Boa tarde! Amo
o Cordel e hoje me deparei com o texto que o trás, como fonte de pesquisa.
Achei interessante e estou postando para vocês como um caminho, também, para
entender o Cangaço! Umburana de Cheiro.
Cordel e
cangaço (Pernambucano de Mello): O CORDEL COMO FONTE DE PESQUISA.
É comum se
encontrar textos dizendo que o cordel desenvolveu-se no Nordeste Brasileiro
como veículo condutor de notícias, informações, as quais eram passadas em
sessões informais de leitura dos folhetos ou nos encontros de violeiros.
Outro dia, vi
até na revista “BRASIL: almanaque de cultura popular”, que é distribuída nos
vôos da TAM, uma matéria assinada por Mariana Albanese, na qual autora
referia-se ao cordel como “uma literatura popular, com características
genuinamente brasileiras”, e prosseguia: "Meio de comunicação de massa, o
'jornal do sertão' faz a crônica de sua época e ainda hoje se destaca em feiras
e mercados de cidades como Juazeiro do Norte, Recife e Campina Grande".(Nº
89, agosto de 2006).
Hoje, porém, quero destacar o cordel, não apenas como meio de comunicação, mas
como fonte de pesquisa histórica e sociológica.
Terminei de ler o livro “GUERREIROS DO SOL: violência e banditismo no Nordeste
do Brasil”, de Frederico Pernambucano de Mello, e chamou-me a atenção o quanto
o cordel é utilizado pelo autor no desenvolvimento do seu trabalho, aliás, um
belo trabalho. Cada capítulo tem como epígrafe uma estrofe do tipo:
Rio Preto foi
quem disse
E, como disse, não nega,
Leva faca, leva chumbo,
Morre solto e não se entrega.
(verso de pabulagem bradado em combate pelo famoso cangaceiro da segunda metade
do século XIX, cf. Luís da Câmara Cascudo, Flor de romances trágicos, 1966.
Como ninguém
ignora
Na minha pátria natal
Ser cangaceiro é coisa
Mais comum e natural;
Por isso herdei de meu pai
Esse costume brutal...
(Francisco das Chagas Batista, A história de Antonio Silvino, s.d.).
Mas a obra não
se limita a usar a poesia popular nas epígrafes. Um exemplo bom disso encontrei
nas páginas 65 a 67, nas quais a obra trata da figura do valentão, homem que
não era tido como fora da lei, mas que, segundo o autor, “enganchava a
granadeira e, viajando léguas e mais léguas, ia desafrontar um amigo, parente
ou mesmo um estranho que tivesse sofrido algum constrangimento ou humilhação”.
Para dar uma idéia do sentimento do povo sertanejo em relação aos valentões
Frederico Pernambucano De Mello lança mão dos versos do poeta Manuel Clementino
Leite, antigo versejador do sertão paraibano, do século XIX. O trecho do livro
é o seguinte:
Clementino
aponta a origem histórica do valentão através de uma ilustre ascendência
bíblica; estrema-a do cangaceiro, a seu ver, uma figura moralmente menor;
sustenta que a probidade não se mostrava nele incompatível com a vida de
questões; caindo finalmente num justificável casuísmo, em que aponta os grandes
do seu tempo e, por certo, da sua admiração de sertanejo e de poeta:
Desde o
princípio do mundo
Que há homem valentão
Um Golias, um Davi,
Carlos Magno, um Roldão
Um Oliveira, um Joab,
Um Josué, um Sansão.
Eu não chamo
valentão
A cangaceiro vagabundo
Que quer ser um Deus na terra
Um primeiro sem segundo
Que vive a cometer crimes
E ofender todo mundo.
Tenho visto
valentão
Ter sossego e viver quieto
Morando dentro da rua
Comprando e pagando reto
Trabalhar, juntar fazenda
Deixar herança pr’os neto.
Só se esconde
o valentão
Que vive com o pé na lama
José Antonio do Fechado
Morreu em cima da cama
Brigou, matou muita gente,
Morreu mas ficou a fama.
Eu três homens
valentões
No Pajeí conheci:
Quidute, Joaquim Ferreira,
E José Félix Mari
Mora dentro de Afogados
Tem grande negócio ali.
Mais adiante,
nas páginas 178 a 180, o autor, já dissertando sobre os cangaceiros, fala do
grupo dos Guabiraba, e mais uma vez busca apoio na poesia popular:
Ainda no meado
do século [XIX], passaram a atuar os Guabiraba, sob a chefia dos irmãos Cirino,
Jovino e joão, e do cuhado destes, Manuel Rodrigues. “Naturais da vila de
Afogados da Ingazeira, ao pé da serra da Baixa Verde, no sertão pernambucano,
fizeram-se bandidos nas escolas do Pajeú de Flores, onde praticaram tantos
crimes que foram obrigados a fugir para Teixeira, na Paraíba”, eis o retrato
que nos fornece Gustavo Barroso [...]. Em sua faina de poeta a seu modo
historiador, Leandro Gomes de Barros pinta o gupo de Cirino com traços bem
carregados;
Os Guabiraba
eram um grupo
De três irmãos e um cunhado,
Todos assassinos por índole,
Cada qual o mais malvado
Aquele sertão inculto
Tinha essas feras criado.
A audácia do
bando transparece clara nestes versos, pedaços de um antigo ABC de autor tão
inculto quanto inteligente, com que se obtém uma reconstituição bem mais
precisa da situação descrita, particularmente do clima épico em que se feriam
as disputas que envolviam cangaceiros:
Agora estou me
lembrando
Do tempo dos Guabiraba...
O capitão Zé Augusto
Cercou a serra e as aba,
Encontrou os cangaceiros
Quase Fagunde se acaba!
Cercou a serra
e as aba
Com trinta soldado junto,
Falou para os cangaceiros:
São pouco! Apareça muito!
Tomou a boca da furna
Trouxe carga de defunto.
Deram fogo
duas horas,
Bala na serra zoando,
Com a distância de três léguas
Todo o povo apreciando
E o povo todo dizendo:
Fagunde tá se acabando!
Enéas foi dos
primeiro
Como o mais influído...
O capitão disse a ele:
Cabra, não seja atrevido,
Receba beijo de bala
No mole do pé do ouvido!
Foi um beijo
envenenado
Como besouro estrangeiro
A bala beijou na fonte
Já se viu tiro certeiro
E isso serviu de exemplo
Pro resto dos cangaceiro...
Guerreava o
capitão
Com dezoito cangaceiro!
Passando bala por bala,
Como troco de dinheiro,
Matou dois, baleou três,
O resto depois correro...
Homes bem
afazendado
Viu toda sua riqueza
Descer de águas abaixo,
Contra a sua natureza,
Por causa do cangaceiro
Foi reduzido à pobreza.
Mandou o chefe
da turba
Retirar os baleado,
Que o sague regava o chão
Como em matança de gado
E disse, devagarinho:
Os macaco tão danado!
Nada se pode
fazer!
Guardemos para o futuro...
A noite está que nem breu,
Ninguém enxerga no escuro,
Pode ser que em outro “baile”
A gente atire seguro.
É isso. Dá
gosto ver o cordel registrando os fatos, comentando os movimentos políticos,
descrevendo os fatos pitorescos da nossa história. Parabéns a Frederico
Pernambucano de Mello, que soube ir buscar nessa fonte matéria prima para o seu
trabalho.
E o melhor é
que, basta ir a uma feira de muitas cidades do Nordeste, para ver que o cordel
continua lá fazendo esse mesmo trabalho, e com temas atuais. Na Internet também
tem aparecido muita coisa. Mundo Cordel é um espaço que está sempre à
disposição para colaborar.
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