Por Junior Almeida
Muita gente já
falou em grupos especializados em cangaço no Facebook e também nos de WhatsApp
sobre a obra “Lampião a sua Verdadeira Morte - Angicos Não Foi o Fim”, do
escritor Antônio Pinto, obra que tem a presunção de contestar TODA literatura
cangaceira e todos os depoimentos dos remanescentes da época, cangaceiros,
coiteiros e volantes. O livro é fininho, são apenas 104 páginas, muitas delas
preenchidas com fotografias, então, de uma tirada só dá pra ler. Como não acho
correto elogiar ou criticar um livro sem conhecer, quis tirar minhas próprias
conclusões depois de ler. Vamos lá:
A capa tem uma
fotografia de Lampião (legítimo) ao lado do “Lampião de Buritis”, de autoria do
fotógrafo mineiro Geraldo Aguiar. O detalhe é que acrescentaram por programa de
computador uns óculos com um tapa olho na imagem. Será que o autor quis usar a
técnica do Super-Homem, que se disfarça apenas com óculos e achou que ninguém
reconheceria o Lampião mineiro? Tive essa impressão.
O prefácio
feito por um padre, a princípio um homem de Deus, tenta passar credibilidade ao
leitor, mas se percebe logo que o religioso sabe tanto de cangaço como um ateu
sabe da missa.
Na página 11
do livro eu achei que tivesse lido errado e voltei no texto. Confesso que tive
vontade de parar de ler, mas insisti e fui em frente. Dá pra acreditar que o
autor diz que as pinturas rupestres espalhadas pelo Nordeste são obras de
alienígenas, que desembarcaram aqui em suas naves espaciais?! É mole? Papel
aceita cada coisa...
Na 15, Pinto
faz um resumo do resumo das brigas entre os irmãos Ferreira com Zé de
Saturnino, inclusive fala nas cercas que dividiam as propriedades de Zé
Ferreira e o velho Saturnino das Pedreiras, quando se sabe que as confusões
entre as famílias se deram justamente pela falta destas, o que fazia que os
animais fossem de uma propriedade à outra sem nada que os impedisse.
Duas páginas
adiante uma informação nova, pelo menos pra mim: segundo o autor, os filhos de
Zé Ferreira assistiram a sua morte, quando a volante comandada por Zé Lucena estava
na propriedade onde ele morava justamente procurando Antônio, Virgulino e
Levino, envolvidos num assalto na então vila de Pariconha. Dá pra imaginar três
“doces meninos”, os cangaceiros Esperança, Lampião e Vassoura, ver o pai morrer
crivado de balas e não reagir?
Página 18 o
escritor diz que a palavra “macaco”, como jocosamente os cangaceiros se
referiam aos policiais, tem origem no fato de “os militares terem origem pobre,
mas serviam ao governo dos ricos, fazendeiros e grileiros, vindo a PULAR de posição
ficando contra suas origens”. Interessante...
Na 20 ele diz
que foi por ordem de Getúlio Vargas que uma força volante de um Estado poderia
entrar em outro, mas só lembrando que Getúlio Vargas assumiu pela primeira vez
a Presidência da República em 1930, sendo que em 1922 os poderes ESTADUAIS das
Unidades da Federação atingidos pelo cangaceirismo, já haviam assinado um
tratado de cooperação.
Na página
seguinte o autor fala que Joca Bernardes em 27 de julho de 1938 foi a
Entremontes e não à feira de Piranhas dizer ao “tenente Aniceto” que Pedro de
Cândido sabia onde o bando de Lampião se encontrava, e na página 22 ele se
refere ao local que Lampião e parte do seu bando tombaram sem vida como GRUTA
de Angicos. Apesar de mudar apenas uma letra na palavra o correto é GROTA, pois
como o autor se referiu, passa a impressão ao leitor desatento que o cangaceiro
morreu numa caverna.
Página 24 o
escritor diz que a ação policial que resultou na morte de Virgulino era
denominada “operação pijama”. Hã?! Confesso que desconhecia isso. No bom
“cearês”: Aí dentro, macho!
No capítulo
23, o autor reforça o seu lado na história, pois se refere aos policiais
volantes como sendo “covardes”, e aos cangaceiros como “pobres e indefesos”.
Anteriormente Antônio Pinto já tinha exaltado os bandidos, chamando-os de
“heróis, bravos, valentes” e que tinham qualidades de “ariscos e ligeiros”.
Mais duas
páginas pra frente, uma revelação do outro mundo, literalmente falando, pois
vem do mundo do além. Pinto afirma que Antônio Ferreira, irmão de Lampião,
morto na Fazenda Poço do Ferro, do Coronel Ângelo (Anjo) da Jia, em Ibimirim,
Pernambuco, no começo de 1927, estava também em Angicos em 1938. Podem
acreditar, tem isso no livro.
No capítulo 8,
“Lampião ferido sim, vencido nunca”, o autor discorre de como supostamente o
rei do cangaço escapou do massacre de Angicos e mostra mais uma vez que não é
do time das volantes, pois se refere mais uma vez aos militares com desdém, e
os condenando, ao afirmar que “após matarem os cangaceiros em Angicos, os
militares todos bêbados, riam muito”. Só uma pergunta: quando o time da gente
ganha, a gente se alegra e ri, ou fica triste e chora? Agora deu mesmo!
Historiador não pode ter lado.
Na página 27 o
autor diz que durante a chuva de balas de Angicos Lampião ficou escondido numa
caverna. Já fui algumas vezes ao local e de novo confesso desconhecer uma
caverna por lá, mas como o escritor chamou o a grota de gruta, pode ser que
exista, não é?
Na página
seguinte mais uma afirmação do outro mundo, acrescentando dessa vez uma viagem
no tempo, pois Antônio Pinto diz que Lampião após escapar ferido do tiroteio,
foi a Juazeiro agradecer ao Padre Cícero o livramento. Um detalhezinho de nada
que o autor não se atentou: o Patriarca do Juazeiro tinha morrido havia QUATRO
ANOS. Morreu em 20 de julho de 1934. Pois é, segundo a obra do escritor de Pão
de Açúcar, Antônio Ferreira reviveu depois de mais de uma década e o Padim,
depois de quatro anos.
Na 29, o livro
tem a foto da placa colocada pela Prefeitura de Poço Redondo na Grota de Angico
como sendo a primeira cruz do local de morte, não se referindo em nenhum
momento a cruz de madeira colocada por João Ferreira, irmão de Lampião e a de
metal, colocada depois pelo tenente João Bezerra e que hoje se encontra em uma
faculdade de Aracaju.
Mais duas
páginas adiante mais um erro de identificação: a famosa foto das cabeças dos
cangaceiros na calçada da prefeitura de Piranhas, o Palácio Pedro II, é postada
como se fosse na cidade de Pão de Açúcar, também em Alagoas. A imagem é conhecidíssima,
me admira o autor não saber disso.
Página 34 tem
o desenho tosco do autor mostrado como se fosse uma fotografia, mostrando a
casa do homem que ele afirma que era Lampião, e que usava o nome de João
Novato.
Um trecho
curioso na página seguinte, pois Antônio Pinto alfineta os moradores da sua
terra, ao dizer que o povo de Pão de Açúcar “acolhe os novos moradores e
maltrata os conterrâneos”. Particularmente achei uma forte crítica por parte do
autor. Pode ser que magoado com alguém, ele teceu críticas a todos e tais
comentários no livro expliquem o fiasco do lançamento da obra e o enterro
simbólico de João Novato/Lampião. Os vídeos apresentados nas redes sociais
mostraram os gatos pingados participantes dos eventos. Foi de dar dó.
Página 36 tem
outro desenho, que parece ter sido feito por uma criança, alegando ser um
retrato da rua que morou João Novato/Lampião e na 41 fala do principal
personagem do seu livro como sendo um grande contador de histórias, tendo sua
esposa Rita ao seu lado, confirmando tudo. Acho que o autor se inspirou em
Panteleão, personagem de Chico Anísio, que tinha seu bordão “é mentira,
Terta?!” – Verdade! Respondia ela, com sua voz fina.
A partir da
página 58 o autor apresenta várias fotos de objetos que supostamente provariam que
João Novato era na verdade Virgulino Ferreira. Na 79 tem até uma foto de Tânia
Alves, caracterizada de Maria Bonita, no famoso seriado da Globo, do ano de
1982, para mostrar como eram as toldas dos cangaceiros.
Mais pra
frente, na página 87 Pinto novamente recorre aos assuntos do outro mundo.
Transcrevendo o depoimento da testemunha Heitor Pinto, o autor diz que “em sua
rua aparecia um lobisomem que corria pelos telhados das casas e, que Lampião
teria lhe dado um punhal, que bastava mostrar ao bicho, que ele correria com
medo”. Segundo o relato, foi exatamente o que aconteceu.
Na 90, uma
testemunha do livro diz que Lampião dançava para os estudantes que passavam em
sua rua e na página 93 outro depoimento descreve o suposto como Lampião como um
homem bastante extrovertido, diferente dos primeiros relatos, que dizem que o
homem mal saia de casa, sendo bastante arisco.
Como podemos
observar nesses pontos por nós apontados, o livro traz alienígenas, viagens no
tempo, ressurreição dos mortos (Antônio Ferreira e Padre Cícero), lobisomem e
várias outras “viagens” do autor, e isso sem falar nuns errinhos de português e
digitação, que podem estar em todo tipo de obra, até de autores renomados, mas
não revela o mais importante que o livro deveria revelar: VERDADE. Em nenhum
momento nada de nada de verdadeiro foi apresentado pelo autor Antônio Pinto. Se
ele colocasse na capa ou primeira página que sua obra se tratava de uma
fantasia, tudo bem, mas tentar vender por verdade essa loucura é no mínimo um
absurdo. O escritor pode até reclamar do “pau” que tem levado da imprensa e nas
redes sociais, mas sem razão, pois quando uma pessoa se propõe a escrever o que
ele escreveu, tem que ter o coro grosso e se preparar pra o que estava pra vir.
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