*Rangel Alves da Costa
Certa feita, ante os mistérios envolvendo o amor cuja força terrena se eleva, com igual ou maior força, além da vida, disse um poeta: Tão sagrado é o amor pela força invisível surgido, que mesmo não se contentando em ser tão amado na existência terrena, com inexplicável tenacidade ainda se revela após a partida de um dos amados.
Eis a força do amor que se eleva e se revela além da vida. E um amor assim realmente existiu e entre pessoas por muitos conhecidas, cuja história será doravante narrada, preservando suas reais identidades, tudo em nome da ética na escrita, mas com o pleno consentimento daquele que carrega sobre o si o livro ainda aberto desse amor vivenciado e tão duramente pranteado.
Um amor entre dois homens. Sim. Um profundo e entranhado relacionamento amoroso entre duas pessoas do mesmo sexo: dois homens. E logo alguém poderia indagar se não seria demasiado imaginar-se qual a grandeza daquilo que se poderia chamar de profundo amor entre duas pessoas do mesmo sexo.
Ora, qual o sexo do amor? O amor só se perfaz pela cultura de que somente deva haver relacionamento e comunhão entre pessoas de sexos diferentes? O amor é tão profundo, bonito e perfeito, que não escolhe sexos diferenciados, mas tão somente que seja verdadeiramente compreendido, respeitado, amado. E assim aconteceu entre essas duas pessoas, entre esses dois homens que um dia se conheceram e daí em diante se reconheceram como partes um do outro.
A. e F. Apenas as iniciais. Dois homens cujo relacionamento ao invés de despertar arraigado preconceito social, pautou-se pela compreensão e pelo respeito, principalmente familiar. Firmado o relacionamento, passaram a viver juntos num mesmo lar. E assim permaneceriam em terrena comunhão afetiva se o destino não colocasse o inesperado pelo caminho. Eis que F., mesmo jovem e forte demais para de repente ser acometido por uma oculta enfermidade, acabou sendo tomado pela fatalidade.
Pequenas dores, chegando e partindo. Apenas mal-estar, dizia F. inicialmente. Mas os sintomas se repetindo e se repetindo. Quando as dores já não puderam ser fingidas e o seu companheiro mais uma vez insistiu para que a medicina tomasse conta da situação, aquele destino jovem já estava traçado. Ele sempre se negando a procurar cuidados médicos, já era tarde demais quando foi hospitalizado. E faleceu aos 24 anos.
Neste e a partir deste instante A., seu companheiro, sentiu o chão desabar sobre seus pés. Nada mais triste que amar e perder, que querer e não poder mais ter, que buscar ao seu lado e saber que nunca mais poderá encontrar. Assim o sentimento da perda através da morte. Instantes terríveis a partir de então. A., completamente desnorteado, tomado de angústia e aflição, passou a amargar a perda como se a sua vida também estivesse se findando. No seu pensamento, a morte seria um caminho ao reencontro do seu.
Será que havia razão para tamanho sofrimento? O convívio, o amor, a compreensão e a amizade entre os dois, havia colocado sua própria razão no coração. A perda de seu companheiro já havia sido anunciada a A. pelos mistérios da vida. Numa noite, adormecido, A. chorou a perda tão próxima sem perceber. Na manhã seguinte F. perguntou-lhe por que chorava enquanto dormia. Não havia resposta a dar. Mas a resposta já estava dada.
Após o seu falecimento, o companheiro passou a viver sem forças e sem ânimo para qualquer ato da vida. Seus pensamentos, envoltos em melancólico enlutamento, só pensava em deixar essa vida, em partir também, em ir abraçar seu companheiro onde estivesse. Premeditou a própria morte, iria se matar lançando seu veículo de cima de uma ribanceira. Mas no dia marcado para tal desatino, eis que um fato surpreendente aconteceu. Chegando à escola onde ensinava para abraçar e agradecer sua diretora por todo apoio dado, e certamente desta também silenciosamente se despedir pelo que tencionava fazer, de repente da amiga ouviu: “Posso lhe confessar uma coisa? Sonhei com F.”.
E prosseguiu dizendo que no sonho F. mandava um recado a ele, dizendo que estava bem, pedindo perdão por não ter ouvido seus conselhos, mas principalmente rogando que ele jamais fizesse aquilo que pensava fazer. Ora, a diretora sequer sabia que A. estava determinado a provocar aquele fatal acidente naquele dia, jogando seu carro da ribanceira. Como pôde isso acontecer? A vida e a morte em comunhão. O amor além-vida preservando a vida de quem tanto continuava amando.
Espantando com tal revelação, A. apenas silenciou. Retornou, porém, com a certeza de que os dois continuavam mais juntos, mais próximos um do outro do que ele jamais poderia imaginar. Era como se F. acompanhasse os seus passos e sentisse o seu sofrimento, era como se apenas o limite entre a vida e a morte os estivesse separando. Então sentiu que poderia conversar com ele, com o seu tão amado companheiro.
Foi buscar no espiritismo esse diálogo, essa tão desejada presença. Ante a proximidade entre o falecimento e a primeira sessão espírita, as respostas de F. chegaram através de outro espírito. Na carta, toda a revelação daquilo que A. precisava tanto saber. No além-vida, seu companheiro estava bem, estava em paz, desejoso apenas que seu amado reencontrasse na terra a mesma felicidade que tanto precisava ter. Daí em diante, mensagens psicografadas passaram a mostrar toda a pujança desse amor na vida e além da vida.
E assim por que o verdadeiro amor é eterno. O amor é mistério que une os seres mesmo em mundos e vidas diferentes. Assim na vida, assim na morte, e para a eternidade. Assim como o amor entre A. e F.
Escritor
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