Por: Jair Eloi de Souza
No
sertão antigo, quando se ouvia o canto triste e sinistro da acauã, empoleirada
num velho angico desfolhado, no baixio de Joaquim de Anália, caminho
da Cachoeirinha, a um passo de ema do fechado da honrada Tia
Baé, batia o desespero. Grassava a década de l950, e já se vivia as tardes
em que setembro tinha recebido a primavera, onde decenários ipês amarelos
faziam o destaque com sua floração.
Acauã - http://www.piracuruca.com
O Juazeiro, naquele sequidão e mundaréu esquisito, buscava as últimas reservas d`água que recebera na quadra chuvosa passada, e num esforço incontido dava início a rebrota e sua estação das flores.
Padre Cícero Romão Batista
O sertanejo temente a Deus, e mais ainda, ao Padre Cícero Romão, punha
as mãos para o céu, e começava seu rogatório. Esperava alguma notícia das
terras do Piauí. Mas, apenas Chuvas de manga, escassas, de trecho minguado,
eram os informes dos tangerinos, que se penitenciavam conduzindo gado comprado,
pelos fazendeiros do Seridó poente, uma prática comercial e aquisitiva em razão
do baixo preço, e da necessidade de repor os rebanhos desfalcados pelas vendas
para o mercado do Recife, destacando-se nesse ofício o serranegrense Artéfio
Bezerra da Cunha.
Naquela
estação, finzinho do ano de l957, a gadaria consumia o pasto seco, e tinha um
baita refrigério nas capoeiras de algodão, colhendo a crueira, a catemba e a
própria rama, quando situadas nas terras de baixio massapesadas. Chegam as
festas de fim de ano, raros são os casamentos, pois, não havia certeza de
inverno na próxima quadra. Rompe dezembro, mas as chuvas não aparecem no
semi-árido nordestino. No Piauí, apenas chove no sul, beiral com o Estado de
Goiás então, hoje Tocantins, região do Vale do Gurguéia, um dos maiores lençóis
freáticos (subterrâneos) do mundo.
Convém ilustrar que a configuração do inverno
nas terras do sertão em todo o semi-árido nordestino, obedece a uma simetria
cronológica. Primeiro, as pancadas de chuvas no Piauí, com início na última lua
do mês de outubro, se consolidando a estação do plantio por todo
período novembrino, para atingir os Cariris novos e o Araripe no Ceará, por
ocasião das festas de fim de ano. Daí seguindo janeiro com chuvas já em solo
potiguar quando bate as portas com ventanias chuvosas no auto-oeste, depois
médio oeste, Seridó, trairy-agreste e por fim atinge a pancada do mar na
silhueta canavieira. Em síntese esse é o caminho das chuvas no solo nordestino.
No
início de l958, um velho manco, gangorrando em seu andar arrastado, trajando
uma lordeza inimitável, roupa de linho “S”-120, branca, sapato em verniz
marrom, chapéu de massa marca prado, contrastava com as notícias que
trazia na sua almanaque para aquele ano. Não havia mistério, o canto sutil,
compassado, da velha acauã, vaticinava seca recrudescida nos sertões do Seridó.
Era esse escriba, ainda um infante, seis primaveras completadas no abril, que
não foi chuvoso. A estação da oralidade se concentrava na casa de Chico Lixeiro, canzenza legítimo, com direito a café coado na hora pela generosa
Nazinha, um primor de bondade. Os habituês daquela rica estação de conversas
eram: Themístocles Cavalcanti, meu padrinho, o mais jocoso, também pudera, tinha
como mestre seu parceiro da faina pastoril o dono da casa, pois, eram unha
e carne, inseparáveis. Artur Ambrósio, viúvo, paleador de primeira, lordeza
sobrava. Sabino de Chico Raimundo, e o mais irreverente e de tutano reflexivo,
Chico Eloi, uma enciclopédia ambulante, o tutor intelectual desse signatário,
resina do mais puro sabor da sabedoria popular, meu avô paterno.
Naqueles
tempos, a iluminação era gerada por motor a diesel, oito e meia da noite, dava
o sinal, nove horas apagava. As noites eram escuras, uma negritude de quixaba
madura. O céu um santuário de estrelas candentes, onde se destacava o planeta
mercúrio, voraz no seu reinado, para com o Nordeste. Segundo a crendice
popular, proibia São Pedro de mandar chuva para o cinzento e não deixava que a
mãe de Deus baixasse a mão, trazendo chuvas para o sertanejo.
São Pedro - infoescola.com
Estamos na hora vesperal da nossa quadra chuvosa, no
semi-árido nordestino. Os sinais são de possibilidade mediana. O fenômeno la
nina (baixa temperatura nas águas do Pacífico), permanece. Inibe o nosso maior
inimigo o El ninõ, (temperaturas altas no Pacífico) que não permite a
formação de chuvas (nimbos: cúmulos-nimbos – nuvens densas e cinzentas), que
ofertam chuvas a qualquer hora. É uma mazela a menos para o criador. No
entanto, esperemos que a água do Oceano atlântico, saia da sua friagem, se
aqueça, e passe a consolidar a formação de nuvens carregadas, ajude na
manifestação da Zona de Convergência, acima da Linha do equador, para que
tenhamos um refrigério de inverno.
Graúna - otempovida.blogspot.com
Tiro notícia da Chã da Graúna, o meu feudo na
Borborema potiguar, que a Acauã está silente, seu canto sutil, compassado não
está sendo ouvido.
Para uns, isso significa uma mudez em melancolia, a estiagem
longa, a faz refém de dissipar o tempo limpando sua penugem empoeirada. Para
outros, ante à rebrota e floração exuberante dos juazeiros, o que é uma
evidência nas terras do Sertão, cria nesta ave e no seu caráter de maior
expectador da cena sertaneja, uma leitura instintiva de que sua penugem gasta
será lavada em breve, com as chuvas redentoras, para amenizar o longo penar das
gentes e dos inocentes animais neste torrão nordestino.
A lua está em crescente, quem sabe se não temos
novidade na lua cheia que se avizinha, com chuvas nas festas natalinas?
*É Professor de Direito da UFRN.
Jair Eloi de
Souza
Do blog: Jarles Cavalcanti
http://www.jarlescavalcanti.com