalos e fizemos fogo para todo lado. Houve a maior confusão no meio dos
rebeldes e da mesma forma fomos tratados com tiros à queima roupa. Conseguimos
sair daquela situação, encontrando pela frente, pela direita e pela esquerda.
Após 25 anos
de batalhas e lutas, a carreira de Optato Gueiros terminou da maneira mais
prosaica possível. Nos próximos 10 anos, durante a década de 1940, passou algum
tempo como delegado em Garanhuns, tendo depois ido para Caruaru, onde, após
alguns anos de serviço, foi reformado.
Há várias histórias
bem folclóricas sobre sua atuação em Caruaru, inclusive um enfrentamento que
teria tido com o famoso Frei Damião. De acordo com as informações obtidas, o
frade teria criado um complô e movimento popular, para física e violentamente
expulsar os protestantes daquela cidade. A estória, como contada pelos netos de
Optato Gueiros, é que o major teria dado até meio dia para o frade sair da
cidade, ou seria preso, por perturbar a ordem pública. Frei Damião, afirmaram
meus informantes, conhecendo a reputação do major delegado, imediatamente
mudara-se para o interior do sertão, onde as autoridades, tando as religiosas
quanto as policiais, não interfeririam com ele. Não sei se essa história é
verídica.
Após 35 anos
de vida militar, foi reformado, em 1950, por ato do governador José de Barbosa
Lima Sobrinho, cuja eleição fora duramente contestada por Nehemias e Esdras
Gueiros, advogados da UDN. A reforma de Optato não foi uma reforma. Foi uma
punição sem dúvida por ser ele primo dos inimigos do governador. Foi reformado
no posto de major, e não de tenente-coronel, como deveria ter sido, de acordo
com a prática militar. Essa reforma seria questionada, em 1989, pelo jornalista
do Jornal do Commercio, de Pernambuco, Hélio Alencar Monteiro. Esse jornalista
era filho do oficial da polícia pernambucana Plínio Monteiro, companheiro de
Optato Gueiros, em 1938, em Pau de Colher. Perguntava o jornalista por que
ocorrera tal ato de reforma, ferindo tão frontalmente a prática militar.
Apelava então para o governador Miguel Arraes, pedindo ao mesmo corrigir tal
injustiça (Monteiro, 1989).
Morreu Optato
Gueiros no Recife, em 1957, com 63 anos de idade. Porém antes de sua morte,
esse guerreiro, que fora presbiteriano na juventude, tornara-se pentecostal.
Consta ter-se convertido ao pentecostalismo, quando visitava uma irmã
pentecostal, Clotilde Gueiros Cativo, residente em Belém do Pará.
Tornou-se
então uma espécie de missionário entre os parentes, indo de um por um, tentando
convencê-los de que o pentecostalismo era a verdadeira Igreja primitiva de
Jesus Cristo. Fez uma viagem ao Rio de Janeiro, unicamente para pregar o
pentecostalismo às irmãs - Rina, Sidrônia e Mirob - ali residentes, que
aceitaram sua mensagem, tornando-se também pentecostais.
Debilitado
pela vida de privações enfrentadas nas caatingas, e depois de longa enfermidade
- varado de úlceras estomacais - veio a falecer em três de março de 1957. Sua
morte, ocorrida em casa, foi presenciada por sua filha Abzag Souza Gueiros. O
valente caçador de cangaceiros e beatos guerreiros exclamou em seus últimos
momentos estar vendo, ao lado da sua cama, "dois varões vestidos de
branco", chamando-o para uma viagem, tendo então exclamado: "esperem,
vou com os senhores, vou com os senhores". Tentou levantar-se, para
segui-los, vindo então a falecer. Curiosa morte, de um tão valente caçador de
bandidos dos Sertões Nordestinos.
Fonte:
Vieira, David Gueiros, 1929
Trajetória de uma família:
História da Família Gueiros/ David G. Vieira - Brasília, 1ª edição
2008. 622 p.
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