Poucos personagens da história do Brasil foram tão hostilizados pelos órgãos de
imprensa quanto Antônio Conselheiro. Tudo começou quando o jornal "O
rabudo", da cidade de Estância, na edição de 22 de novembro de 1874,
publicou uma reportagem sobre a presença do peregrino de origem cearense em
terras de Sergipe.
Após classificar o Conselheiro como “misterioso personagem”, “aventureiro
santarrão”, operador de “mentirosos milagres” e possível criminoso, o
informativo sergipano solicitava a intervenção das autoridades, no sentido de
que fosse tal “homem capturado e levado à presença do governo imperial, a fim
de prevenir os males que ainda não foram postos em prática pela palavra do frei
Santo Antônio dos Mares moderno.”
Daquele momento em diante, seria essa a tônica adotada por praticamente todos
os jornais que trataram da temática do Conselheiro – antes e depois da fundação
do arraial de Canudos.
Caso típico é o da crônica do jornal "Correio da Bahia", publicada no
dia 7 de julho de 1876, dois anos após a notícia saída na folha estanciana:
“este indivíduo apareceu em diversos lugares desta província, pregando
doutrinas errôneas e desmoralizando as autoridades e até os vigários. Contra
esse escândalo reclamou o vigário capitular, que, tendo as mais fundadas
suspeitas de ser o indivíduo em questão um dos célebres criminosos do terrível
morticínio que se deu no Ceará, em 1872, mandou buscar [Antônio Conselheiro] a
esta capital”.
Anos mais tarde, já estabelecido o peregrino na comunidade de Canudos,
repetir-se-ia o mesmo diapasão. Em matéria veiculada no dia 31 de maio de 1893,
o "Diário de Notícias", de Salvador, ao tempo em que chamava atenção
para “o célebre fanático, conhecido por Conselheiro”, “indivíduo perigoso” e
“elemento de desordem” – tendo se tornado “o terror das autoridades” –
reclamava por providências enérgicas “a fim de se evitarem cenas de maior
gravidade.”
A campanha persecutória da imprensa contra o movimento liderado por Antônio
Conselheiro culminou com a guerra fratricida de 1896/1897. Naquele reduzido,
mas conturbado espaço de tempo, quiçá o mais crítico da história do Brasil,
cerca de uma dúzia de jornais de todo o país, a maioria deles a serviço dos
interesses governamentais, viria a tomar parte na questão de Canudos. Vários
jornais, especialmente de Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, enviaram
correspondentes especiais para o teatro da luta, a fim de seguirem de perto o
desenrolar dos acontecimentos.
Para facilitar a comunicação, uma linha telegráfica foi construída entre Monte
Santo e Queimadas, as duas principais bases de operação militar. Era a primeira
vez, no Brasil, que se utilizavam os serviços telegráficos para noticiar um
conflito armado. Outros eventos ocorridos poucos anos antes, como a Revolta da
Armada e a Revolução Federalista, não dispuseram da mesma cobertura.
Do teatro da guerra, as notícias eram despachadas para Monte Santo e dali
expedidas via telégrafo para outras cidades do país, onde eram publicadas pelos
órgãos de imprensa. Dentre os principais jornais que se ocuparam do caso,
destaca-se "O Estado de São Paulo", o qual teve como enviado especial
o escritor Euclides da Cunha, autor do clássico "Os Sertões", uma das
principais fontes sobre o abominável confronto.
No plano internacional, diversos periódicos se ocuparam da cobertura dos
acontecimentos, cabendo destacar o "Vossische Zeitung", de Berlim, o
"The Times", de Londres, o "Le Temps", de Paris, o
"New York Herald", de Nova York, e o "La Nación', de Bueno
Aires. Isso faria da guerra de Canudos um tema midiático, não só no Brasil, mas
também no exterior, afirma um especialista no assunto, o professor Berthold
Zilly.
Tamanha cobertura jornalística foi, toda ela, operada em oposição ao
Conselheiro e seu movimento libertário, concorrendo para o deslanche do
conflito armado que matou milhares de brasileiros, entre sertanejos e homens de
armas. Para tal fim, contribuiu não apenas a artilharia militar, mas também o
bombardeio ideológico da imprensa brasileira e mundial.
*Poeta e cronista
jotagoncalves_66@yahoo.com.br.