Licenciado em Letras e Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília (UnB), pós-graduado em Linguagem Psicopedagógica na Educação pela Cândido Mendes do Rio de Janeiro, professor do Instituto de Português Aplicado do Distrito Federal e assessor de revisão de textos em órgão da Força Aérea Brasileira (Cenipa), do Ministério da Defesa, Luiz Serra é militar da reserva. Como colaborador, escreveu artigos para o jornal Correio Braziliense.
Serviço – “O Sertão Anárquico de Lampião” de Luiz Serra, Outubro Edições, 385 páginas, Brasil, 2016.
O livro está sendo comercializado em diversos pontos de Brasília, e na Paraíba, com professor Francisco Pereira Lima.
e-mail:
franpelima@bol.com.br
Já os envios para outros Estados, está sendo coordenado por Manoela e Janaína,pelo e-mail: anarquicolampiao@gmail.com.
Corpus Christi é uma comemoração que faz parte do calendário da Igreja Católica, e sua criação remonta ao século XIII. Aqui no Brasil a data é celebrada com um feriado, sempre em uma quinta-feira. No dia de Corpus Christi, celebra-se um dos princípios mais importantes do catolicismo: o sacramento da eucaristia.
(FOTO: B. CHAGAS).
O que é comemorado em Corpus Christi?
Corpus Christi é uma expressão originária do latim e, em tradução para o português, significa “corpo de Cristo”. Desse modo, o nome escolhido para essa comemoração já sugere o seu significado: uma homenagem à eucaristia. Esse sacramento do catolicismo é realizado como uma forma de relembrar a morte e ressurreição de Jesus Cristo. Nesse sacramento, o pão que é consumido representa o corpo de Cristo, e o vinho ingerido simboliza o sangue de Cristo.
A realização da eucaristia é uma referência à Última Ceia, realizada por Cristo com seus discípulos durante a Semana Santa, e à ordem de Cristo (conforme a simbologia citada) de consumir o pão e o vinho em sua memória. Ainda dentro da teologia católica, acredita-se que na eucaristia ocorre algo conhecido como transubstanciação, no qual os elementos (hóstia e vinho), após serem consagrados, transformam-se, em essência, na carne e no sangue de Cristo.
A comemoração de Corpus Christi ocorre exatamente 60 dias após a Páscoa. A data é celebrada obrigatoriamente em uma quinta-feira. Isso acontece como uma simbologia pelo fato de que a Última Ceia ocorreu em uma quinta-feira, segundo a tradição. Outro marco importante para o estabelecimento da data é o Domingo da Santíssima Trindade. Na quinta seguinte ao Domingo da Santíssima Trindade, é comemorado Corpus Christi” (Wikipédia).
Que pena não estarmos na Rua Antônio Tavares vendo passar a procissão com o Corpo de Cristo. As vozes harmoniosas do homens, mulheres de preto e descalças pagando promessas, senhor Felisdoro conduzindo uma das seis hastes do pálio sobre o corpo de Jesus. Os tempos mudam, mas Jesus nunca deixou de ser Jesus. Não podemos adorá-lo na Igreja, nas ruas, mas podemos adorá-lo em nossas preces e nos corações. Que esse dia seja um marco importante para a fim da pandemia cruel que ceifa vidas humanas.
Atualmente, próximo à sede municipal de Poço Redondo, no sertão sergipano, uma casinha repousa sobre os escombros de sua história e de sua memória. Um retrato do que ainda resta do Poço de Cima, raiz primeira do atual Poço Redondo.
Tudo nasceu aí, na parte mais alta daquele desconhecido sertão, próximo às águas do riachinho e permitindo uma visão de tudo o que acontecia ao redor.
Foi também aí que se assentaram as primeiras famílias: Os Sousa, os Lucas, os Cardoso, os Feitosa, que desencavando nas entranhas permite avistar quase uma única família: a grande família do Poço de Cima.
Uma das casas que continua em pé, ainda que ninguém nela resida mais, pertencente originariamente aos Sousa, foi uma das mais imponentes da antiga povoação.
Muitas outras ficavam nas vizinhanças, algumas com melhor estrutura e até com escravos ao bel-prazer daqueles senhores de então. De profunda religiosidade, o catolicismo logo ganhou altar numa igrejinha ao lado: a Capela de Santo Antônio do Poço de Cima.
Erguida para os ofícios da fé, também servia como lugar sagrado para os sepultamentos dos membros daquelas famílias. Somente aqueles dos Sousa, Lucas, Cardoso e Feitosa, podiam ser enterrados por lá.
Com efeito, muitas sepulturas foram surgindo ao lado da capela e, no seu interior, os jazigos de alguns importantes personagens daquela saga. Ainda hoje é possível avistar as datas sobre as sepulturas.
A Capela de Santo Antônio, bem como umas quatro moradias do passado (algumas já em escombros, com o barro deitando ao chão), ainda testemunham aqueles idos do Poço de Cima.
Contudo – e infelizmente -, de memória e história que vão amarelar e sumir como um velho retrato desgastado nas paredes do tempo. Com o sol e a chuva, com o calendário do tempo, certamente que o desgaste vai colocando fim a tudo existente.
Sem qualquer tipo de preservação, sem que se jogue ao menos uma mão de barro sobre o que vai caindo, o que se terá será apenas a dor do vazio e de uma tão bela saga levada no vento.
O costume do abandono, ou de tudo abandonar pelo descaso, ainda custará muito caro à história de Poço Redondo. Chegará um dia – ainda que o Poço de Cima fique quase ao lado da cidade – que poucos saberão dizer onde tudo começou.
E nem retrato restará, vez que os jovens não querem ter o trabalho de caminhar um quilômetro e registrar ou conhecer sua própria história. Uma vez ou outra, para efeito de trabalho escolar, algum aluno é forçado a caminhar por aqueles caminhos e fazer algumas anotações.
Mas logo o esquecimento, vez que não se cultiva o interesse pela preservação. Pior ainda faz o poder público municipal, que nada, absolutamente nada, faz. Então, que tudo fique à mercê do tempo e à força do vento!
- Eu sou cumo
um urubu. Miã vida num vale nem um pálito de fósco riscado.
Um soldado
cortou fora as mãos de Luis Pedro e as colocou no seu bornal, para retirar os
anéis depois com calma (da refrega de angico, cenas de selvageria).
Luís Pedro foi
o mais leal de todos os cabras de Lampião, ficando com ele durante 14 anos, até
a morte em Angico.
Fontes: IRMÃO, J.B.L. -2014- Salvador/BA
CHANDLER, B,J.
-1981- Rio de Janeiro/RJ
Foto: Benjamim Abraão, 1936. A seta aponta os
detalhes, a mão do cangaceiro com seus anéis e sua cabeça degolada, morte 1938.
No
documentário abaixo, produção em vídeo, veremos o Projeto de Pesquisa realizado
por nosso amigo, professor, Mestre em Economia UFPE – Universidade Federal de
Pernambuco, Fabiano de Souza Ferraz, no qual ele resgata os fatos históricos,
inéditos até então, de uma entrevista cedida pelo Ex- Comandante das Forças de
Combate ao Banditismo Rural, Coronel Manoel de Souza Ferraz, conhecido como
“Manoel Flor”, que fez parte das Volantes Nazarenas.
“No presente
material conta a primeira parte da entrevista”
Músicas no
vídeo:
Saudades do
Pajeú - autoria do cangaceiro "Criança"
A Morte de
Cacheado - autoria de cangaceiros do bando de "Sinhô" Pereira, do
disco " O Canto do Acauã".
Em 13 de junho de 1927, o gângster do sertão não imaginava o que o esperava no
pequeno município, em Rio Grande do Norte.
Uma festa de
arromba promovida pelo Humaytá Futebol Clube fazia ferver a sociedade de
Mossoró naquela noite do 12 de junho de 1927, véspera do dia de Santo Antônio.
Foi quando começou a correr a notícia de que Virgulino Ferreira, o temido
cangaceiro Lampião, se aproximava da cidade.
Horas antes,
ele e seu bando tinham atacado a vizinha vila de São Sebastião (atual município
de Governador Dix-Sept Rosado). Em poucos momentos, todo o rigor daquele baile
– que exigia branco para os cavalheiros e azul e branco para as damas –
amarfanhou-se e perdeu graça, abalando o momento de glamour ostentado pela
elite do sertão.
Mossoró era
uma das mais prósperas cidades do Rio Grande do Norte. O coronel Rodolfo
Fernandes, o prefeito, já havia alertado, nos últimos dias, sobre o perigo do
ataque do rei do cangaço ao município. A maioria dos habitantes, no entanto,
parecia não acreditar. Tudo estava tão tranquilo que, no mesmo 12 de junho,
Mossoró parecia mais preocupada com o clássico entre os times de futebol do
Ipiranga e Humaytá do que com a possível chegada de Lampião às suas cercanias.
A partida de
futebol transcorreu dentro da mais absoluta rotina. Já o baile, por mais que
alguns participantes e os diretores do clube tentassem abafar as notícias
vindas da vila de São Sebastião, foi tomado pelo alvoroço e pelo medo. “O apito
da locomotiva da rede ferroviária suplantava o pânico dos mossoroenses”, narra
o jornalista Lauro da Escóssia, testemunha do acontecimento, no livro Memórias
de um Jornalista de Província.
“Os trens começavam
a se movimentar, conduzindo famílias e quantos quisessem fugir de Mossoró.”
Segundo ele, durante toda a noite e na manhã seguinte, a ferrovia permaneceu
ininterruptamente agitada.
Na vila de São
Sebastião, conforme as notícias que desmancharam o baile do clube Humaytá,
Lampião havia incendiado um vagão de trem cheio de algodão e depredado a
estação ferroviária. Havia também arrasado a sede do telégrafo, uma modernidade
sempre combatida pelo chamado rei do cangaço, na tentativa de impedir que o seu
paradeiro fosse sendo informado e ajudasse a polícia a persegui-lo.
Até as
primeiras horas da manhã do dia 13, muita gente havia deixado suas casas em
Mossoró, que à época tinha cerca de 20 mil habitantes. O temor ao famoso
cangaceiro não era brincadeira. Duas mulheres em pleno serviço de parto, conta
Escóssia, foram retiradas em macas para a cidade de Areia Branca, a quilômetros
dali.
Mas o
esvaziamento não era só fruto do pânico. A estratégia da prefeitura – que havia
conseguido ajuda oficial em armas e munição, mas não em combatentes – era
manter na cidade apenas os habitantes que estivessem armados. Quanto mais vazio
o lugar, na avaliação do coronel Rodolfo Fernandes, maior a chance de repelir o
bando de cangaceiros.
A estratégia
Fazia tempo
que Lampião planejava encarar o desafio de invadir Mossoró. Seria a maior
tentativa de rapinagem do bando, como conta o historiador Frederico
Pernambucano de Mello no seu livro Guerreiros do Sol, no qual defende a tese de
que o cangaço era um meio de vida. Pouco antes de chegar à cidade, Lampião
enviou um bilhete chantageando a prefeitura.
Nele, pedia a
quantia de 400 contos de réis para não atacar o município, um valor pelo menos
dez vezes superior ao que costumava exigir em ocasiões semelhantes. Na tarde de
13 de junho, feriado de Santo Antônio, ele e o bando já se encontravam nos
arredores do município potiguar.
Sem resposta
ao primeiro comunicado, Lampião, já impaciente, bufando de raiva, manda um
segundo aviso. Os termos do bilhete, que consta nos arquivos do jornal O
Mossoroense (um dos mais antigos do país), eram muito diretos e recheados de
erros de português: “Cel. Rodopho, estando eu aqui pretendo é drº (dinheiro).
Já foi um a viso, ai pª (para) o Sinhoris, si por acauso rezolver mi a mandar,
será a importança que aqui nos pedi. Eu envito (evito) de Entrada ahi porem não
vindo esta Emportança eu entrarei, ate ahi penço qui adeus querer eu entro e
vai aver muito estrago, por isto si vir o drº (dinheiro) eu não entro ahi, mas
nos resposte logo”. Ele assinava “Cap. Lampião”.
O coronel
Rodolfo Fernandes e seus homens disseram não a Virgulino, para surpresa do mais
temido cangaceiro de todos os tempos. A cidade tinha o dinheiro, informou o
prefeito. Mas Lampião teria que entrar para apanhá-lo. Às 16 horas daquele dia
13, caía uma chuvinha fina e havia uma neblina de nada sobre Mossoró. Foi
quando os primeiros estampidos de bala ecoaram.
Sangue e areia
Lampião tinha
53 cangaceiros no seu bando. Não imaginava, porém, que iria enfrentar pelo
menos 150 homens armados na defesa da cidade. O repórter Lauro da Escóssia
estava lá, vendo tudo de perto. “Durante toda a noite, a detonação de armas em
profusão. Parecia uma noite de São João bem festejada”, escreveu em O
Mossoroense. Mas as mulheres rezavam para outro santo junino, o Antônio
festejado naquele dia.
Saiba mais
através dos links abaixo
Apagando o
Lampião: Vida e Morte do rei do Cangaço, Frederico Pernambucano de Mello (2018)
Já se passaram
alguns anos que uma neta de "Antonio dos Santos o cangaceiro Volta Seca" fez
contato comigo. Ela me disse todos
os nomes dos filhos de "Volta Seca" que aparecem nesta foto, além do nome desta
senhora que era esposa dele.
Disse-me também que voltaria depois para informar mais algumas coisas sobre o
seu avô "Volta Seca". Enalteceu bastante o "vô e vó", afirmando que eram pessoas maravilhosas e do seu coração. Eu pensando que ela retornaria não fiz nenhuma anotação, inclusive o seu nome. Mas nunca
mais ela me falou nada.
Alguns meses depois apareceu outra e até disse o seu apelido, sendo uma neta mais nova dos vôs, assim escreveu ela. Disse-me também que morava em Leopoldina, deve ser em Minas Gerais. Infelizmente ninguém mais apareceu.
Quando aconteceu este contato comigo o http://blogdomendesemendes.blogspot.com ainda recebia comentários, mas infelizmente o blogspot tirou-me este direito de libertar comentários que estão aguardando a liberação. Até hoje eu não entendi esta proibição. Nem os vejo e são todos eles frustrados do meu domínio.
Já tenho tentado novos contatos através do facebook com, mas ninguém aparece.
Luiza Franco - @luizavmf Da BBC News Brasil em São Paulo
BENJAMIN ABRAHÃOImage captionMaria Bonita e o bando de Lampião: ela era considerada a "rainha" do cangaço
Dona de uma "personalidade espevitada", Maria Bonita - que, em vida, era conhecida como Maria de Déa - era uma mulher empoderada, transgressora, bem-humorada e "um tipo meio canalha". Mas apesar de estar "à frente do seu tempo", não se incomodava com a opressão em que viviam suas colegas de cangaço e apoiava que mulheres adúlteras fossem assassinadas.
É assim que a jornalista Adriana Negreiros retrata a cangaceira, que acaba de biografar em Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço (Objetiva). O livro conta a história do cangaço dando destaque às mulheres e aos relatos que fizeram sobre como era a vida no bando de Lampião. "Fui percebendo em conversas com pesquisadores do tema como as histórias delas eram desqualificadas", diz Negreiros.
Maria Gomes de Oliveira (1910 - 1938) era uma dona de casa casada quando começou a namorar Lampião, em 1929, e decidiu juntar-se ao bando no ano seguinte, tornando-se a primeira mulher do grupo. Seria uma das poucas a tornar-se cangaceira por vontade própria - muitas foram raptadas.
Ela acabou morta junto com Lampião e outros membros do bando num ataque das forças de segurança a um acampamento onde pernoitavam. Foi decapitada e, assim como os demais, sua cabeça foi exposta diante da Prefeitura de Piranhas (AL).
O livro também se esforça para desfazer a imagem de Lampião como o "Robin Hood do sertão", disseminada na mídia e por movimentos de esquerda da época. "Ele era aliado dos grandes latifundiários do Nordeste e era amigo de um interventor. O fato de ter passado impune tantos anos se deve à relação que tinha com o poder. Os grandes prejudicados eram os mais pobres."
Adriana é jornalista e trabalhou nas revistas Veja, Cláudia e Playboy. A seguir, veja trechos da entrevista com a autora:
BBC News Brasil - Como surgiu a ideia de escrever uma biografia de Maria Bonita?
Adriana Negreiros - Sempre tive muito interesse no cangaço. Sou nordestina, do Ceará. Minha família é de Mossoró, a única cidade que conseguiu expulsar Lampião. Isso foi um marco na história do cangaço e é lembrado até hoje.
Assim como muitas mulheres, eu estava vivendo a onda feminista. Minha geração está muito acostumada a ver homens no poder. Muita coisa foi naturalizada e agora estamos questionando. Quis contar a história do cangaço da perspectiva das mulheres. Lampião é uma figura exuberante, mas tinha um monte de mulheres que participaram do cangaço e que foram totalmente ignoradas.
BBC News Brasil - A imagem que tinha dela antes de escrever o livro mudou?
Negreiros - Sim. Tinha uma visão muito mitificada. Quando pensamos nela, imaginamos uma mulher guerreira, que pega em armas. Não sabia que as cangaceiras não pegavam em armas. Havia uma diferença entre o espaço das mulheres e dos homens. Elas tinham uma função doméstica, ainda que não tivessem casa. Quem brilhava no espaço público eram os cangaceiros. Elas eram coadjuvantes. A maioria nem sabia atirar.
BBC News Brasil - Em que sentido diria que ela foi uma mulher transgressora?
Negreiros - Diferentemente da maioria das cangaceiras, ela entrou para o bando porque quis. Era empoderada para seu tempo e para aquele lugar. Vivia no sertão, nos anos 1920. Era uma mulher casada, de quem se esperava obediência ao marido. O Código Civil da época previa isso - a mulher precisava de autorização do marido para trabalhar. No entanto, ela era muito infeliz no casamento. O marido era um fanfarrão, não era presente, nem muito viril. Ela se sentia sexualmente insatisfeita com ele. Há indícios de que ela tinha um amante.
Quando ficava de saco cheio do marido, não ia chorar pelos cantos, ia para o forró, dançar. Tinha uma personalidade mais espevitada mesmo. Ela era transgressora do ponto de vista do comportamento, era corajosa nesse aspecto. Era muito bem-humorada, não estava nem aí para o pensassem dela. Não se levava a sério. Se quisessem caçoar dela, ela estava pouco se lixando. (...) Ela falava alto, ria muito, era um tipo meio canalha, gosto disso nela.
Dadá (a cangaceira Sérgia Ribeiro da Silva) também é muito interessante. Foi raptada (pelo cangaceiro Corisco), mas mais tarde disse que o amava. Acho que era uma estratégia de sobrevivência. Se adaptou à situação. Isso deu a ela um papel de protagonismo. Os homens a obedeciam, mas não achavam aquilo muito certo. Mas ela foi uma sobrevivente.
BBC News Brasil - Por um lado, Maria Bonita agiu a favor da própria liberdade. Por outro lado reproduzia o machismo violento dos homens. Dá para dizer que ela era feminista?
Negreiros - Não. Era transgressora, à frente do seu tempo, mas não tinha consciência política, de gênero. Não se mostrava incomodada com a situação de opressão contra as mulheres. O conceito de sororidade passava longe ali. As mulheres não protegiam umas às outras.
O código de conduta era totalmente machista. Uma mulher que cometesse um adultério era morta; o homem, não. As mulheres até incentivavam que as outras fossem punidas. Havia suspeita de que (a cangaceira) Cristina, por exemplo, tivesse um caso com outro cangaceiro. Maria foi uma das que mais apoiou que ela fosse morta, como ela de fato foi.
BBC News Brasil - A imagem que se tem dela é que entrou para o cangaço por amor a Lampião. Acha que foi isso mesmo que a motivou?
Negreiros - Amor é demais. Nem conhecia bem ele. Mas ele era a grande celebridade naquela época. Era um astro, um machão, tinha dinheiro, era um valentão. Do lado dele ela se sentiria segura. Isso tudo a atraiu.
(O escritor) Ariano Suassuna fala que eram figuras extraordinárias, almas grandes. Ele tem admiração especialmente pela Maria. Ele fala que acha que ela se apaixonou por um cara que era um rei, um homem que iria salvar ela daquela vidinha pequena, de um marido que não dava conta do recado, que não dava atenção a ela. Uma vida à mercê de uma série de violências. Viu a possibilidade de segurança e notoriedade ao lado dele. Isso foi virando um sentimento que podemos chamar de amor. Era uma relação afetuosa.
BBC News Brasil - Você diz no livro que, durante a pesquisa, viu que os relatos das mulheres sobre o cangaço eram constantemente questionados. Como era isso?
Negreiros - Isso me chocou muito. Fui percebendo em conversas com pesquisadores do tema que as histórias delas eram desqualificadas. Muitas delas entraram no cangaço não porque quiseram, mas porque foram obrigadas. Foram raptadas. Não foi uma opção. Eu comentava com as pessoas essas questões que muito me chocavam - de abandono dos filhos, por exemplo (após darem à luz, mulheres do cangaço eram obrigadas a entregar os filhos para outras famílias) - e ouvia as pessoas relativizando, dizendo "será que foi isso mesmo"?
Dadá, por exemplo, foi raptada pelo Corisco, mas as pessoas diziam que não era bem assim. Eu pensava "como uma menina de 12 anos vai escolher ser raptada, estuprada e ir morar no mato, passando fome e sede, sem nunca mais ver os pais?".
Quer dizer, mesmo quando elas têm voz (Dadá deu muitas entrevistas depois de deixar a prisão), a voz delas é silenciada, sobretudo quando diz respeito a violências que sofreram. Essa é uma lógica que persiste até hoje.
BBC News Brasil - E muitas delas eram ignoradas nas narrativas da época...
Negreiros - Sim. Li praticamente tudo que foi publicado sobre o cangaço. Tem muita coisa escrita por pessoas que viveram o cangaço. Nos relatos, as mulheres sempre são tratadas de uma forma meio escrota. Fui juntando tudo, um trabalho de garimpo, mesmo.
BBC News Brasil - Deve ter sido difícil juntar tudo e fazer um retrato da Maria. Fez uma interpretação própria?
Negreiros - Sim. As questões que me incomodaram acabaram conduzindo o trabalho, especialmente essa questão do descrédito. Resolvi assumir a versão delas.
BBC News Brasil - É isso que quer dizer quando fala que o livro é feminista?
Negreiros - Sim, quis olhar pelos olhos das mulheres, acreditar na versão delas. Também tentei deixar muito claro as estruturas de opressão que atuavam no cangaço.
BBC News Brasil - No imaginário coletivo, cangaceiros são vistos como Robin Hoods do sertão. O livro faz questão de desmontar isso.
Negreiros - Movimentos sociais tentaram vê-los como revolucionários, como se tivessem consciência da distribuição equivocada da propriedade privada, mas não tinham. Lampião queria ser coronel. Ele falava nas entrevistas "quero ser fazendeiro, governador". Não queria organizar um movimento de camponeses oprimidos. Essa é uma ideia equivocada.
Os pobres ficavam no meio do fogo cruzado. Eram vítimas dos cangaceiros e das forças volantes (polícia). Não tinham para onde correr. Uma pessoa que tivesse sua casa visitada por cangaceiros tinha que obedecer e depois passaria a sofrer represália da polícia porque era "amiga de cangaceiro". Não tinha isso de que distribuíam dinheiro. Eventualmente, Lampião fazia agrados porque era um gênio das relações públicas, mas era para ter simpatia de determinada região e ser protegido.
Nos filmes há imagens deles entrando nas cidades e jogando coisas para o alto. Eles podiam até fazer isso, entrar tirando coisas do corpo, mas era pra se livrar de peso. Lampião não tinha a menor consciência de classe. Não tenho dúvida de que, se tivesse um aliado que fosse um grande latifundiário e que tivesse um problema com um pequeno produtor, ficaria do lado do latifundiário. Não diria (vou ficar do lado dos) "meus colegas pobres, oprimidos". Além disso, era um cara racista. Odiava negros.
BBC News Brasil - Por que a esquerda não via isso?
Negreiros - Não é tão preto no branco. Apesar de Lampião ser aliado dos latifundiários, de o cangaço ser um banditismo rural, é um movimento de insurreição.
Hoje, o sertão é região esquecida. Imagine naquela época. Ninguém tinha olhos para o sertão. A vida do sertanejo não era fácil. A perspectiva era ter uma plantação, torcer para que chovesse. Uma vida condenada àquilo. Ou (a pessoa) se conformava de que aquela era sua sina ou se rebelava contra isso. De alguma maneira, o cangaço tem na sua gênese certo componente de insurreição.
Frederico Pernambucano de Mello (pesquisador do cangaço) chama de "irredentismo". A coisa do "vou ser meu próprio rei, farei meu próprio destino". Isso não torna as coisas muito claras. Não é fácil perceber onde começa a questão social e termina a necessidade de ficar rico ou o desejo de ser maioral do sertão.
BBC News Brasil - No livro, você narra estupros, mulheres que eram marcadas como vacas só por usarem cabelos curtos, assassinatos por motivos fúteis, capação. O grau de violência que eles cometiam te surpreendeu?
Negreiros - Sim, surpreendeu. Era uma coisa patológica. A região é muito violenta e era uma coisa muito naturalizada. Em relação às mulheres, eram tratadas como propriedade, como se fossem vacas. Teve uma cangaceira que depois de morta teve a vagina arrancada. O soldado ficou carregando aquilo na bolsa.
BBC News Brasil - Viu paralelos com o Brasil de hoje?
Negreiros - Me parece ter certa semelhança com tráfico de drogas no Rio. A política do terror inspira confiança por meio do medo. Ao mesmo tempo, espalha o terror. E na ostentação também. Não faziam questão de se esconder. Traficantes também estão sempre muito armados, com ouro. É um poder paralelo. E as pessoas recorriam aos cangaceiros para resolver conflitos, às vezes até antes de procurar a polícia. A corrupção policial - os policiais vendiam armas para cangaceiros..