Por Raul Meneleu Mascarenhas
“Junto com meus irmãos
Lutamos como
heróis.
E a luta que
travamos
Destemerosa,
honramos
O sangue dos
nossos avós”
Quando
verificamos em diversos trabalhos de historiadores a respeito da vida de
Lampião, o Rei dos Cangaceiros, onde liderança e capacidade intelectual era
imperativo para se sair juntamente com seus bando de situações críticas, vemos
que seu aprendizado se deu quando menino em que desenvolvia tarefas estipuladas
por seus pais que eram pessoas empreendedoras.
Os relatos são
muitos e mesmo já no cangaço, nunca deixou de ser empreendedor, pois em
sociedades com alguns sertanejos, possuía bens de raiz, tais como investimentos
em fazendas, chegando até mesmo a comprar e vender, para lucros imediatos.
Emprestava dinheiro a coronéis que honravam o pagamento e com raras exceções,
como a do coronel José Pereira, de Princesa na Paraíba, seu mui amigo, que
terminou tornando-se seu inimigo, por não honrar o pagamento do dinheiro que
Lampião lhe emprestara.
Quando menino,
Virgulino desenvolvia um trabalho básico para sua família, carregando água para
uso em sua casa, da forma como vi muito no interior do Ceará e Rio Grande do
Norte, onde com um pau atravessado nos ombros, era pendurado latas de óleo ou
outro produto, pendurados com cordas, onde o precioso líquido era
transportado.
Ao crescer
mais um pouco começou a receber mais tarefas em que segundo os historiadores,
eram feitos com precisão e perfeição, pois tudo que fazia, o fazia
organizadamente. Com certeza isso fez que tivesse condições de liderança para
tratar com sertanejos tão valentes como ele, que também largaram tudo para
viver do cangaço.
Cuidava da
criação de bodes, e aos porcos e galinhas, fornecia ração de milho pilada por
ele mesmo fazendo o famoso xerém e outras tarefas de acordo com a sua idade.
Tudo isso supervisionado por seus pais, que tinham um cuidado enorme pela
família, onde todos tinham tarefas.
Quando foi
ficando mais entroncado e alto, passou, a cuidar também da roça de algodão,
milho, feijão, jerimum e melancias, atocaiando as poucas chuvas do sertão que
caiam sobre as terras de seus pais. Ficava olhando pro céu no mês de março, assim
como fazia todo sertanejo, aguardando que chovesse no dia de São José para
dizer se o inverno seria bom ou se não chovesse seria ruim. Nesse ínterim
também cuidava do pouco gado vacum que a família possuía.
O velho
José Ferreira e Dona Maria Lopes tiveram ano a ano sua família aumentando e o
cabeça da família, homem trabalhador e dinâmico, procurou expandir seu
empreendedorismo para sustentar melhor a meninada sua e adquiriu bons
burros de carga para fazer transporte de mercadorias, o que na época era
chamado de almocrevia.
Assim feito e
José Ferreira aparelhou os seis pares de mulas com arreios próprios e
cangalhas. Como homem organizado que era, passou esse exemplo para o jovem
Virgulino, que passou a desenvolver o trabalho de almocreves e quando no
cangaço, fez essa poesia simples:
“Cresci na
casa paterna
Quis ser homem
de bem
Viver de meus
trabalhos
Sem ser pesado
a ninguém.
Fui almocreve
na estrada...”
Os filho de
José Ferreira, assim como seus pais, eram trabalhadores e tinham como
testemunhas, a boa querença que os seus vizinhos tinham por eles, menos um, o
José Saturnino. Antônio, Livino e Virgulino participavam com alegria das
tarefas. Sebastião Pereira (Sinhô) dizia de Virgulino e seus irmãos que estes
eram independentes e muito trabalhadores. Quanto ao vizinho que não gostava
dele, José Saturnino, estudiosos como o Padre Maciel, dizem que ele era
uma pessoa vingativa, inimigo de Lampião e que a história conforme diz
Rodrigo de Carvalho, citado por 'Lampião, senhor do sertão: vidas e
mortes de um cangaceiro' de Élise Grunspan-Jasmin na página 60, dizendo que Saturnino era cruel, ciumento e
obstinado.
Pois bem,
voltando à nova lida de Virgulino Ferreira, a almocrevia, costumava
ajuntar-se ele com almocreves amigos e seguiam ajudando-se uns aos outros,
embrenhados pelo sertão seco e caatingoso, onde o futuro Lampião o Rei do
Cangaço, deve ter aprendido as rotas e esconderijos que os livraria das
volantes sedentas de seu sangue.
A mercadoria
era bastante variada e desde fardos de charque, fazendas, tonéis de bacalhau,
bolachas e outros itens, até louças finas para as mesas das famílias mais
abastardas. Tudo embalado com esmero nos caçuás encarapitados nos burros, que
trabalhavam carregados de peso, mas à noitinha aliviados da carga, com
sofreguidão comiam de tudo e por isso preferidos pelos almocreves, mas de uma
coisa todos sabiam, burro gosta de ar puro e só bebe água limpinha, se não
tiver água limpa, prefere ficar com sede até encontrar. E isso os almocreves
não podiam vacilar; traziam as moringas do líquido precioso, com todo cuidado e
esmero, era o combustível aditivado dos muares, aditivado com a pureza.
Através dessas
viagens, Virgulino ficava conhecendo mais ainda o sertão e foi o que lhe ajudou
muito, pois inteligente como era, ficou registrado esses mapas da região, em
seu cérebro privilegiado. Sabia cada atalhe, cada riacho, cada olho d'água e
botequins de pouso nos pernoites para descanso sem risco e ao mesmo tempo
conhecia suas relações de amizade que o ajudariam na vida de cangaceiro, não
que estivesse premeditando isso.
A família
era dinâmica e faziam feira em diversas localidades para venderem o que
produziam. Mas Virgulino vendia nas feiras apenas o que produzia em seu tempo
de folga da enorme labuta em que era submetido. Era exímio fabricante de
artefatos de couro, com perfeição fazia gibões, coletes, perneiras, joelheiras,
guarda-pé, luvas e alforges. Tudo para o vaqueiro. Fazia também sela e arreios,
cartucheiras e bainha de faca.
Diz os
historiadores que ele era um rapaz bastante dinâmico e reconhecido tanto
na arte do fabrico de peças de couro, quanto na arte de comerciante, ao ponto
de comprar mercadorias de outras pessoas para vender na feira de Vila Bela.
Comprava a crédito, vendia, e nunca deixou de pagar em dia seus fornecedores.
Rapagão bonito
e vistoso só podia ser invejado por José Saturnino, que foi o causador do infortúnio
de uma família guerreira e empreendedora como os Ferreira. Nenhuma cabrocha
sertaneja fugia de seu olhar de galã. Era másculo e belo e as meninas todas
suspiravam por ele e algumas com ele tiveram casos amorosos. Tinha o cabelo
bom, era alto, e vestia-se com esmero, atraindo nas festinhas dos forrós a
simpatia de todos e o desejo feminino. Era um artista, poeta tocador de sanfona
de oito baixos.
Seu trabalho
no dia a dia exigia músculos e isso era dotado e construído nas tarefas que
fazia. Tinha coragem, presteza, argúcia e para negócios então... eram seu
preparo para ser cangaceiro, que até então ele não sabia o que o destino lhe
reservava. Se não fosse o ódio de graça, dispersado por inimigos, aqueles três
irmãos de sangue de cabra macho, teria tido famílias e filhos.
Mas corre a lenda, que Virgulino deixou muitas donzelas apaixonadas por
ele, e algumas buchudinhas esperando filho seu. Era um macho normal, que em
cada lugar que ia, escolhia a mulher mais faceira e bonita para mostrar seus
dotes de homem viril. Só depois de muitos anos, Lampião encontraria seu grande
amor, na pessoa de Maria Bonita, a quem foi fiel até a morte. Morreram juntos
nas barrancas do Rio São Francisco.
Volta Sêca, um dos cabras de Lampião, em reportagem ao jornal O Globo de
07 de novembro de 1958, sob o título 'O Amor de Lampião', conta que a mãe de
Maria Bonita, conversando com ele Lampião por ocasião de sua visita à
fazenda de José Felipe, falou-lhe da filha que tinha e Lampião ficou bastante
interessado e intrigado.
Dona Déia, como se chamava a mãe de Maria, a mais velha de três filhos que
tinha com José Felipe, dono da fazenda Malhada da Caiçara, no sertão da Bahia,
contou-lhe que Maria estava casada e morava com seu esposo, que era sapateiro
por profissão, em Santa Brígida, município de Jeremoabo e que sua filha o
adorava e que sempre falava em seu nome. Gostava de ouvir as estórias contadas
e vibrava com as façanhas de seu chefe. Que Lampião era um deus para a menina
Maria Bonita. Casara era verdade, com um sapateiro, mas seu coração era dele.
Lampião observou: 'mas ela não me conhece...' e dona Déia arrematou na mesma
hora, confirmando esse amor inexplicável: 'é coisa feita...', pois não é
admissível ninguém gostar sem conhecer. E no entanto Maria o 'adorava'. - Lampião
perguntou: 'e ela é bonita mesmo?' E a mãe respondeu-lhe que sim, era a cabocla
mais bonita da localidade e o apelido de Maria Déia, estava bem justo. Lampião
queria saber a idade de Maria e quando lhe foi dito, ficou sério a saber que
poderia ser seu pai.
Dona Déia parece que estava querendo mesmo desfazer o casamento de sua filha e
disposta a unir sua família com o Rei do Cangaço, pois segundo Volta Sêca, ela
perguntou se Lampião queria que ela mandasse chamar sua filha. Lampião
estranhou e rápido respondeu: 'nem a chame e nem diga a ninguém que estou aqui.
Deixe ela lá com seu marido que deve está bem.' E afastou-se.
Estava porém curioso. Tão curioso que quando a velha voltou à carga, não se
zangou. No dia seguinte talvez estivesse ansioso, esperando que ela chegasse de
repente. Mas a moça não chegou...
Só no outro dia Maria Bonita apareceu e quando deu com o bando, ficou surpresa.
Era uma morena de pequena estatura, cheinha de corpo, cabelos lisos e
compridos, castanho-escuro e uma bela dentadura. Era de fato uma cabocla
bonita, e Volta Seca arremata: 'até hoje, não vi um retrato dela que lhe
fizesse justiça.'
Quando ela viu Lampião, parecia ter ficado abobalhada, como quem vê um
fantasma. E ele não deve ter se sentido lá muito bem, pois ambos se
entreolharam algum tempo antes de apertarem-se as mãos. Lampião era alto, e ela
bem pequena, não alcançando o ombro dele, mas que um tinha nascido para o outro
naquele momento.
O amor dos dois foi uma coisa muito séria. O bando demorou-se mais tempo na
fazenda do que estava planejado. Vários dias se passaram e lampião e Maria
Bonita, bem em frente a casa, num respeito digno dos namoros provincianos,
conversavam. O que falavam, não sei, disse Volta Seca, mas o que transpirou,
mais tarde contado pelos dois, era que desde o primeiro momento, Maria Bonita
manifestou estar entediada do marido. Mas todos os dias ela voltava para a
casa, à tardinha, regressando pela manhã do dia seguinte. À medida que o tempo
corria, mais e mais se fortalecia o namoro.
Eles andavam sempre Juntos, e o bando conheceu naquela época um Lampião
diferente e menos bruto. Era um Lampião apaixonado... A mãe de Marta Bonita
exultava por ver a filha namorando Lampião, e o pai não escondia um certo
orgulho... Mas tudo não passava de um idílio, passeios de mãos dadas. O caso só
se resolveu mesmo quando Lampião marcou o dia da partida. Ai Maria Bonita fez
pé firme em seguir o amado a todo custo. De nada adiantava Lampião dizer com
seu espirito prático: 'Menina, a minha vida é de perigo e será sem futuro.
Vivo brigando com os "macacos"' e trocando bala a toda hora,
você tem um marido e isso é bem melhor do que eu posso oferecer. Ao
meu lado você só vai encontrar o perigo ou a morte.' Maria Bonita respondia;
'Não ouso mais viver com meu marido. Se tenho que morrer amanhã, morro lutando
ao teu lado. '
E assim Lampião resolveu levá-la, 'mas fez questão que todos nós
vísse que ela ia por sua vontade, pois parecia que ele receava ser tomado
como sedutor'. Quando saímos da Malhada da Caiçara, o bando levava um
componente a mais: Maria Bonita. E nossa partida foi triste, - pois os
pais. de Maria choravam, apesar de satisfeitos por terem ganho mais um
filho'... Só dois meses depois, talvez para que 'ninguém soubesse quo o
.bando estivera por aquelas paragens, Lampião mandou uma carta, por intermédio
do Irmão de Maria Bonita, ao marido dela. A carta foi lida em voz alta antes de
ser remetida e eu ainda me lembro que pedia desculpas ao José de Nenen por
lhe ter levado a mulher. Mas justificava explicando que fora ela quem
quisera assim... Tenho a impressão até hoje que, o marido de Maria Bonita
era bom, educado e conformado, e deve ter compreendido o Capitão Virgulino e
até lhe perdoado, quem sabe lá... "
Maria Bonita foi uma mulher de garra e decidida. Aquele amor foi profundo
e levou a duração da vida de ambos, pois encontraram a morte no mesmo dia por
intermédio das balas da volante, Maria Bonita era uma mulher decidida que sabia
muita bem o que queria. Logo aprendeu a atirar e, embora não tivesse temperamento
violento, não era covarde e nem de tomar atitudes de força. Não tremia na hora
da refrega e enfrentava a situação com serenidade. Não atirava nunca, embora
soubesse fazer razoavelmente. Ela era o termômetro entre o gênio terrível
de Lampião o dos demais cangaceiros. Muitas vezes ela conseguia contornar um
incidente, ainda que Lampião não fosse homem de dar ouvidos a ninguém,
quando zangado. Mas pelo menos adiou certas situações de conflito entre eles.
Segundo a reportagem do jornal o Globo, Lampião e Maria Bonita tiveram dois
filhos, embora só conheçamos Expedita, fruto vivo do amor dos dois.
Pois bem... depois de vermos essa estória tão comovente e que pode ser
constatada por todos aqueles que fazem pesquisas e livros sobre Lampião, o Rei
do Cangaço, como podemos acusá-lo, tanto a ele quanto a seus familiares
como sendo pessoas preguiçosas? Nunca vimos na história dessa família, desses
dois troncos fortes de madeira de lei, que eram os pais de Virgulino
Ferreira, sequer uma leve suspeita que tenham sido tolerantes na criação
de seus filhos. Mostraram-lhes sempre o caminho da justiça e do trabalho que
engrandece o homem e nunca foram amantes do alheio. Após as mortes desses dois
troncos de baraúna, a família continuou sua labuta de empreendedores e apenas
Virgulino e dois irmão tomaram a senda do cangaço e morreram nesse caminho,
mais por revolta que por índole de salteadores. Foram bandidos sim, mas levados
pela conjuntura coronelística existente na época.
http://meneleu.blogspot.com.br/2014/10/familia-de-lampiao-empreendedores-no.html
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