Autor –
Rostand Medeiros
Em 12 de
dezembro de 1926, o advogado Estácio Coimbra assume o mais alto cargo no Poder
Executivo de Pernambuco. Neste novo governo foi designado como Chefe de Polícia
(cargo equivalente atualmente ao de Secretário de Segurança) o também advogado
Eurico Souza Leão. Este nasceu em 1889, no Engenho Laranjeiras, interior
pernambucano.
Era filho de Manoel Arthur Souza Leão e Ernestina Freire Souza
Leão, de tradicional família ligada à aristocracia da Zona da Mata
Pernambucana. Eurico estudou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, colando
grau no dia 23 de dezembro de 1921. Quando assumiu seu cargo em 1926, o jovem
de 37 anos tinha pela frente uma tarefa muito difícil; nada menos do que
comandar a estrutura estadual e os homens que iriam perseguir o mais importante
chefe de cangaceiros do Brasil, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Eurico, com o
apoio do governador Coimbra, logo marcou uma reunião para promover convênios
com os estados vizinhos, visando uma ação contra o cangaço. Ele reformulou o
serviço policial volante, compondo os grupos de combate com soldados oriundos
do sertão, com hábitos e resistência física semelhante às dos próprios
cangaceiros. Outra ação importante foi a abertura de processos judiciais e até
mesmo prisões de pessoas que apoiavam e davam guarida aos bandidos, os chamados
coiteiros. Muitos destes eram ligados ao próprio partido do governo estadual.
Logo a ação
trouxe resultados de maneira extremamente positiva, ajudando a destruir o elo
que unia os cangaceiros aos poderosos chefes do interior e enfraquecendo a ação
dos bandidos.
Uma caricatura
apresenta o medo do sertanejo em relação ao cangaço
As medidas
aplicadas foram avassaladoras e provocaram muitas baixas entre os cangaceiros,
principalmente entre os membros do grupo de Lampião, conquistando também a
opinião pública. Nesta empreitada o Chefe de Polícia Eurico Sousa Leão teve
como um dos principais elementos ao seu lado o major Teófanes Ferraz Torres,
que comandou as unidades policiais nas cidades e vilas do interior[1].
Resultados
Imediatos
Dos
cangaceiros capturados pela ação do governo pernambucano, antes do episódio de
Mossoró, sem dúvida que a maior “estrela” foi Arthur José Gomes da Silva, o
conhecido Beija Flor. Ele havia sido capturado na região de Jatobá de
Tacaratu pela volante do tenente Amadeu[2].
O cangaceiro
Beija Flor
Chegou ao
Recife em 13 de março fortemente escoltado por dez policiais, desembarcando em
um trem da Great Western. Os jornais propalavam que ele falava
desembaraçadamente e com tranquilidade, apesar de analfabeto. Jovem, tinha
cabelos claros e foi pessoalmente interrogado por Eurico. Afirmou que era chefe
de um bando de cangaceiros independentes, que ocasionalmente se reunia com
Lampião para realizar assaltos, sendo considerado responsável por “mais de 30
mortes” e assaltos ao longo de sua vida como bandoleiro. Finalizou informando
que desde janeiro não se encontrava com Lampião e sabia que este tinha ido
“para o norte”[3].
Segundo os
pesquisadores Frederico Bezerra Maciel e Bismarck Martins de Oliveira, o
cangaceiro Arthur José Gomes da Silva, o Beija Flor, era pernambucano,
filho do ex-praça da polícia pernambucana Arsênio José Gomes e de Maria Tereza
da Conceição, além de ser irmão de Euclides José Gomes, o cangaceiro Cacheado.
Ele teria acompanhado seu irmão e o bando de Lampião durante a ida deste a
cidade cearense de Juazeiro, quando em 6 de março de 1926 houve o encontro de
Lampião e Padre Cícero. Os autores apontam que os irmãos Gomes participaram da
maior batalha da história do cangaço, a da Serra Grande, próximo a Vila Bela,
em 26 de novembro de 1926.
Bando de
Lampião em Juazeiro, 1926
Beija Flor sempre
andava com uma ostensiva medalha de Nossa Senhora das Graças no peito, tendo
sido preso no dia 3 de fevereiro de 1927, aos 21 anos de idade. Devido à ação
mais enérgica da polícia pernambucana, tencionava seguir para a região de Uauá,
na Bahia.
Dias depois da
sua chegada a capital de Pernambuco, os jornais locais divulgavam, até com
certa surpresa, que Beija Flor havia constituído um advogado para ser
libertado. Seu causídico logo requereu um habeas corpus junto ao Superior
Tribunal de Justiça. Através do Desembargador Arthur da Silva Rêgo, solicitou
ao Chefe de Polícia Eurico Sousa Leão maiores informações sobre aquele
prisioneiro que tinha a alcunha de um pequeno pássaro e estava doido para
“bater asas” de novo. A resposta de Eurico não utilizou palavras positivas.
Informou que o cangaceiro era “perigoso”, sendo considerado “um problema seu
livramento”.
Beija Flor havia
cometido crimes em Água Branca, Alagoas, onde estava pronunciado nos artigos
294 e 356 (assassinato e roubo), do Código Penal de 1890, então vigente na
época. Já no município pernambucano de Vila Bela, atual Serra Talhada, ele
também estava pronunciado no mesmo artigo 294 e nos artigos 136 (incêndio a
edificação) e 304 (lesão corporal). Para complicar a situação de Beija
Flor, o Chefe de Polícia ainda aguardava novas comunicações do major Ferraz
sobre outros crimes que ele havia cometido. Dias depois o pedido de habeas
corpus foi negado[4].
Antiga Cadeia
Pública de Recife – Fonte –ideiasembalsamadas.blogspot.com
Logo outros
cangaceiros foram chegando para a grande Casa de Detenção do Recife[5].
Mais de 100
Cangaceiros Capturados ou Mortos
Sempre com
certo estardalhaço, quando novas prisões e mortes de cangaceiros ocorridas no
sertão eram divulgadas em profusão na imprensa recifense.
Na noite de 11
de abril de 1927, uma segunda feira, um homem negro, alto, procurou o major
Ferraz no quartel da polícia em Vila Bela. Disse que seu nome era Francisco
Miguel, que era acusado de assassinato no município pernambucano de Floresta,
havia andado como membro do grupo de Lampião, era conhecido como Pássaro
Preto e deixou o bando a cerca de dois meses. Logo este cangaceiro, que
também participou do grande combate de Serra Grande, veio para Recife[6].
Lampião e seu
irmão Antônio em Juazeiro
Em 19 de
abril, no lugarejo São João do Barro Vermelho, perto de Vila Bela, foi morto o
cangaceiro Cícero Nogueira em um tiroteio com as volantes dos tenentes Antônio
Francisco e Alfredo Alexandre. Mesmo sem maiores detalhes, consta que os
policiais passaram pelo lugar Poço Ferro e tiveram a notícia que este
bandoleiro, também participante do combate de Serra Grande, estava próximo a
São João do Barro Vermelho.
Major Teófanes
Ferraz Torres
Ali foi
capturado pelo soldado Augusto Gouveia. Mesmo detido e cercado, em um dado
momento este cangaceiro pediu para palestrar com seu captor, no que foi
atendido. No meio da conversa Cícero Nogueira aproveitou um momento de
distração do militar e bateu com seu chapéu de couro na cabeça de Gouveia. Na
correria que se seguiu o cangaceiro foi alvejado e morto[7].
Quando
completava seis meses a frente do cargo, no dia 11 de junho de 1927, através da
imprensa pernambucana, Eurico Sousa Leão, junto com o major Ferraz, divulgaram
uma lista com o nome, alcunha e fatos ligados a captura ou morte de 100
cangaceiros de diversos bandos que infestavam o sertão[8].
Esta lista
impressionante foi publicada no mesmo dia que Lampião e seus homens se
encontravam no Rio Grande do Norte, com o objetivo de realizar o ataque a
Mossoró, o que ocorreria dois dias depois. O fato do “Rei do Cangaço” está em
terras potiguares, buscando novas paragens para praticar suas rapinagens e
crimes, é um quadro claro da feroz perseguição que sofria em solo
pernambucano.
Dias Maravilhosos
Para os Policiais
Ao longo do
segundo semestre de 1927 outros cangaceiros foram sendo continuamente mortos e
capturados pelas forças policiais de Pernambuco e de outros estados
nordestinos. Dentre estes estavam alguns que estiveram no ataque dos
cangaceiros ao Rio Grande do Norte.
Lampião e seu
bando após a derrota em Mossoró
Na
sexta-feira, 22 de julho de 1927, o telégrafo estalou em Recife com a notícia
da captura naquele mesmo dia do cangaceiro Serra do Umã, também alcunhado Mão
Foveira. Ele se chamava Domingos dos Anjos de Oliveira, era negro, jovem, tido
como valente e natural da grande Serra do Umã, uma elevação natural do sertão
pernambucano cheia de histórias[9].
Região da
Serra do Umã na atualidade – Foto – G. dos Anjos
Já o
bandoleiro Serra do Umã era irmão do cangaceiro alcunhado Azulão,
morto no dia 10 de junho de 1927 pelo soldado da polícia potiguar José Monteiro
de Matos, no lugar Caiçara, próximo a povoação de Vitória, durante a primeira
resistência ocorrida contra Lampião e seus homens no Rio Grande do Norte[10].
Cangaceiro
Serra do Umã preso em Recife
Além de Azulão,
o pai e outro irmão do cangaceiro Serra do Umã também já haviam
andado com Lampião de arma na mão e chapéu de couro na cabeça. Estes dois,
Raimundos dos Anjos (o pai) e Rufino (o irmão), foram presos nos primeiros dias
de agosto pela volante do tenente Arlindo Rocha, na localidade Serrote,
município de Floresta[11].
Ao observar os
jornais antigos e livros sobre o tema cangaço, é inegável que aqueles dias de
agosto de 1927 foram maravilhosos para a luta das forças de segurança do
governo pernambucano contra os cangaceiros e outros bandidos que infestavam o
sertão. Até o fim do mês foram presos 16 destes foras da lei, alguns capturados
nos contrafortes da própria Serra do Umã. Entre estes figuravam cangaceiros
como José Alves de Lima, oJosé Guida, e João Alves Mariano, o Andorinha,
respectivamente com 52 e 30 anos de idade e que haviam acompanhado o mítico
chefe cangaceiro Sinhô Pereira[12].
Também estavam
detidos os antigos companheiros de Lampião como Antônio Quelé Alves Bezerra, ou
Antônio Guilé, alcunhado Candeeiro, Camilo Domingos de Farias, oPirulito, e
seus parentes Fortunato Domingos de Farias, oGuará, e Benedito Domingos de
Farias. Consta queCandeeiro e Benedito Domingos estiveram em Mossoró no
dia 13 de junho de 1927[13].
Benedito
Domingos de Farias preso. Ele também participou do ataque a Mossoró
Nestas
capturas o tenente Arlindo Rocha certamente usou de violência para alcançar os
seus intentos, inclusive contra os coiteiros da Serra do Umã. Após capturar Pirulito (e
depois de certamente apertá-lo) o tenente Arlindo esteve junto aos coiteiros
conhecidos como David Dudu, Manoel Domingos e Manoel Lucindo, membros ou
ligados a família Domingos. Com estes conseguiu encontrar três fuzis Mauser e
um rifle Winchester. Mesmo discretamente, um jornal recifense afirma que o
tenente Arlindo conseguiu este material bélico depois de colocar os coiteiros
“debaixo de rigor”[14].
Em setembro,
no dia 11, um domingo, quem se entregou na cadeia de Vila Bela foi outro
cangaceiro que causou sensação na imprensa quando chegou à casa de Detenção do
Recife. Era o famoso Zabelê.
Considerado de
alta periculosidade pela polícia, seu nome verdadeiro era Isaias Vieira dos
Santos e quem o recebeu foi o delegado A. Xavier. O cangaceiro declarou que
havia tomado parte em vários tiroteios, estando envolvido em um crime na Serra
Grande e que nos últimos 14 dias ele estava sem alimentação regular devido à
perseguição policial, vivendo de plantas do mato. Aí não teve jeito e decidiu
se entregar[15].
Na década de
1960, já velho, morando em um casebre em Serra Talhada, desassistido e muito
pobre, Isaias Vieira dos Santos declarou a pesquisadora Aglae Lima de Oliveira
que no passado havia sido um pequeno vendedor nas caatingas e seus melhores
clientes eram os bandidos. A polícia soube quem era a sua clientela
preferencial, o classificou como coiteiro, prometeu surrá-lo e prendê-lo.
Isaias decidiu então seguir junto com Lampião. Nesta mesma entrevista,
destinada a fornecer dados para o desenvolvimento do livro “Lampião, Cangaço e
Nordeste”, o ex-cangaceiro Zabelêafirmou a Aglae de Lima que se entregou
aos policiais porque soube que “-Tava garantido pelo coroné Corneio Luare”.
Ou houve um
erro gráfico na impressão do livro. Ou a transcrição da fala tradicional do
velho cangaceiro ficou muito a desejar. Ou a pesquisadora não quis colocar
textualmente que a pessoa que supostamente garantia a entrega deZabelê à
polícia era o comerciante e político serra-talhadense Cornélio Soares[16].
Quem Podia
Pagava. Quem não Podia Ficava…
O ano de 1928
se iniciou e mais cangaceiros chegavam ao Recife.
Em 28 de
março, vindo de Rio Branco (atual Arcoverde), chegava a Recife um trem com 15
cangaceiros e uma escolta de 30 policiais.
Camilo
Domingos de Farias, o Pirulito
Na gare da
estação desembarcaram Camilo Domingos de Farias, o Pirulito, Antônio
Bernardo Silva, Adriel Ananias Pereira, Manoel Othon Alencar, o Seu Né,
Benedito Domingos Farias, Manuel Torquato Amorim, Antônio Quelé Bezerra, o Candeeiro,
Domingos dos Anjos de Oliveira, o Serra do Umã, Fortunato Domingos de
Farias, oGuará, Rufino dos Anjos Oliveira, Manoel Cornélio de Alencar, o Sinhô
Piano, José Bernardo da Silva, Antônio Serafim da Silva, o Antônio de
Ernestina e Cícero Flor da Silva[17].
Para quem
estava preso os dias passavam lentos, como se passa em todo local de detenção.
Para evitar este problema, quem podia tratava de sair da cadeia pelos meios
legais.
Este foi o
caso do comerciante Emiliano Novaes. Membro de uma proeminente família da
cidade de Floresta, tido como amigo e coiteiro de Lampião, consta que chegou a
cavalgar de arma na mão ao lado de cangaceiros. No livro de Luiz Bernardo
Pericás, “Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica” existe a
reprodução de um telegrama policial enviado pelo tenente Sólon Jardim, de Vila
Bela para Recife.
Informava o
oficial que Emiliano Novaes estava chamando cangaceiros de várias partes para
atacar a vila de Nazaré, onde viviam e se concentravam alguns dos maiores
inimigos e mais tenazes perseguidores de Lampião.
O grupo de
Emiliano Ferraz era superior a 100 cangaceiros e entre suas ações consta que no
dia 29 de julho de 1926, no lugar Ingazeira, eles mataram o Soldado Cândido de
Souza Ferraz, de número 386, lotado na 1ª companhia, do 3º Batalhão de Vila
Bela. Consta que o Soldado Ferraz estava com a saúde debilitada e seguia para o
quartel quando foi covardemente assassinado.
Pelo crime
Emiliano Novaes foi preso. Mas em agosto de 1928, através do renomado Dr.
Caetano Galhardo, seu advogado, conseguiu o desaforamento de seu processo para
o município do Cabo, próximo a capital pernambucana. Depois o Dr. Galhardo
impetrou uma ordem de habeas corpus. Esta foi julgada em 21 de agosto, sendo o
processo anulado “Ab initio” e concedendo a liberdade ao acusado, que foi
imediatamente solto[18].
Já os
cangaceiros sem recursos, nem advogados, pagavam seus crimes na cadeia.
Um Intelectual
Visita os Cangaceiros
Na Casa de
Detenção de Recife, os agora ex-cangaceiros trabalhavam principalmente na
sapataria, alguns eram alfaiates e um era serralheiro. Eles eram muito
respeitados pelos outros presos, mas raramente recebiam alguma visita de
parentes.
Entretanto
entre as décadas de 1920 e 1930 era normal a visita de estudiosos e jornalistas
ávidos para descobrir os aspectos ligados aos cangaceiros e ao cangaço. Mas a
maioria só procurava conversar com o velho e respeitado Manoel Baptista de
Morais, o famoso cangaceiro Antônio Silvino.
Fotos de
cangaceiros presos na Casa de Detenção de Recife, estampada na primeira página
de um jornal da capital pernambucana
Mas os antigos
guerreiros de chapéu de couro não ficavam fora dos holofotes. O Chefe de
Polícia Eurico Sousa Leão, não criava nenhum tipo de problema quando algum
jornalista de Recife e de outras cidades queriam entrevistar e fotografar os
cangaceiros. Era uma ótima propaganda da ação “saneadora” do governo
pernambucano contra a violência no sertão.
Outra foto dos
cangaceiro na reportagem de “O Malho” de dezembro de 1928
Uma grande
reportagem, que trazia como principal fotografia que abre este artigo, foi
realizada pela revista carioca “O Malho”, edição de 29 de dezembro de 1928,
cujo autor foi o respeitado Ribeiro Couto. E este fez diferente, nem sequer
falou com Antônio Silvino e foi direto conversar com os “cabras” de Lampião[19].
Aproveitando
uma parada de quatro horas do vapor Bagé em Recife, Ribeiro Couto deu
um jeito de ir à Casa de Detenção. Ali quem lhe apresentou o ambiente foi o
delegado Maurício Pinheiro Guimaraes.
Aqueles
antigos cangaceiros, sem suas impressionantes roupas e armas, envergando seus
claros uniformes azuis de presidiários não causavam medo ao visitante.
Entre
maravilhado e um tanto repugnado, o paulista de Santos primeiramente tentou
contato com Beija Flor, mas soube que ele estava em uma audiência no
interior do estado. Mas se impressionou com Serra do Umã, que para ele era
“um cafuzo que os próprios companheiros temiam pelos instintos ferozes”.
Rui Esteves
Ribeiro de Almeida Couto
Ribeiro Couto
foi até a oficina da sapataria, onde cerca de 80 homens realizavam seus ofícios
na maior tranquilidade, mas a maioria deles estava condenada a 30 anos de
reclusão. Ali foi apresentado a Genésio Vaqueiro, um negro risonho, mas
discreto. Era conhecido no cangaço como Mourão, disse ter andado com
Lampião só por alguns “dias”, que era agricultor, se iludira com o cangaço e
que não tinha nenhuma morte nas costas.
Baraúna, o
cangaceiro que Couto considerou “um índio”
Já em relação
a Antônio Gregório da Silva, o Baraúna(ou Braúna), Couto o considerou
sua aparência como a de um “índio” e soube que era um dos mais perigosos homens
que andou com Lampião. Mas também um verdadeiro artista na “arte de engraxar
botas”, seu ofício na Casa de Detenção.
Já de Ventania,
que não tinha ainda vinte anos, cujo nome verdadeiro era José Pereira da Cunha,
foi o único dos detentos que expressou uma opinião negativa sobre Lampião, por
ele ter desrespeitado uma prima sua. Ribeiro Couto sugeriu então se não seria o
caso de incorporá-lo nas volantes que no final de 1928 caçavam Lampião nos
sertões da Bahia.
Para Ribeiro
Couto aqueles rapazes, que um dia viveram apenas da agricultura, ao andarem com
Lampião se tornaram “famosos”, mas que também aquilo havia sido a perdição de
todos[20].
Anos Atrás das
Grades
O tempo ia
passando, seguindo o ritmo da justiça.
No começo de
dezembro de 1929, em seção presidida no Fórum de São Lourenço pelo juiz José
Julião R. Pinto de Souza, sendo promotor o Dr. Nogueira Vilela, o ex-cangaceiroSerra
do Umã foi pela segunda vez absolvido. Não sei dizer quando ocorreu seu
primeiro júri, mas sabemos que o seu processo foi desaforado da Comarca de
Floresta e que, mesmo com a segunda absolvição, o Dr. Vilela apelou novamente.
Mas o antigo companheiro de Lampião não desistiu[21].
Não sabemos
quando, mas temos a notícia que Beija Flor foi julgado e condenado a
30 anos de reclusão no presídio do então Território Federal de Fernando de
Noronha. Em fevereiro deste mesmo ano ele chegava do temido arquipélago no
vapor Corcovado, junto com mais 90 detidos, para ir depor em Salgueiro, no
interior de Pernambuco. Foi notícia em todos os jornais recifenses[22].
Ao longo dos
anos vários dos antigos bandoleiros participavam de seus julgamentos, alguns
deles por vezes seguidas, com resultados que chamam atenção. No primeiro julgamento
da 4ª Seção do Júri de Recife, presidido pelo Dr. João Tavares, no dia 25 de
outubro de 1933 foram absolvidos Benedito Domingos de Farias (que havia feito
parte do bando de Lampião durante o ataque de Mossoró), Fortunato Domingos de
Farias, o Guará, e Domingos dos Anjos de Oliveira, o Serra do Umã.
Para Domingos era terceira vez que pisava em um tribunal e pela terceira vez
ocorria a sua absolvição. Mas tal como das outras vezes, pela terceira vez o
promotor recorreu. A partir daí não sabemos o que aconteceu com ele e seus
companheiros[23].
Passados 30,
40 anos depois, vamos ter algumas notícias destes antigos cangaceiros que
andaram com Lampião no período anterior a 1928. Entretanto o destino de muitos
requer pesquisa mais acentuada, mas com possibilidades de se conseguir poucas
informações. E a causa é relativamente simples!
Em outra
reportagem de “O Malho” vemos, da esq. para dir. os cangaceiros Cobra Verde,
Cocada e Recruta em 1929
Estigmatizados,
perseguidos e marcados, para muitos que sobreviveram ao cangaço e o cárcere, o
melhor na vida pós-cadeia era a discrição. Evitar falar sobre este tema. Evitar
falar sobre a sua vida no cangaço e na cadeia até com os familiares.
Muitos deles
até estavam vivos e lúcidos quando vários setores culturais brasileiros nas
décadas de 1950 e 1960 voltaram seus focos para o tema cangaço e a sociedade
brasileira passou a conhecer Mais do tema. Mas o Nordeste dessa época ainda era
bem atrasado no sentido de absorção de informações e poucos foram até eles com
material condizente para gerar bons registros.
Na década de
1970 pesquisadores começaram a percorrer os sertões em Fords Rurais em busca
dos que participaram do cangaço antes de 1928. Buscavam histórias da época
anterior a Lampião cruzar o “Velho Chico”, quando os bandos podiam ter mais de
100 “cabras” e antes das mulheres participarem ativamente do cangaço.
Antônio Quelé
Alves Bezerra, ou Antônio Guilé, alcunhado Candeeiro
Chegaram aos
rincões levando a tiracolo pesados gravadores de “Fitas K7” e máquinas
fotográficas japonesas de ótima qualidade. Mas muitos dos que vivenciaram
aquele momento do cangaço ou continuavam sem querer falar, ou já tinham
morrido, ou estavam senis.
Mas com
persistência e uma busca mais apurada alguns falaram e deram ótimos depoimentos
sobre suas andanças de armas na mão.
Mas poucos
falaram das experiências cadeia!
Dos que
falaram temos o exemplo de Isaias Vieira dos Santos, o Zabelê.
No seu relato
dado a pesquisadora Aglae Lima de Oliveira no final da década de 1960, comentou
que quando andava com Lampião passava muito bem e vivia de “barriga cheia”. Mas
aí veio o cárcere!
Sabemos que Zabelê passou
14 anos atrás das grades e que grande parte foi em Fernando de Noronha. Para
ele este tempo de presídio lhe trazia muito arrependimento. Mas não pelos
crimes cometidos, mas por ter se entregado as autoridades. Isaias reclamou que
nunca achou “quem espiasse meus papé” para sair mais cedo da cadeia.
José Alves de
Lima, o José Guida, que teria sido cangaceiro de Sinhô Pereira
Ele confirmou
que entrou no cangaço “empurrado pula puliça” e que não era ”home de leva surra
de outro home”. A pesquisadora Aglae Lima acentuou em seu livro que Isaias
Vieira dos Santos, na época do seu relato “passava fome”[24].
Talvez para
ele fosse melhor morrer lutando!
REFERÊNCIAS
[2] O atual município pernambucano de
Tacaratu está localizado na região do Médio São Francisco, na fronteira entre
Pernambuco e Bahia e possui cerca de 25.000 habitantes.
[3] Beija Flor afirmou também que
estava atuando com seu pequeno bando de cangaceiros na fronteira entre
Pernambuco e a Bahia, quando caiu em uma cilada e foi capturado. Mais sobre Beija
Flor ver o Jornal de Recife, Recife-PE, edição de 15 de março de
1927, pág. 2. Sobre a saída de Lampião de Pernambuco devido à atuação das
forças volantes ver DANTAS, Sérgio A. de S. Lampião e o Rio Grande do Norte
– A história da grande jornada. Natal-RN: Cartgraf, 2005, págs. 36 a 39 e
TORRES FILHO, G. F. de S.Pernambuco no tempo do Cangaço : Antônio Silvino,
Sinhô Pereira, Virgulino Ferreira “Lampião” : Theophanes Ferraz Torres, um
bravo militar – Volume II (1926-1933): Recife-PE: Edições Bagaço, 2003, págs.
170 a 174.
MACIEL, F. B. Lampião,
seu tempo e seu reinado: A Guerra de Guerrilhas (fase de domínio):
Petrópolis-RJ: Editora Vozes Ltda, 1986, págs. 171 e OLIVEIRA, B. M. O
Cangaceirismo no Nordeste, 2ª Ed.: João Pessoa-PB, 2002, pág. 209.
[5] Em 6 de agosto de 1848, através da Lei
provincial 213, foi autorizada a construção de uma cadeia pública em Recife. A
construção se iniciou em 1850 e sua conclusão só ocorreu em 1867, apesar da sua
inauguração oficial ter sido realizada 25 de abril de 1855. O prédio
da Casa de Detenção do Recife, em estilo neoclássico, foi construído em
forma de cruz, ficando as celas dispostas em alas que podiam ser vigiadas
facilmente a partir de uma sala central. Em 1973, depois de 118, o
presídio foi desativado e o local transformado na Casa de Cultura de
Pernambuco, onde até hoje funciona um centro de artesanato, com lojas de
pintura, bordado, joias, confecções etc. Verwww.casadaculturape.com.br/aCasa.php
[6] Ver o periódico Jornal Pequeno,
Recife-PE, edição do dia 12 de abril de 1927, 1ª pág.
[7] Cícero Nogueira é apontado nos jornais
como sendo tanto coiteiro que apoiava Lampião, quanto cangaceiro que andou com
o grande chefe do cangaço e, aparentemente, formou um pequeno bando que perturbava
a paz na região de São João do Barro Vermelho, atualmente denominada
Tauapiranga e ainda hoje um distrito de Serra Talhada. Ver os periódicos Jornal
Pequeno, Recife-PE, edição do dia 12 de abril de 1927, 1ª pág, A Província,
Recife-PE, edição do dia 20 de abril de 1927, pág. 5 e o livro de TORRES FILHO,
G. F. de S. Pernambuco no tempo do Cangaço : Antônio Silvino, Sinhô
Pereira, Virgulino Ferreira “Lampião” : Theophanes Ferraz Torres, um bravo
militar – Volume II (1926-1933): Recife-PE: Edições Bagaço, 2003, págs. 194 e
195.
[8] Ver jornal A Província, Recife-PE,
edições dos dias 11 e 12 de junho de 1927, págs. 2 e 3 respectivamente.
[9] Com altitudes que chegam a quase 1.000
metros, está localizada entre as cidades pernambucanas de Floresta, Salgueiro e
Serra Talhada, mas a cidade mais próxima é Carnaubeira da Penha, com quase
13.000 habitantes. Durante o período do Cangaço a Serra Umã foi um verdadeiro
baluarte dos bandoleiros e considerada quase inexpugnável. Em 1920 o então
capitão Teófanes Ferraz Torres subiu a serra atrás de bandidos, junto com uma
volante e levou um tiro no rosto dos chamados “Caboclos da serra”. Estes eram
os descendentes de indígenas e de antigos escravos fugitivos que buscaram
refúgio naquela grande elevação. Já a presença dos indígenas na Serra do Umã
data provavelmente do século XIX. Segundo documentos de 1801, esses índios, sob
a denominação de Umãs juntamente com outras tribos, foram aldeados no local
onde permaneceram até 1819, quando a aldeia foi abandonada após vários
conflitos. Em 1824, houve a dispersão de diversos grupos indígenas pelo sertão
de Pernambuco, tendo os Umã se dirigido para região da Serra Negra. As
primeiras visitas de representantes do extinto SPI –
Serviço de Proteção ao Índio àquele grupo ocorreram entre 1943
e 1945, conforme depoimento de índios Aticum, quando funcionários desse órgãoestiveram
na área para assisti-los dançarem o “toré”.
A realização do “toré” seria
o Indicador de que os habitantes daquela serra do sertão
pernambucano eram “índios”, o que Ihes
então daria o direito de
receberem assistência do SPI. Em 1949
foi criado o Posto Indígena Aticum,
posteriormente denominado Padre Nelson,
na aldeia Alto da Serra. A presença dos antigos
escravos é caracterizada também pela adoção de elementos da religiosidade de
matriz africana entre os índios Aticum. Sobre a prisão do cangaceiro Serra
do Umã ver jornal A Província, Recife-PE, edição do dia 22 de julho
de 1927, pág. 2. Sobre as populações indígenas que habitam a Serra do Umã
ver http://www.ufpe.br/nepe/povosindigenas/atikum.htm /http://www.ufpe.br/nepe/povosindigenas/atikum.htm.
Sobre a fama da Serra doUmã ser um baluarte de cangaceiro ver TORRES FILHO, G.
F. de S. Pernambuco no tempo do Cangaço : Antônio Silvino, Sinhô
Pereira, Virgulino Ferreira “Lampião” : Theophanes Ferraz Torres, um bravo
militar – Volume II (1926-1933): Recife-PE: Edições Bagaço, 2003, págs. 218 e
219.
[11] Sobre a prisão do pai e do irmão do
cangaceiro Serra do Umã, ver jornal O Paiz, Rio de Janeiro-RJ, edição do
dia 13 de agosto de 1927, pág. 4.
[12] Mais sobre José de Guida e Andorinha,
ver Jornal de Recife, Recife-PE, edição do dia 2º de maior de 1928, pág.
7.
[13] Segundo o pesquisador Bismarck Martins
de Oliveira o cangaceiro Andorinha também havia estado com Lampião em
Juazeiro, no dia 4 de março de 1926. Sobre Candeeiroeste autor aponta que
ele também acompanhou Lampião a Juazeiro, esteve no grande combate da Serra
Grande e confirma que o mesmo esteve participando da invasão de Mossoró. Ver
OLIVEIRA, B. M. O Cangaceirismo no Nordeste, 2ª Ed.: João Pessoa-PB,
2002, págs. 200 e 214.Ver também os jornais A Província, Recife-PE, edição
do dia 19 de agosto de 1927, pág. 5. e Jornal de Recife, Recife-PE, edição
do dia 23 de agosto de 1927, 1ª pág.
[14] Ver o Jornal de Recife,
Recife-PE, edição do dia 23 de agosto de 1927, pág. 9.
[15] A Província, Recife-PE, edição do dia
14 de setembro de 1927, pág. 3.
[16] Sobre o depoimento de Isaias Vieira
dos Santos, ver OLIVEIRA, A. L. Lampião, Cangaço e Nordeste, 2ª Ed.:
Rio de janeiro-RJ, 1970, págs. 420 e 421. Já em relação a Cornélio Aurélio
Soares Lima, era mais conhecido como coronel Cornélio Soares, nasceu no dia 14
de setembro de 1886 na cidade de Salgueiro, era filho de Tibúrcio Valeriano
Gomes Lima e Dona Lucinda Soares Lima. Ainda jovem contrai matrimônio com
Cecília Diniz com quem forma uma prole de sete filhos. Em 1925 fica viúvo, e no
ano de 1926 casa-se com Úrsula de Carvalho Soares que lhe dá mais nove filhos.
Desde cedo demonstrou grande vocação para política, tomando sempre parte
decisiva em todos os acontecimentos políticos e sociais da época. Com o
advento da revolução de 1930, assume o comando político da então Vila Bela, que
tinha como líder na política estadual o Dr. Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães.
Foi prefeito de Serra Talhada no período de 1947 a 1951. Faleceu em 6 de agosto
de 1955. Ver –http://www.fundacaocasadacultura.com.br/site/?p=materias_ver&id=268
[17] Ver o Jornal de Recife,
Recife-PE, edição do dia 30 de março de 1928, pág. 5.
[18] Sobre o caso Emiliano Novaes ver
PERICÁS, L. B. Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica: São
Paulo-SP, 2010, Boitempo Editorial, págs. 214 e 215. Também o Jornal de
Recife, Recife-PE, edição do dia 22 de agosto de 1928, pág. 3. Já “Ab initio” é
uma expressão latina que significa desde o início, desde o começo.
[19] Rui Esteves Ribeiro de Almeida Couto
(Santos, 12 de março de 1898 — Paris, 30 de maio de 1963), mais conhecido
simplesmente como Ribeiro Couto, formou-se bacharel em Direito em
1919, no Rio de Janeiro RJ. Até 1922, colaborou nas revistas Brás Cubas e Careta,
sob os pseudônimos de Antônio Simples e Zeca, e nos jornaisGazeta de Notícias,
sob o pseudônimo de Eduardo Sancho,Diário do Rio de Janeiro, A Pátria e A
Manhã. Em 1921 publicou O Jardim das Confidências, seu primeiro livro de
poesia. Nas décadas seguintes foram publicados seus romances Cabocla e Prima
Belinha e seus livros de contosCirco de Cavalinhos e O Crime do
Estudante Batista, entre outros. Também produziu livros de ensaios, impressões
de viagens e crônicas, além da peça de teatro Nossos Papás. Entre 1929 e
1955 serviu, com adido consular e embaixador, na França, em Portugal e na
Iugoslávia. Em 1932 fundou a Editora Civilização Brasileira, com Gustavo
Barroso e outro sócio. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em
1934. Sua obra poética inclui, entre outros, os livros Um Homem na
Multidão (1926), Canções de Amor (1930),Noroeste e Outros Poemas
do Brasil (1933), Cancioneiro do Ausente (1943) e Entre Mar
e Rio (1952). A poesia de Ribeiro Couto pertence à segunda geração do
Modernismo. De acordo com o crítico Rodrigo Octávio Filho – Ribeiro Couto opôs,
aos temas nobres, os temas cotidianos, os temas da vida ao alcance do olhar de
qualquer ‘homem da multidão’. E tudo isso em linguagem discreta e em meio tom.
[20] Ver Revista O Malho, Rio de
Janeiro-RJ, ed. 29 de dezembro de 1928, págs. 23, 51 e 52.
[21] Sobre este caso, ver o jornal A
Província, Recife-PE, edição do dia 4 de dezembro de 1929, pág. 2.
[22] Ver o periódico Jornal Pequeno,
Recife-PE, edição do dia 2 de fevereiro de 1930, pág. 3.
[23] Ver o Jornal de Recife,
Recife-PE, edição do dia 26 de outubro de 1933, pág. 2.
[24] Ver OLIVEIRA, A. L. Lampião,
Cangaço e Nordeste, 2ª Ed.: Rio de janeiro-RJ, 1970, págs. 420 e 421.
Extraído do blog "Tok de História" do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros
http://tokdehistoria.com.br/2014/09/12/cangaceiros-atras-das-grades-fim-da-ilusao/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com