Por: Marcos Barreto de Melo
Dona
Helena, Luiz, Rosa e Dona Marieta (sogra de Gonzaga)
A identidade de Luiz Gonzaga com o Nordeste e,
principalmente, com a terra que o viu nascer, o torna indubitavelmente o maior
símbolo do sertão. Luiz Gonzaga é a expressão mais viva e autêntica do homem
sertanejo, de sua vida e de seus costumes. A sua obra é um patrimônio que
transcende as fronteiras de Exu, no sertão de Pernambuco, para atingir toda uma
Nação, além de constituir-se num documento histórico de significado inconteste,
no momento em que registra os sentimentos e a alma dessa gente simples e sofrida
da terra nordestina. Luiz Gonzaga é o sertão em corpo e alma. Como já disse o
renomado mestre e folclorista Luis da Câmara Cascudo, "Luiz Gonzaga é um
documento da cultura popular. Autoridade da lembrança e idoneidade da
convivência. A paisagem pernambucana, águas, matos, caminhos, silêncio, gente
viva e morta. Tempos idos às povoações sentimentais voltam a viver, cantar e
sofrer quando ele põe os dedos no teclado da sanfona de feitiço e de
recordação". Luiz é uma bandeira do sertão nordestino que tremula no
Brasil inteiro, no momento em que ele faz gemer os 120 baixos de sua sanfona
branca. Uma sanfona mágica, de esperanças e recordações.
Luiz Gonzaga é a imagem do retirante nordestino, que foge da terra seca e
exaurida pelo sol causticante da caatinga, deixando para sempre o seu tão pobre
e querido torrão natal. Do retirante que vende tudo o que tem que joga a
família em um pau-de-arara e parte rumo ao Sul na busca ilusória de melhores
dias. Luiz é o sertanejo que planta, replanta e não perde as esperanças de um
bom Inverno. É o nortista forte e valente, mas que, chegada a hora de partir,
esquece a sua rudeza nativa e se deixa levar pela emoção. É o caboclo que
chora, quando se sente condenado a deixar o seu pedaço de chão.
Luiz Gonzaga é o vaqueiro das caatingas do Nordeste, de chapéu de couro, gibão
e perneiras, destemido e forte como uma aroeira, que anda no coice da boiada e
corre no carrasco, no marmeleiro fechado ou entre espinhos de mandacaru no
encalço de uma rês desgarrada. É o vaqueiro que laça, derruba e domina uma rês
enfezada. É o vaqueiro afamado e bom de campo que arranca aplausos da multidão
nas festas de vaquejada quando, ligeiro como um corisco, derruba o boi
mandingueiro e cobre a pista de poeira. Que acorda antes do sol e sai para o
campo ainda de madrugada, que almoça farinha com rapadura, que bebe da água
represada nas lagoas e que toma cachaça no chocalho. Luiz Gonzaga é o vaqueiro
que, no cansaço da luta, descansa à sombra de uma barriguda e que, no fim do
dia, junta o gado, sacode o pó do marmeleiro e vai para junto do seu bem.
Luiz Gonzaga é o caboclo da roça, homem simples e trabalhador, que acredita no
canto agourento da acauã chamando a seca, no canto triste do vim-vim e na
profecia do pássaro carão, que quando solta o seu canto é sinal de muita chuva
no sertão. É o caboclo esquecido, de mãos grossas e calejadas e que traz o
rosto marcado pela vida árdua do campo. É o roceiro que faz experiências com as
pedras de sal, que espera ansioso pela barra do sol no dia de Natal e que só se
convence da seca quando vê passar sem chover o dia de São José, o santo de sua
devoção.
Luiz Gonzaga é o sertanejo de fé, que reza por uma chuva e pede a Deus pra não
ter seca, que faz promessa ao Padim Ciço pra se curar de uma doença e que vai para
as missões pedir uma bênção a frei Damião. É o caboclo que nasceu na caatinga e
que dali não quer sair, porque para ele não existe lugar melhor. É ali que está
enterrado o seu umbigo e é neste mesmo chão que ele quer morrer. Ser enterrado
à sombra de um velho umbuzeiro, vestido de vaqueiro e com uma cruz de madeira
amarrada com cipó, no meio da caatinga onde tanto aboiou e onde, infelizmente,
o seu grito de aboio ficará para sempre esquecido.
Luiz Gonzaga é o morador de pé-de-serra, que trabalha de sol a sol durante toda
a semana, mas que não abre mão de um samba de latada com o chão de barro batido
e a luz mortiça do candeeiro, onde triângulo, zabumba e uma sanfona de oito
baixos comandam a alegria. Um forrozinho onde a cabroeira brinca, dança e se diverte,
enquanto a poeira sobe e o tocador, animado, vai castigando a sua
concertina.
É o caboclo reimoso, esperto, brincalhão e prosista, com muitas estórias
engraçadas para nos contar, com aquela maneira que lhe é particular.
Luiz Gonzaga é o caminho que nos traz de volta aos pés-de-serra do sertão
nordestino através de xotes, baiões e toadas que tão bem retratam a nossa
terra. Luiz é a energia que mantém viva em cada retirante a lembrança do seu
longínquo sertão e a esperança derradeira de um dia ainda voltar para
ele.
Luiz Gonzaga é tudo aquilo que emana do sertão. É a expressão de uma terra
pobre e sofrida, ora seca e triste, ora verde e alegre. De uma terra esquecida
e castigada, mas infinitamente bonita pela pureza de sua gente.
Luiz Gonzaga é a Asa Branca que volta correndo para o sertão quando ouve o
ronco das primeiras trovoadas; é o cheiro gostoso da terra molhada; é o
juazeiro com o seu eterno verde esperança; a peitica que, na copa do umbuzeiro,
canta alegre com a chegada do inverno; é o riacho que corre vorazmente,
arrastando árvores com as águas da primeira chuva; é o açude que sangra após
anos de seca; é um fole velho gemendo numa palhoça, alegrando o São João na
roça; é a rama verde da gitirana que, quando nasce, faz renascer o sertão.
Luiz Gonzaga é o filho de Januário que nasceu em Exu, em pleno sertão
pernambucano, nas terras dos Alencar, e que aprendeu com o pai a puxada da
sanfona. Luiz é aquele moleque que fugiu de casa em 1930, para tornar-se, um
dia, o grande e insuperável Rei do Baião. Luiz Gonzaga é o sanfoneiro do Riacho
da Brígida, de rosto redondo e riso largo, que deixou o sertão do Araripe para
ser o dono de um reinado que não tem fim, posto que, o seu canto é
eterno.
Marcos Barreto de Melo
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