Por Benedito Vasconcelos Mendes
No passado, existia no Sertão Semiárido dois tipos de feiras: as Feiras
Regionais de Gado e as Feiras Semanais. As Feiras Regionais de Gado ocorriam em
diversas cidades do Nordeste, como Feira de Santana-BA, Caruaru-PE, Campina
Grande-PB, Caicó-RN, Currais Novos-RN, Icó-CE, Sobral-CE, Campo Maior-PI e em
outras cidades.
As Feiras Semanais aconteciam em todas as cidades sertanejas. Estas feiras
locais (Feiras Semanais), além de serem um espaço comercial eram também local
de encontros e congraçamentos dos habitantes do campo com os das cidade. Os
fazendeiros aproveitavam a ida à feira para rever familiares e amigos que
moravam na cidade, ir ao médico, comprar óculos, encomendar ternos de linho na
alfaiataria, fazer compras nas lojas de tecidos e nas de produtos
industrializados, enquanto a população urbana ia à feira para se abastecer de
gêneros alimentícios, vindos da área rural e para se encontrar com amigos e
parentes que residiam nas fazendas e sítios.
Na década de 1950, a Feira Semanal da cidade de Sobral, no Estado do Ceará,
ocorria em um terreno próximo ao Mercado Municipal. Em um poste de ferro
(trilho de trem), no meio da feira, situava-se um serviço de alto falante, que
anunciava recados, avisos, achados e perdidos e que retransmitia a programação
da Rádio Iracema de Sobral, à época, a única emissora radiofônica existente na
cidade.
A região se auto abastecia de alimentos, pois quase tudo era produzido nas
fazendas regionais. Não havia estradas asfaltadas nem frota de caminhões capaz
de trazer do Sudeste ou de outra Região Geográfica do País produtos
alimentícios a preços competitivos, de modo que tudo que se consumia era
fabricado na região. Muitos víveres e animais vivos eram trazidos das fazendas
e sítios localizados nas redondezas de Sobral. Os animais eram tangidos das
fazendas até a feira, pois, naquela época, não existiam caminhões adaptados
para o transporte de animais.
Os animais vivos mais comercializados na feira eram bovinos, ovinos, caprinos,
suínos, equinos, muares, asininos e aves. Os principais produtos transportados
em lombos de burros e de jumentos pelos comboieiros, para serem comercializados
na feira eram aves (galinhas caipiras, capotes, patos, perus e marrecas
nativas) e os gêneros alimentícios produzidos nas fazendas, como farinha e goma
de mandioca, rapadura, queijo de coalho, manteiga de garrafa, banha de porco,
carne-seca, linguiça, ovos, peixes de água doce, tripa e toicinho de porco
salgados, avoantes e outras caças salgadas, feijão-de-corda, milho, arroz
vermelho, coco-da-praia seco, jerimum, melancia, milho verde e outros produtos.
Do litoral, vinha o sal e o peixe seco, especialmente o peixe Camurupim
salgado. Da Serra da Meruoca chegavam farinha e goma de mandioca, rapadura,
cachaça, castanha de caju, óleo de coco-babaçu, mel de abelha jandaira, mel de
abelha mandaçaia, mel de engenho, colmos de cana-de-açucar para garapeiras e
frutas (banana, manga, abacate, ata, mamão, ananá, laranja, lima, limão e
outras).
Os artesãos armavam suas tendas para vender seus produtos, sendo as mais
comuns: Tenda de Ferreiro, que vendia machados, foices, facões, facas de ponta,
peixeiras, dobradiças, armadores de rede, alavancas, pés-de-bode, talhadeiras
etc; Tenda de Flandreiro, com suas lamparinas de zinco, panelas, canecas de
flandres e de zinco, ralos de lata (flandres), para ralar milho verde e muitos
outros recipientes de zinco e de flandres; Tenda de Seleiro, que vendia selas,
caronas, alforjes, cabrestos, peias, cabeções, sias para selas e cangalhas,
esporas e estribos; Tenda de Louceira, onde se encontrava panelas de barro,
fogareiros, potes, quartinhas, alguidares, penicos e muitos outros recipientes
de barro; Tenda de Cesteiro, que oferecia cestos de cipó e artigos de palha de
carnaúba (urus, surrões, bolsas, esteiras, abanos, urupemas) e outros; Tenda de
Tarrafeiro, que vendia tarrafas e landuás de pescar; Tenda de Tamanqueiro, que
comercializava tamancos de mulungu, com rosto de couro; Tenda de Gameleiro,
onde se comprava gamelas, cochos, cuias, cuités e colheres de pau; Tenda de
Sapateiro, onde eram comercializadas chinelas de rabicho e alpercatas; Tenda de
Chapeleira, que oferecia chapéus de palha de carnaúba; Tenda do Cordel, que
vendia folhetos de cordel; Tenda dos Carpinteiros, Marceneiros, Tanoeiros e
Santeiros, que vendiam portas, janelas, bancos, cadeiras, mesas, cantareiras,
ancoretas, pipas e tinas de pau-branco, cangalhas, imagens de santos,
penteadeiras, guarda-louças e baús de imburana ou cumaru.
Os feirantes vindos da zona rural e de outras cidades compravam nas grandes
lojas do Mercado Municipal, principalmente, tecidos, ferramentas, rádios,
apetrechos de trabalho, implementos agrícolas, máquinas e metais, que serviam
de matérias-primas para os artesãos e outros produtos. As lojas externas, que
circundavam o mercado, eram quase todas de artigos populares, pois eram
especializadas em produtos rústicos, destinados aos habitantes da zona rural,
principalmente feirantes e tropeiros que vinham para a feira semanal, que
ocorria das cinco horas da manhã às duas horas da tarde.
Eram lojas surtidas que vendiam de um tudo do ramo de sua especialidade. Por
exemplo, as lojas de tecidos e aviamentos vendiam tecidos (algodãozinho, morim,
chita, brim, mescla, cáqui e outros tecidos) e aviamentos (botões, linhas,
cianinhas, bicos, elásticos, agulhas para costurar e bordar à mão, agulhas de
máquina de costurar, bastidores de bordar, linhas de crochês, cordões de punho
de rede e muitos outros produtos). As lojas de ferragens vendiam enxadas, pás,
martelos, alicates, machados, picaretas, tesouras, serrotes, limas, grosas,
enxós, cepilhos, puas, goivas, formões, chaves de fenda, foices, facas, facões
e metais de uso geral, como pregos, parafusos, folhas de zinco, solda branca,
dobradiças, fechaduras etc. As sapatarias comercializavam sapatos fechados,
botas, sandálias e fanabôs, além de solas, vaquetas e camurças.
No decorrer do dia, os feirantes iam merendar na merendeira do Batoré.
Invariavelmente, pediam caldo de cana com pão doce ou pastel de carne com
refresco de murici, peroba ou de tamarindo. No Café São José, de propriedade do
Tião Serrano, localizado vizinho à merendeira do Batoré, além de café era
servido também cuscuz com ovos, sopa e caldo de carne e pão com bife. O almoço,
geralmente, era no restaurante da Dona Raimunda, onde se comia panelada,
buchada, sarapatel ou carne de bode com feijão-de-corda com toicinho, arroz e
farinha de mandioca.
Os comerciantes que vinham de fora, de vez em quando, dirigiam-se à bodega do
Chico Orelhudo, para tomar uma dose de cachaça no pé do balcão, com tira-gosto
de cajá, caju ou de tripa de porco assada, com farinha de mandioca. A cachaça
era acondicionada em quenga de coco-da-praia, com uma rolha de madeira, que
ficava pendurada em um prego na prateleira. A medida que a cachaça do coco ia
diminuindo, o bodegueiro ia completando o volume com cachaça retirada de um
tonel de imburana, com o auxílio de um funil de zinco. Os copinhos de vidro de
servir cachaça tinham o fundo grosso e ficavam com a boca para baixo, em um
suporte de madeira fixado na parede.
Os comboieiros, que traziam seus produtos de sítios da Serra da Meruoca, usavam
caçuás de couro cru sobre cangalhas. Geralmente, traziam farinha e goma de
mandioca, rapadura, mel de engenho, óleo de coco-babaçu, doce de caju, castanha
de caju e frutas (banana, manga, mamão, laranja, limão, caju, ata, abacaxi,
graviola, goiaba e outras frutas tropicais). As frutas, as verduras e as
meizinhas eram vendidas em bancas. As principais meizinhas comercializadas eram
as raízes, cascas de tronco de plantas, folhas, frutos e sementes de vegetais,
banhas de tejo, de cobra cascavel, de raposa, de traíra, de cágado, de jia, de
galinha e sebo de carneiro capado.
A verdureira mais popular e a que tinha o maior número de fregueses era a Dona
Matilde dos Coentros. A Tenda do Cordel era a mais animada da feira e seu
proprietário era o João do Cordel, que vendia os folhetos dos poetas populares.
Para chamar a atenção dos fregueses, ele recitava, em voz alta, versos de
autoria do Cego Aderaldo e de outros cordelistas famosos.
Os sertanejos que traziam para vender na feira, aves, queijos de coalho,
manteiga de garrafa, mel de abelha jandaira, peixes de água doce (curimatã,
traíra, cangati, piau, piaba e cascudo) e muitos outros produtos. Eles voltavam
com seus comboios de animais carregados com latas de querosene, tecidos, sal,
ferramentas, moinho de ferro, arame farpado e outros materiais, comprados nas
lojas do Mercado Municipal. Às duas horas da tarde, a feira já estava deserta,
com as barracas desarmadas. A feira era usada também para abastecer as bodegas
e ajudar a renovação de seus estoques. Era o local que os proprietários das
fazendas e dos sítios da região tinham para vender seus produtos e para comprar
os utensílios do lar, as máquinas, os implementos agrícolas, remédios e artigos
de higiene.
Benedito Vasconcelos é professor, escritor, pesquisador do cangaço e membro de várias associações.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com