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domingo, 19 de outubro de 2014

O Barão de Ibiapaba - 12 de Outubro de 2014

Por Geraldo Maia do Nascimento

Em 13 de outubro de 1907 falecia, no Rio de Janeiro, Joaquim da Cunha Freire, Barão de Ibiapaba, que foi um dos grandes comerciantes de Mossoró do Século XIX, tendo aqui instalado a firma exportadora “Mossoró & Cia.” 


Joaquim da Cunha Freire nasceu na cidade de Caucaia/CE, aos 18 de outubro de 1827. Era filho de Felisberto Correia da Cunha, que faleceu no Piauí em 1832 e de dona Custódia Ribeiro da Cunha, natural de Portugal. Foi casado com Maria Eugenia dos Santos e irmão de Severiano Ribeiro da Cunha, o Visconde de Cauipe.
               
Dedicou-se a carreira comercial e soube acumular avultada fortuna, tendo contribuído para o melhoramento material de Fortaleza/CE, onde residia e tinha suas casas comerciais.
               
Foi presidente da província do Ceará por sete vezes, de 24 de abril a 26 de julho de 1869, de 13 de dezembro de 1870 a 20 de janeiro de 1871, de 26 de abril a 27 de junho de 1871, de 8 de janeiro a 12 de janeiro de 1872, em 30 de outubro de 1872, de 12 de setembro a 13 de novembro de 1873, e de 21 de março a 23 de outubro de 1874. Foi chefe político de grande influência e Coronel da Guarda Nacional. Foi Presidente da Câmara Comercial de Fortaleza, da Junta Comercial, da Caixa Econômica e Monte de Socorro da Província. Era Comendador da Ordem da Rosa. Foi primeiro e único Barão de Ibiapaba, por Decreto de 17 de janeiro de 1874.
               
Em 16 de novembro de 1868 era instalada em Mossoró a Casa Mossoró & Companhia, de propriedade de Joaquim da Cunha Freire, o Barão de Ibiapaba. Foi seu primeiro gerente João Cordeiro, “que aqui se distinguiu pelos conhecimentos comerciais e cavalheirismo, deixando grandes recordações do seu trato”, no conceito do escritor Raimundo Nonato.
               
A Casa Mossoró & Cia. se destacou pelo grande volume de suas vendas. “Sua presença em Mossoró determinou um desenvolvimento de alta significação financeira, melhoria da circulação local, tornando a praça mais conhecida e valorizado no comércio do sul do Império”, segundo as palavras do historiador Luís da Câmara Cascudo”.
               
Os anos compreendidos entre 1868 a 1877 foram de grande desenvolvimento para Mossoró. Transforma-se, nesse período, num empório comercial. É a cidade da exportação, fornecedora de todo o Oeste e mesmo grande parte do Centro e do Agreste. Sua projeção avançava pelo interior de três províncias nordestinas.
               
O volume de sua transação podia ser medido pelo número de firmas. E mesmo na fase da grande seca dos dois setes (1877), suas casas de vendas alcançaram os seguintes números: em 1877 eram em número de 70; em 1878, 53; e em 1879 eram 68 casas. E depois de passada a crise, avolumaram-se as fortunas pessoais. Mossoró recebia curiosidades de terras longínquas, bebidas, louças, ferragens, fazendas, joias trazidas pelos comerciantes que estabeleciam intercâmbio. Era a fase decisiva para o desenvolvimento econômico do Município. E para esse crescimento muito concorreu a Casa Mossoró & Cia., do Barão de Ibiapaba, que realizou negócios nessa cidade até aproximadamente 1881.
               
Após a sua morte ocorrida em 1907, Mossoró o homenageou emprestando seu nome a praça que fica em frente aos Correios, hoje Praça Rafael Fernandes. Com a mudança do nome da Praça, nada mais restou na cidade que lembrasse o Barão de Ibiapaba e do grande desenvolvimento que ele trouxe para Mossoró. Dos seus feitos, a poeira do tempo apagou.
               
Para saber mais sobre a História de Mossoró visite o blog: www.blogdogemaia.com.

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E esta tal Liberdade ...

Por Leandro Cardoso e Carlos Eduardo Gomes

Lamartine Lima, Luitgarde Oliveira, Leandro Cardoso, Ivanilde Leite e Manoel Severo no Cariri Cangaço em Porteiras, 2013.

Fala Doutor Leandro Cardoso... "A sensação de liberdade, na verdade, nunca foi "consciente" por parte das cangaceiras. O simples fato de deixarem para trás a "rigidez moral, sexual e de comportamento daquela sociedade, por si só já é uma quebra de correntes, e, portanto, libertação. Lembremo-nos que as cangaceiras fugiam com seus companheiros para viver maritalmente, sem efetivamente casar. E muitas tiveram mais de um companheiro naquela vida. Ou seja: uma micro-revolução sexual. 

Muitas moçoilas sertanejas FUGIAM PARA CASAR com seus noivos, escondidas, quando o consórcio não era aceito por seus genitores. O rapto da noiva até era aceito socialmente, mas ficar sem casar, não (pois seria visto como prostituição). Aí está mais uma ruptura com o padrão socialmente aceito da época. Outro ponto a considerar: o cangaço não era visto pelos jovens como uma guerra, mas sim como uma opção de meio de vida, uma aventura, com a qual elas (e os sertanejos em geral) se identificavam (o chamado escudo ético). 

Maria Bonita

Dessa forma, as vítimas eram fundamentalmente jovens que, mesmo "ouvindo falar" dos riscos, mergulhavam naquela aventura de ouro, guerreiros bonitos e o mundão sem esquina. Os cangaciros caíam no cangaço por necessidade; as cangaceiras, por opção (na maioria das vezes). E, só para encerrar: o cangaço seduziu também mulheres mais velhas, como Dona Delfina, que chegou a ser presa em Canindé do São Francisco por ser coiteira fiel do Rei do Cangaço. O cangaço era sedutor.

Com a palavra Carlos Eduardo Gomes..."Entendo perfeitamente seu raciocínio e estou de acordo. Muitas mulheres acompanharam seus namorados, ou simplesmente foram atraidas para o cangaço em busca da liberdade. Minha tese é de que elas trocaram a rigidez moral, pela vida sem sossego e violenta, sem nunca terem encontrado a liberdade que buscavam. 

Antônio Tomaz, Carlos Eduardo, Ângelo Osmiro e Afranio Cisne no Cariri Cangaço Crato, 2011

Outro ponto importante que você aborda no seu comentário, é a opção pelo cangaço como forma de buscar um meio de vida mais fácil. Importantíssima essa sua citação: “o cangaço não era visto pelos jovens como uma guerra, mas sim como uma opção de meio de vida, uma aventura, com a qual elas (e os sertanejos em geral) se identificavam (o chamado escudo ético). Dessa forma, as vítimas eram fundamentalmente jovens que, mesmo "ouvindo falar" dos riscos, mergulhavam naquela aventura de ouro, guerreiros bonitos e o mundão sem esquina”. Não posso concordar em chamar de vítimas os que tentavam fazer sua vida roubando e matando seus conterrâneos. Não sei contar se os que fizeram a opção pelo cangaço para ter uma vida melhor foram maioria ou não. Falando do cangaço de Lampião, talvez possa ser. 


Leandro, a história do cangaço, em especial a fase de Lampião, tem um colorido muito atraente, fascina muita gente pela valentia, pela busca da vida sem lei nem rei. Mas quando você observa em detalhes o método do Rei dos Cangaceiros, é claro que a rebeldia é substituída pela composição com os donos do poder. Acho que foi Frederico P Mello que chamou Lampião de Coronel sem Terras. A mais pura verdade. 

Dou muita importância ao que os cangaceios disseram. No meu entendimento ao dizer que vinha se dando muito bem no negócio, em 1926, na entrevista do Juazeiro, Lampião confessa seu objetivo, sem deixar dúvidas. Fora as outras evidências de que liderava uma organização criminosa bem montada. 

Estou aguardando ansioso pelo seu prometido trabalho sobre Sinhô Pereira. O cangaço não é só Lampião, embora saibamos que o Cego é o astro rei."

Antônio Vilela, Sousa Neto, Leandro Cardoso, Jorge Renígio, Manoel Severo e Ivanildo Silveira no Cariri Cangaço Barro, 2013


Leandro Cardoso:"Você tocou no X da questão: Lampião sim era um coronel itinerante. E, segundo Sabino Bassetti, inaugurou o "Caixa Eletrônico" no sertão (só que com o dinheiro alheio). O cego véio (no dizer de Maria Bonita) efetivou um cangaço alcaponiano, diferente, no seu cerne, do cangaço-de-revides de Sinhô Pereira e Luis Padre. 



Eles tem, sim, pontos em comum; mas o que manteve na ativa cada capitão-de-cangaço parece bastante diverso. Quanto ao meu trabalho, estou escrevendo algo sobre Sinhô, com algumas coisinhas que descobri, principalmente sobre a "grande fuga". Vamos aguardar !


Leandro Cardoso Fernandes; Teresina PI


Médico, pesquisador, escritor

Sócio da SBEC, Conselheiro Cariri Cangaço
Carlos Eduardo Gomes; Rio de Janeiro RJ
Empresário, membro do Cariri Cangaço

http://cariricangaco.blogspot.com
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A GUERREIRA " DADÁ ", MOSTRANDO COMO SE EMPUNHAVA UM FUZIL, EM MATÉRIA DO JORNAL " O GLOBO "..


A GUERREIRA " DADÁ " MOSTRANDO COMO SE EMPUNHAVA UM FUZIL, EM MATÉRIA DO JORNAL " O GLOBO ".

Esta senhora foi a única cangaceira a atirar de fuzil, e, comandar um grupo de cangaceiros, após o seu companheiro CORISCO ser ferido nos dois braços em um combate.

ADENDO - http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Sérgia Ribeiro da Silva1 mais conhecida como Dadá (Belém do São Francisco, 25 de abril de 1915Salvador, fevereiro de 1994), foi uma cangaceira - única mulher a pegar em armas no bando de Lampião.

Nasceu em Belém do São Francisco, onde viveu seus primeiros anos de vida e teve algum contato com índios. A família muda-se para a Bahia onde, aos treze anos, é raptada por Corisco (Cristino Gomes da Silva Cleto) - o "Diabo Loiro", de quem seria prima.

Cabocla bonita, esbelta, conheceu o homem da sua vida de forma violenta, em meio a caatinga árida por onde vivia errante o bando de cangaceiros. Consta que seu defloramento provocara-lhe tanta hemorragia que por pouco não faleceu.

A relação, que começara instintiva, transforma-se com o tempo. A vida nômade, seguindo o companheiro, que era o segundo homem, na hierarquia do bando, a chegada dos filhos, fez com que mais que uma amante Dadá se tornou a companheira de Corisco, com quem, ainda no meio das lutas veio a se casar.

Tiveram sete filhos, que eram ocultamente deixados em casas de parentes para serem criados. Destes, apenas três sobreviveram.

O bando de Lampíão dividia-se, como forma de defesa, em partes menores, a mais importante delas era justamente a chefiada por Corisco. A esposa tinha uma pistola, que ele dera, para sua defesa pessoal, e também lhe ensinou a ler, escrever e contar.

Num dos ataques feitos pelas volantes (em outubro de 1939, na fazenda Lagoa da Serra em Sergipe), o Diabo Louro é ferido em ambas as mãos, perdendo a capacidade para atirar. Dadá, então, torna-se a primeira e única mulher a tomar parte ativa - e não meramente defensiva - nas lutas do cangaço.

Se o marido era temido como um dos mais violentos bandoleiros, consta que muitas pessoas tiveram sua vida poupada graças à intervenção de sua companheira. Dada também era chamado "Suçuarana do Cangaço".

Tendo Lampião sido executado em 1938, Corisco, que estava em Alagoas com parte do bando, empreendeu feroz vingança. Como seus companheiros tiveram as cabeças decepadas, e expostas no Museu Nina Rodrigues de criminologia, na capital baiana, Corisco também cortou a cabeça de muitas vítimas, então.

O cangaço definhava, sobretudo pela disparidade de armamentos: os volantes tinham uma arma que os cangaceiros nunca conseguiram obter: a metralhadora. A própria Justiça passa a oferecer vantagens para os bandoleiros que se rendessem.

A 25 de maio de 1940 Corisco e seu bando é cercado em Brotas de Macaúbas, pela volante do tenente Zé Rufino. Dissolvera o bando, e abandonara as vestes típicas, procurando passar por simples retirantes.
Uma rajada da metralhadora rompe os intestinos de Corisco. Dadá é ferida na perna direita.

O último líder do cangaço morre dez horas depois do ataque, sendo enterrado em Jeremoabo e, dez dias após, exumado e a cabeça decepada é enviada ao Museu, junto às demais do bando.

Dadá, colocada em condições infectas, tem seu ferimento agravado para uma gangrena, que restou-lhe, na prisão, à amputação quase total da perna. Por essa situação, o célebre rábula baiano Cosme de Farias, representa Dadá na Justiça, pleiteando sua libertação, em 1942.

Dadá passou a viver em Salvador, lutando para ver a legislação que assegura o respeito aos mortos fosse cumprida - e a tétrica exposição do Museu Antropológico Estácio de Lima2, localizado no prédio do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues tivesse fim. Só a 6 de fevereiro de 1969, no governo Luiz Viana Filho, foi que os restos mortais dos cangaceiros puderam ser inumados definitivamente - tendo, porém, o museu feito moldes para expor, em substituição.

Por sua luta e representatividade feminina, Dadá foi, na década de 1980, homenageada pela Câmara Municipal de Salvador. Na Bahia, que tivera Gláuber Rocha e tantos outros a retratar o cangaço nas artes, Dadá era a última prova viva a testemunhar o cotidiano de lutas, dificuldades e, também, de alegrias e divertimentos. Deu muitas entrevistas, demonstrando sua inteligência e desenvoltura.
Morreu, na capital baiana, em 1994.

Fonte: facebook
Página: Voltaseca Volta

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Família de Lampião, empreendedores no sertão e uma estória de amor puro e verdadeiro.

Por Raul Meneleu Mascarenhas

“Junto com meus irmãos
Lutamos como heróis.
E a luta que travamos
Destemerosa, honramos
O sangue dos nossos avós” 

Quando verificamos em diversos trabalhos de historiadores a respeito da vida de Lampião, o Rei dos Cangaceiros, onde liderança e capacidade intelectual era imperativo para se sair juntamente com seus bando de situações críticas, vemos que seu aprendizado se deu quando menino em que desenvolvia tarefas estipuladas por seus pais que eram pessoas empreendedoras. 

Os relatos são muitos e mesmo já no cangaço, nunca deixou de ser empreendedor, pois em sociedades com alguns sertanejos, possuía bens de raiz, tais como investimentos em fazendas, chegando até mesmo a comprar e vender, para lucros imediatos. Emprestava dinheiro a coronéis que honravam o pagamento e com raras exceções, como a do coronel José Pereira, de Princesa na Paraíba, seu mui amigo, que terminou tornando-se seu inimigo, por não honrar o pagamento do dinheiro que Lampião lhe emprestara. 


Quando menino, Virgulino desenvolvia um trabalho básico para sua família, carregando água para uso em sua casa, da forma como vi muito no interior do Ceará e Rio Grande do Norte, onde com um pau atravessado nos ombros, era pendurado latas de óleo ou outro produto, pendurados com cordas, onde o precioso líquido era transportado. 

Ao crescer mais um pouco começou a receber mais tarefas em que segundo os historiadores, eram feitos com precisão e perfeição, pois tudo que fazia, o fazia organizadamente. Com certeza isso fez que tivesse condições de liderança para tratar com sertanejos tão valentes como ele, que também largaram tudo para viver do cangaço. 

Cuidava da criação de bodes, e aos porcos e galinhas, fornecia ração de milho pilada por ele mesmo fazendo o famoso xerém e outras tarefas de acordo com a sua idade. Tudo isso supervisionado por seus pais, que tinham um cuidado enorme pela família, onde todos tinham tarefas. 

Quando foi ficando mais entroncado e alto, passou, a cuidar também da roça de algodão, milho, feijão, jerimum e melancias, atocaiando as poucas chuvas do sertão que caiam sobre as terras de seus pais. Ficava olhando pro céu no mês de março, assim como fazia todo sertanejo, aguardando que chovesse no dia de São José para dizer se o inverno seria bom ou se não chovesse seria ruim. Nesse ínterim também cuidava do pouco gado vacum que a família possuía. 

O velho José Ferreira e Dona Maria Lopes tiveram ano a ano sua família aumentando e o cabeça da família, homem trabalhador e dinâmico, procurou expandir seu empreendedorismo para sustentar melhor a meninada sua e adquiriu bons burros de carga para fazer transporte de mercadorias, o que na época era chamado de almocrevia. 

Assim feito e José Ferreira aparelhou os seis pares de mulas com arreios próprios e cangalhas. Como homem organizado que era, passou esse exemplo para o jovem Virgulino, que passou a desenvolver o trabalho de almocreves e quando no cangaço, fez essa poesia simples:

“Cresci na casa paterna
Quis ser homem de bem
Viver de meus trabalhos
Sem ser pesado a ninguém.
Fui almocreve na estrada...” 

Os filho de José Ferreira, assim como seus pais, eram trabalhadores e tinham como testemunhas, a boa querença que os seus vizinhos tinham por eles, menos um, o José Saturnino. Antônio, Livino e Virgulino participavam com alegria das tarefas. Sebastião Pereira (Sinhô) dizia de Virgulino e seus irmãos que estes eram independentes e muito trabalhadores. Quanto ao vizinho que não gostava dele, José Saturnino, estudiosos como o Padre Maciel, dizem que ele era uma pessoa vingativa,  inimigo de Lampião e que a história conforme diz Rodrigo de Carvalho, citado por  'Lampião, senhor do sertão: vidas e mortes de um cangaceiro' de Élise Grunspan-Jasmin na página 60, dizendo que Saturnino era  cruel, ciumento e obstinado.

Pois bem, voltando à nova lida de Virgulino Ferreira, a almocrevia, costumava ajuntar-se ele com almocreves amigos e seguiam ajudando-se uns aos outros, embrenhados pelo sertão seco e caatingoso, onde o futuro Lampião o Rei do Cangaço, deve ter aprendido as rotas e esconderijos que os livraria das volantes sedentas de seu sangue.

A mercadoria era bastante variada e desde fardos de charque, fazendas, tonéis de bacalhau, bolachas e outros itens, até louças finas para as mesas das famílias mais abastardas. Tudo embalado com esmero nos caçuás encarapitados nos burros, que trabalhavam carregados de peso, mas à noitinha aliviados da carga, com sofreguidão comiam de tudo e por isso preferidos pelos almocreves, mas de uma coisa todos sabiam, burro gosta de ar puro e só bebe água limpinha, se não tiver água limpa, prefere ficar com sede até encontrar. E isso os almocreves não podiam vacilar; traziam as moringas do líquido precioso, com todo cuidado e esmero, era o combustível aditivado dos muares, aditivado com a pureza.
  
Através dessas viagens, Virgulino ficava conhecendo mais ainda o sertão e foi o que lhe ajudou muito, pois inteligente como era, ficou registrado esses mapas da região, em seu cérebro privilegiado. Sabia cada atalhe, cada riacho, cada olho d'água e botequins de pouso nos pernoites para descanso sem risco e ao mesmo tempo conhecia suas relações de amizade que o ajudariam na vida de cangaceiro, não que estivesse premeditando isso.

A família era dinâmica e faziam feira em diversas localidades para venderem o que produziam. Mas Virgulino vendia nas feiras apenas o que produzia em seu tempo de folga da enorme labuta em que era submetido. Era exímio fabricante de artefatos de couro, com perfeição fazia gibões, coletes, perneiras, joelheiras, guarda-pé, luvas e alforges. Tudo para o vaqueiro. Fazia também sela e arreios, cartucheiras e bainha de faca.

Diz os historiadores que ele era um rapaz bastante dinâmico e reconhecido tanto na arte do fabrico de peças de couro, quanto na arte de comerciante, ao ponto de comprar mercadorias de outras pessoas para vender na feira de Vila Bela. Comprava a crédito, vendia, e nunca deixou de pagar em dia seus fornecedores.

Rapagão bonito e vistoso só podia ser invejado por José Saturnino, que foi o causador do infortúnio de uma família guerreira e empreendedora como os Ferreira. Nenhuma cabrocha sertaneja fugia de seu olhar de galã. Era másculo e belo e as meninas todas suspiravam por ele e algumas com ele tiveram casos amorosos. Tinha o cabelo bom, era alto, e vestia-se com esmero, atraindo nas festinhas dos forrós a simpatia de todos e o desejo feminino. Era um artista, poeta tocador de sanfona de oito baixos.

Seu trabalho no dia a dia exigia músculos e isso era dotado e construído nas tarefas que fazia. Tinha coragem, presteza, argúcia e para negócios então... eram seu preparo para ser cangaceiro, que até então ele não sabia o que o destino lhe reservava. Se não fosse o ódio de graça, dispersado por inimigos, aqueles três irmãos de sangue de cabra macho, teria tido famílias e filhos. 


Mas corre a lenda, que Virgulino deixou muitas donzelas apaixonadas por ele, e algumas buchudinhas esperando filho seu. Era um macho normal, que em cada lugar que ia, escolhia a mulher mais faceira e bonita para mostrar seus dotes de homem viril. Só depois de muitos anos, Lampião encontraria seu grande amor, na pessoa de Maria Bonita, a quem foi fiel até a morte. Morreram juntos nas barrancas do Rio São Francisco.

Volta Sêca, um dos cabras de Lampião, em reportagem ao jornal O Globo de 07 de novembro de 1958, sob o título 'O Amor de Lampião', conta que a mãe de Maria Bonita, conversando com ele Lampião por ocasião de sua visita à fazenda de José Felipe, falou-lhe da filha que tinha e Lampião ficou bastante interessado e intrigado.

Dona Déia, como se chamava a mãe de Maria, a mais velha de três filhos que tinha com José Felipe, dono da fazenda Malhada da Caiçara, no sertão da Bahia, contou-lhe que Maria estava casada e morava com seu esposo, que era sapateiro por profissão, em Santa Brígida, município de Jeremoabo e que sua filha o adorava e que sempre falava em seu nome. Gostava de ouvir as estórias contadas e vibrava com as façanhas de seu chefe. Que Lampião era um deus para a menina Maria Bonita. Casara era verdade, com um sapateiro, mas seu coração era dele.

Lampião observou: 'mas ela não me conhece...' e dona Déia arrematou na mesma hora, confirmando esse amor inexplicável: 'é coisa feita...', pois não é admissível ninguém gostar sem conhecer. E no entanto Maria o 'adorava'. - Lampião perguntou: 'e ela é bonita mesmo?' E a mãe respondeu-lhe que sim, era a cabocla mais bonita da localidade e o apelido de Maria Déia, estava bem justo. Lampião queria saber a idade de Maria e quando lhe foi dito, ficou sério a saber que poderia ser seu pai.

Dona Déia parece que estava querendo mesmo desfazer o casamento de sua filha e disposta a unir sua família com o Rei do Cangaço, pois segundo Volta Sêca, ela perguntou se Lampião queria que ela mandasse chamar sua filha. Lampião estranhou e rápido respondeu: 'nem a chame e nem diga a ninguém que estou aqui. Deixe ela lá com seu marido que deve está bem.' E afastou-se.

Estava porém curioso. Tão curioso que quando a velha voltou à carga, não se zangou. No dia seguinte talvez estivesse ansioso, esperando que ela chegasse de repente. Mas a moça não chegou...

Só no outro dia Maria Bonita apareceu e quando deu com o bando, ficou surpresa. Era uma morena de pequena estatura, cheinha de corpo, cabelos lisos e compridos, castanho-escuro e uma bela dentadura. Era de fato uma cabocla bonita, e Volta Seca arremata: 'até hoje, não vi um retrato dela que lhe fizesse justiça.'

Quando ela viu Lampião, parecia ter ficado abobalhada, como quem vê um fantasma. E ele não deve ter se sentido lá muito bem, pois ambos se entreolharam algum tempo antes de apertarem-se as mãos. Lampião era alto, e ela bem pequena, não alcançando o ombro dele, mas que um tinha nascido para o outro naquele momento.

O amor dos dois foi uma coisa muito séria. O bando demorou-se mais tempo na fazenda do que estava planejado. Vários dias se passaram e lampião e Maria Bonita, bem em frente a casa, num respeito digno dos namoros provincianos, conversavam. O que falavam, não sei, disse Volta Seca, mas o que transpirou, mais tarde contado pelos dois, era que desde o primeiro momento, Maria Bonita manifestou estar entediada do marido. Mas todos os dias ela voltava para a casa, à tardinha, regressando pela manhã do dia seguinte. À medida que o tempo corria, mais e mais se fortalecia o namoro.

Eles andavam sempre Juntos, e o bando conheceu naquela época um Lampião diferente e menos bruto. Era um Lampião apaixonado... A mãe de Marta Bonita exultava por ver a filha namorando Lampião, e o pai não escondia um certo orgulho... Mas tudo não passava de um idílio, passeios de mãos dadas. O caso só se resolveu mesmo quando Lampião marcou o dia da partida. Ai Maria Bonita fez pé firme em seguir o amado a todo custo. De nada adiantava Lampião dizer com seu espirito prático: 'Menina, a minha vida é de perigo e será sem futuro. Vivo brigando com os "macacos"' e trocando bala a toda hora, você tem um marido e isso é bem melhor do que eu posso oferecer. Ao meu lado você só vai encontrar o perigo ou a morte.' Maria Bonita respondia; 'Não ouso mais viver com meu marido. Se tenho que morrer amanhã, morro lutando ao teu lado. '

E assim Lampião resolveu levá-la, 'mas fez questão que todos nós vísse que ela ia por sua vontade, pois parecia que ele receava ser tomado como sedutor'. Quando saímos da Malhada da Caiçara, o bando levava um componente a mais: Maria Bonita. E nossa partida foi triste, - pois os pais. de Maria choravam, apesar de satisfeitos por terem ganho mais um filho'... Só dois meses depois, talvez para que 'ninguém soubesse quo o .bando estivera por aquelas paragens, Lampião mandou uma carta, por intermédio do Irmão de Maria Bonita, ao marido dela. A carta foi lida em voz alta antes de ser remetida e eu ainda me lembro que pedia desculpas ao José de Nenen por lhe ter levado a mulher. Mas justificava  explicando que fora ela quem quisera assim... Tenho a impressão até hoje que, o marido de Maria Bonita era bom, educado e conformado, e deve ter compreendido o Capitão Virgulino e até lhe perdoado, quem sabe lá... "

Maria Bonita foi uma mulher de garra e decidida. Aquele amor foi profundo e levou a duração da vida de ambos, pois encontraram a morte no mesmo dia por intermédio das balas da volante, Maria Bonita era uma mulher decidida que sabia muita bem o que queria. Logo aprendeu a atirar e, embora não tivesse temperamento violento, não era covarde e nem de tomar atitudes de força. Não tremia na hora da refrega e enfrentava a situação com serenidade. Não atirava nunca, embora soubesse fazer razoavelmente. Ela era o termômetro entre o gênio terrível de Lampião o dos demais cangaceiros. Muitas vezes ela conseguia contornar um incidente, ainda que Lampião não fosse homem de dar ouvidos a ninguém, quando zangado. Mas pelo menos adiou certas situações de conflito entre eles.

Segundo a reportagem do jornal o Globo, Lampião e Maria Bonita tiveram dois filhos, embora só conheçamos Expedita, fruto vivo do amor dos dois.

Pois bem... depois de vermos essa estória tão comovente e que pode ser constatada por todos aqueles que fazem pesquisas e livros sobre Lampião, o Rei do Cangaço, como podemos acusá-lo, tanto a ele quanto a seus familiares como sendo pessoas preguiçosas? Nunca vimos na história dessa família, desses dois troncos fortes de madeira de lei, que eram os pais de Virgulino Ferreira, sequer uma leve suspeita que tenham sido tolerantes na criação de seus filhos. Mostraram-lhes sempre o caminho da justiça e do trabalho que engrandece o homem e nunca foram amantes do alheio. Após as mortes desses dois troncos de baraúna, a família continuou sua labuta de empreendedores e apenas Virgulino e dois irmão tomaram a senda do cangaço e morreram nesse caminho, mais por revolta que por índole de salteadores. Foram bandidos sim, mas levados pela conjuntura coronelística existente na época.

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