Por Danielle Romani
A imagem é
reveladora: em plena caatinga, num intervalo entre combates com as
volantes, Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, deixa-se flagrar em cena
íntima. Diante da câmera do cinegrafista sírio-libanês Benjamin Abrahão, o
Capitão Virgolino – de quem poucos podiam se aproximar – permite-se ser
penteado pela companheira Maria Gomes de Oliveira, a Maria Déa, que viria a se
tornar Maria Bonita. O ato de carinho aponta para uma mulher zelosa, ocupada do
seu amado.
A felicidade
conjugal da baiana Maria Déa, ou Maria do Capitão, era perceptível. Jovial,
sorridente, a figura flagrada no ano de 1936 por Benjamin – no único filme que
registrou o bando – mostra um momento de descontração num período de intensa
perseguição aos cangaceiros. Imagem de uma sertaneja que não fazia a menor ideia
da importância que teria na história nordestina.
Apesar de não
poder antever esse futuro, Maria tinha consciência da importância do seu papel
como mulher de Lampião. “Ela encarou as lentes da câmera com ar zombeteiro, mas
imponente. Sabia que tinha poder”, diz o sociólogo Erivan Felix Vieira, autor
de Coronelismo e cangaço no imaginário social.
Nas
comemorações do centenário do seu nascimento – que se encerram este mês – , a
história de Maria Bonita foi revista por vários pesquisadores. A fama de que era
cruel – forjada no passado – foi rechaçada. Maria Déa é uma das poucas
unanimidades entre os que se dedicam a estudar o tema, descrita como uma
personagem determinada, corajosa e apaixonada.
“Maria Bonita
tinha alguma coisa de superficial, de vaidosa. Um jeito meio de moleca, meio de
meninona... Era amiga com quem simpatizava e arengueira com quem não gostava,
mas fiel e ousada. Seguiu Lampião porque quis. Teve peito para desafiar a
sociedade sertaneja. O Capitão, por sua vez, era apaixonadíssimo por ela e a
chamava de Santinha. Os dois se amavam verdadeiramente”, descreve o historiador
Frederico Pernambucano de Melo, que a considera a mais autêntica das
cangaceiras.
OLHOS AZUIS
No livro A dona de Lampião, lançado este mês, a jornalista e pesquisadora
Wanessa Campos traça um perfil da mulher e do mito. E traz algumas informações
recentes. A primeira delas é a possibilidade de Maria não ter nascido em 8 de
março de 1911, data oficial do seu aniversário. Segundo uma certidão de batismo
encontrada pelo sociólogo Voldi Ribeiro, de Paulo Afonso, na paróquia São João
Batista de Jeremoabo, também na Bahia, ela teria nascido em janeiro de 1910.
Mas não há consenso na veracidade dessa datação.
Maria Bonita e Lampião em foto de Benjamin Abrahão, datada de 1936.
Foto: B.Abrahão/Aba-Film/Família Ferreira Nunes/Reprodução
do livro Estrelas de couro - A estética do cangaço.
Outra
especulação diz respeito à aparência física de Maria Déa, que teria os olhos
claros. “Ela era morena clara, tinha mais ou menos 1,58m de altura, pernas
grossas, busto pequeno (o que na época era valorizado), dentes perfeitos. Suas
irmãs Antônia e Dorzinha, diziam que ela tinha olhos azuis. Uma geneticista que
consultei me afirmou ser isso possível, visto que elas tinham uma avó
holandesa. Mas achei melhor me acautelar e considerar que Maria teria olhos
claros, mas não totalmente azuis”, pondera Wanessa. Maria entrou no bando aos
20 anos, em 1930, após um flerte iniciado com Virgolino, no início de 1929, no
sítio Malhada de Caiçara, a 38km de Paulo Afonso. Nesse dia, segundo
testemunhas, os dois conversaram muito. “Houve uma simpatia recíproca. Maria
tinha então um pouco mais de 19 anos e Lampião, 30”, descreve a jornalista.
Virgolino passou a visitar a fazenda, a despeito do marido de Maria, Zé de
Neném, o José Miguel da Silva, com quem a sertaneja se casara aos 15 anos, e de
quem já tinha se separado várias vezes. A presença do cangaceiro rapidamente
atraiu a ira das volantes sobre a família, que teve de mudar-se para Alagoas.
Foi então que a jovem escolheu seguir com Lampião. “Maria demonstrava alegria,
quando largou a família. Trocou o vestido de voile estampado por uma
mescla azul de mangas compridas, meias, perneiras de lona, alpercatas, lenço no
pescoço, chapéu de abas largas, bornais, cintos, alforjes”, descreve Aglae Lima
de Oliveira, no livro Lampião, cangaço e Nordeste.
Apesar de não
ter sido considerado bonito, Lampião tinha charme e atrativos. “Aqueles homens,
vestidos de forma diferente, com ouro à vista e chapéu de couro, despertavam
sonhos. Avistar um deles era como estar diante de um ídolo, de um artista
famoso e rico”, descreve Wanessa.
A beleza de
Maria também suscita debates. O escritor Joaquim Goís, que a conheceu ainda
adolescente, antes de Virgolino, descreve-a de forma impiedosa: “Uma cabocla
apagada, rosto de linhas inseguras, olhar vago, corpo solto em desalinho, seios
bambos”. Bem distante da musa cantada pelos cordelistas e cantadores.
Retrato
questionado por cangaceiros que conviveram com ela e por suas irmãs. “Os que a
conheceram dizem, inclusive, que ela não era fotogênica, que pessoalmente era
muito mais bonita. Temos que levar em conta, ainda, que as mulheres do cangaço
eram escolhidas pelos atrativos físicos. Lampião, certamente, encantou-se com
seus atributos”, pondera a jornalista.
Nesse
contexto, vale ressaltar que a alcunha “Maria Bonita” só veio a ser usada um
ano antes de sua morte, e, ao que tudo indica, foi criada pela imprensa do
Sudeste, para dar um tom mais atraente às manchetes de jornais. Quem conta a
história do apelido é Frederico Pernambucano. “O nome não apareceu no Sertão.
Foi coisa dos repórteres do Rio”, explica o historiador. O termo, por sua vez,
originou-se de um romance de Afrânio Peixoto, do início do século, que foi
transformado em filme homônimo, em agosto de 1937.
Sila (segunda, da esquerda para a direita) relatou, na maturidade (foto
seguinte), sua passagem pelo bando no livro Angicos, eu sobrevivi. Foto:
Reprodução O fascínio da
sertaneja pelo que lhe oferecia Lampião era compreensível. “Maria Déa queria
apenas sair daquela vida ‘todo dia sempre igual’, deixar o marido infiel,
livrar os pais da perseguição da polícia e dar um novo destino à própria vida.
Afinal, o que ela tinha a perder? Amava Virgolino, sentia-se amada, ele era
rico, iria ter uma vida diferente”, defende Wanessa.
Presidente do
Núcleo de Estudos do Cangaço da União Brasileira de Escritores – Seção PE, a
psicóloga social Rosa Bezerra defende que a decisão tomada por Maria foi a de
uma mulher à frente do seu tempo. “Apesar de elas não terem consciência, o
movimento dessas mulheres, de optar por seguirem os homens que amavam, gestou o
feminismo no Sertão. A mulher sertaneja era treinada para ser doméstica e nada
mais. No bando, uma vida nova se apresentava: elas não cozinhavam, não lavavam,
eram tratadas como rainhas, uma vez que o cangaceiro era acostumado a fazer
tudo. As mulheres só entravam nessa partilha se quisessem. Depois, porque
puderam viver sua sexualidade abertamente, puderam usar saias no joelho (quando
na época a altura dos vestidos era nas canelas), puderam usar joias, se
enfeitar. Se a gente for observar as roupas que elas usavam, existem
semelhanças com as que adotamos na década de 1970”, defende Rosa, que é autora
do livro A representação social do cangaço.
Neta de Maria
e Virgolino, a escritora e diretora da Sociedade do Cangaço, Vera Ferreira,
assina o álbum Bonita Maria de Lampião, e diz que a avó não seguiu
sozinha. “No caminho ao encontro de Lampião, Maria recebeu a companhia da
ex-cunhada, Mariquinha, que também decidiu viver ao lado do cangaceiro
Labareda. Uma interpretação em relação às sertanejas que se tornaram
cangaceiras é de que elas, nativas de um ambiente árduo e sem perspectivas de
mudanças, buscavam, acima de tudo, entrar num novo mundo, e com proteção.”
HÁBITOS
Se os cangaceiros mudaram a perspectiva de vida dessas mulheres – estima-se que
40 delas se agregaram aos bandos, entre 1930 e 1936 –, elas também interferiram
no cotidiano deles. Graças à presença feminina, os grupos se tornaram mais
limpos, mais cordatos, menos violentos e mais vistosos nas roupas. No seu
estudo, Wanessa Campos reforça essa ideia, batizando os anos entre 1930 a 1938
de período “mariadeano” (de Maria Déa).
“Quando
Lampião se apaixona por Maria Bonita, a partir de 1930, quase todos os coitos
se dão nas cercanias da Bahia e de Sergipe, onde havia afluentes dos rios. Eles
se fixam numa região dadivosa, com águas potáveis, águas puras. Passam a tomar
banho quase que diariamente, coisa que não faziam antes delas”, explica
Frederico Pernambucano. O historiador destaca, também, que a convivência das
cangaceiras com as mulheres e filhas dos coronéis poderosos, aliados de
primeira linha dos cangaceiros, mudaram os hábitos das primeiras.
“Da
convivência resultará o aprimoramento da estética presente em trajes e
equipamentos, e o aburguesamento de maneiras: a máquina de costura, o
gramofone, a lanterna elétrica portátil, a filmadora alemã em 35mm e a câmera
fotográfica... É o tempo dos bailes perfumados, dos cheiros de Fleurs d’Amour,
da casa Roger & Gallet, ou de Atkinsons, da Royal Briar”, explica
Pernambucano.
Sila. - Foto: Acrisio Siqueira/Reprodução do livro Angico, eu sobrevivi Ao admitir as
mulheres, contrariando os ensinamentos do seu mestre, o cangaceiro Sinhô
Pereira, Lampião não apenas dava novo rumo ao cangaço, como, sem querer,
mantinha o costume brasileiro de acolher mulheres em campanhas militares. “Há
registros dessa presença na Primeira Batalha dos Montes Guararapes, em 1648, às
mulheres cabendo o amasso do pão na cozinha móvel do exército holandês. Ele
retorna também à saga das vivandeiras, cantada em verso e prosa ao final do
conflito da Guerra do Paraguai, quando as mulheres acompanhavam seus amados à
guerra. Ou de Canudos, em 1897, quando a mulher precisou enrijecer-se de
amazona, para fazer frente às jagunças”, explica Frederico.
Excelente
estrategista, Lampião também se pautou na observação da Coluna Prestes, em 1926,
que abrigava em sua formação centenas de mulheres, e que fez incursão pelo
Nordeste. “As lições de 1926 devem ter vindo à mente do apaixonado de 1929 como
um conforto providencial”, sugere o pesquisador.
As mulheres do
bando não pegavam em armas nem participavam das batalhas. A elas era dado um
revólver para a defesa pessoal e, no caso de Maria Bonita, havia sempre
guardiões ao seu redor, inclusive um ajudante pessoal, para auxiliá-la nas suas
tarefas diárias.
No livro Angico,
eu sobrevivi, a sergipana Ilda Ribeiro de Souza, a Sila, mulher de Zé Sereno, o
José Ribeiro Filho, lembra que o maior temor das cangaceiras era serem presas
pelas volantes. “Sabíamos que seriamos submetidas a estupros e atrocidades
terríveis. Eles nos chamavam de prostitutas, e sonhavam em nos pegar para
atemorizar nossos companheiros.” Sila, assim como Maria, nunca participou de
batalhas.
Aliás, o fato
de que Maria jamais usou de violência leva muitos pesquisadores a afirmar que a
sua morte foi uma arbitrariedade, pois a ela não eram imputados crimes, a não
ser o de seguir o bando. Tudo indica que ela foi “massacrada” no dia 28 de
julho de 1938, pelo simples fato de ser a mulher de Virgolino. No seu livro,
Wanessa relata a crueldade com que o soldado Panta de Godoy abateu a baiana:
“Quando avistei Maria Bonita, ela deu meia volta, correu, gritou: ‘Valha-me,
Nossa Senhora!’. Eu atirei nas costas dela e ela caiu, fez uma corcunda e se
levantou quando um soldado gritou: ‘Segura a bandida!’. O soldado Santo cortou
a cabeça de Lampião e, com o mesmo facão, eu cortei a cabeça de Maria Bonita.
Ela ainda estava viva”.
Na história do cangaço, consta a maestria na produção de bordados por Lampião e
Dadá. A máquina de costura era insdipensável para a confecção de objetos em
tecido e couro. Foto: Fred Jordão/Reprodução do livro Estrelas de
couro - A estética do cangaço DADÁ
A pernambucana Sérgia Ribeiro da Silva, a Dadá, mulher de Cristino Gomes da
Silva Cleto, o alagoano Corisco, era uma exceção nesse contexto. Exímia
atiradora, valente – citada por alguns cangaceiros como “mais homem que os
próprios homens”–, ela se notabilizou pela coragem e pela eficiência nos
combates, usando revólveres, espingardas, rifles. Conta-se que era muito
respeitada por Lampião, o que provocou os ciúmes de Maria Déa e o afastamento
entre Virgolino e Corisco.
Além de
guerreira, foi a responsável pela confecção de bornais de bordados floridos em
cores vivas, que passaram a ser usados pelos cangaceiros, em meados da década
de 1930, segundo afirma Antônio Amaury Corrêa de Araújo.
Frederico
Pernambucano discorda dessa informação. Atribui a criação dos adereços ao
próprio Lampião, que, segundo afirma, era excelente costureiro. “Dadá não tinha
ascendência sobre o bando. Lampião, sim, ditava moda. Tenho peças bordadas por
ele e por ela, e posso afirmar que as de Lampião são superiores em
originalidade e qualidade”, diz.
Coautora do
livro Bonita Maria de Lampião, professora de Artes e Design da
Universidade Federal de Sergipe, e desenvolvendo uma tese de doutorado sobre a
estética do cangaço, Germana Gonçalves de Araújo foge da polêmica em torno
dessas autorias. “É bobagem questionar isso. Devemos desabilitar as definições
‘verdadeiras’ acerca de quem deu início à aparência exuberante dos cangaceiros.
Na minha opinião, não há importância ou polêmica quanto a isso. Ou seja, Dadá
pode ter sido responsável por parte da estética cangaceira, mas foi Lampião
quem aceitou e definiu os construtos de uma identidade”, afirma.
Para Frederico Pernambucano de Mello, Lampião era exímio costureiro,
superando outros “artífices” do bando. Foto: B.Abrahão/Aba-Film/Família
Ferreira Nunes/Reprodução do livro Estrelas de couro - A estética do
cangaço. Ela ressalta
que, depois da entrada da mulher, a imagem do cangaceiro passou a ser
menos agressiva. “O traje uniformizado recebeu novos e inusitados elementos.
Flores, estrelas, joias e moedas são alguns dos ornamentos que, com base na
geometria regular, foram organizados por princípios de composição e se
tornaram arranjos com ritmo e simetria.”
RAPTOS
Apesar de apontados como cordiais companheiros, houve episódios que desabonam o
discurso de que os cangaceiros eram gentis com as mulheres. Dois exemplos chocantes
são os de Dadá e de Sila. As duas foram raptadas e desvirginadas aos 13 anos de
idade, quando ainda brincavam com bonecas e temiam a presença daqueles homens
imponentes, vestidos com roupas extravagantes.
No livro Gente
de Lampião, Dadá e Corisco, Antônio Amaury Corrêa de Araújo transcreve o
depoimento oral de Dadá sobre como ocorreu seu rapto. Primo distante, Corisco a
conheceu na fazenda onde morava, e desde que a avistou preveniu o pai da menina
que não a casasse com ninguém, porque ela seria sua. Tempos depois, inflamado
por uma fofoca de que ele teria sido denunciado pela família de Dadá e de que a
menina fora desflorada por um vizinho, Corisco foi à casa do pai de Sérgia, e
comunicou: “Vim buscar a menina”.
Apesar de ter sido raptada e estuprada por Corisco, Dadá declarou posterior
amor e afeto ao cangaceiro. Foto: B.Abrahão/Reprodução do livro Gente
de Lampião - Dadá e Corisco. Segundo Dadá,
no mesmo dia, Corisco a violentou. Ela sofreu hemorragia, ficou
traumatizada física e mentalmente. Criou aversão pelo seu raptor, e passou a
evitá-lo a todo custo. Com o tempo, diante do homem aparentemente arrependido
pela brutalidade, ela perdoou o que ele lhe havia feito.
Já idosa, ao
relatar o primeiro encontro com Corisco, Dadá usou as seguintes palavras: “Eu,
a Sussuaruna (como era chamada por um primo), não podia adivinhar que aquele
estranho loiro, forte, alto, ombros largos, cabelos longos, olhos azulados, era
Corisco, que iria ter influência decisiva na minha vida. Em companhia dele
percorri, mais tarde, quatro estados, enfrentei lutas terríveis, tive momentos
de grande alegria e outros de dor”.
A declaração
de Sérgia para o pesquisador Antônio Amaury, que a recebeu em casa para
depoimentos durante cinco meses, leva o estudioso a concluir que Dadá era
verdadeiramente apaixonada pelo companheiro, o qual defendeu até a morte. “O
amor deles era intenso. Um amor trágico, mas tão forte quanto o de Maria e
Virgolino”, compara Amaury.
Na opinião de
Rosa Bezerra, a relação entre Dadá e Corisco, que teria tudo para ser infeliz,
acabou sendo contornada. “Corisco a ensinou a ler e escrever, e a tratava como
uma deusa. Dadá conseguiu perdoá-lo e ver o grande homem que ele representava”,
aponta a psicóloga.
As cangaceiras só usavam armas para defesa, ficando fora das batalhas.
Foto: B.Abrahão/Aba-Film/Família Ferreira Nunes/Reprodução do livro Estrelas
de couro - A estética do cangaço.
Raptada da
mesma forma por Zé Sereno, Sila também relembra o dia em que foi levada à força
de casa. Poupada nas primeiras semanas, posteriormente foi violentada. O
episódio é narrado por ela, no livroAngico, eu sobrevivi. “Comemos à vontade,
pois a comida era farta e a pinga, saborosa. Naquela noite, conheci o sexo.
Experiência ruim. Lua de mel tão amarga quanto as amarguras sofridas por mim
nos dois anos seguintes do cangaço”, narra Sila, que aprendeu a gostar de Zé
Sereno, com quem viveu até a morte dele, em São Paulo, na década de 1960.
Os cangaceiros
não admitiam mulheres sem homem nos bandos. Caso ficassem viúvas, não poderiam
permanecer no grupo, salvo se contraíssem matrimônio com outro integrante. “Se
fossem rejeitadas, ou seja, se ninguém mais as quisesse, muito provavelmente
seriam mortas. A informação difundida entre pesquisadores é de havia o temor
quanto à possibilidade de que, ao voltarem à vida em sociedade, elas fossem
pressionadas a contar onde ficavam os esconderijos do grupo”, afirma o
historiador Jovenildo Pinheiro de Souza, que tem no prelo o livro Sertão
sangrento: luta e resistência.
Outra conduta
imperdoável era a traição feminina, punida com morte, sem apelação. “Homem
podia, mulher não”, contou Dadá. Cristina, mulher do cangaceiro Português, teve
um caso, fugiu e tentou refugiar-se no grupo de Corisco. Não aceita, quando era
levada de volta à família, foi emboscada e assassinada pelos companheiros do
ex-marido. Final ainda mais trágico coube à Lídia, mulher de Zé Baiano, outro
integrante do bando de Lampião, morta a pauladas pelo companheiro por tê-lo
traído com outro homem.
Jovenildo
ressalta, entretanto, que a traição era algo imperdoável em qualquer esfera
social. “Fora do cangaço, ela também era punida sem piedade. Além disso, a
mulher comum era maltratada e não tinha qualquer relevância. Com os
cangaceiros, pelo menos, elas eram respeitadas, tinham deferências. Era uma
sutileza, mas, no contexto da época, mostra a capacidade desses homens de
respeitarem suas mulheres.”
DANIELLE ROMANI, repórtes especial da revista Continente
https://www.revistacontinente.com.br/edicoes/135/cangaco--feminismo-acidental
http://blogdomendesemendes.blogspot.com