Trago aos
amigos, para conhecimento e deleite, o texto a seguir, lavra do escritor e
jornalista Zózimo Lima, publicado na Revista da Academia Sergipana de Letras,
em 1956, homenagem a um dos mais influentes e conhecidos políticos sergipanos
de todos os tempos, JOÃO GOMES DE MELO, o Barão de Maruim.
O BARÃO DE
MARUIM
Imagem do Barão de Maruim
Pequeno na
extensão territorial, Sergipe, todavia, foi sempre grande pelo labor dos que
nele nasceram, viveram e morreram, quer no incremento da riqueza agrícola, como
nas atividades da indústria, embora ainda primitiva, quer no campo da ação
propriamente intelectual.
Terra “mater da espiritualidade” ou “cárcere dos gênios", como a
qualificaram homens de superior inteligência cujos nomes não me acodem à
memória, Sergipe vem, desde os seus primórdios, o amanhecer da sua vida
política e social, após saído do seu primitivismo, que direi colonial, se
impondo à consideração de historiadores e sociólogos do passado e do presente,
colocando-se no quadro amplo dos territórios que se prepararam, à força da
inteligência e do trabalho incessante dos seus povoadores, para receber o
influxo progressivo da civilização.
As lutas que se travaram aqui, desde o rio Real às margens do mediterrâneo São
Francisco, entre o bugre indômito e os invasores ávidos de riquezas
inexploradas, marcam o início da sua existência política, centro de atividade
agrária, a partir das entradas que provinham das terras de Garcia D’Ávila,
estabelecendo currais de gado, até os assaltos das aguerridas hordas holandesas
que espalhavam o terror e deixavam, ao mesmo tempo, em conúbios irregulares,
não sancionados pelas exigências dos cânones eclesiásticos, produtos humanos de
miscigenação que dariam, no futuro, o tipo singular que ainda hoje se constata
nos aglomerados sertanejos e na orla franciscana.
A diluição do sangue batavo na trama arterial do nativo permitiu, pelo milagre
do caldeamento, a formação e fixação do exemplar humano com as conhecidas
características em que predominam a incansável atividade, a destreza
intelectual e a sagacidade incomparável.
O aventureirismo sergipano, na acepção de atividade e luta, não é mais do que a
decorrência do amálgama racial, no qual se faz sentir, com pronunciamento
estarrecedor para indivíduos de outros quadrantes, a seiva biotipológica autóctone
com a do europeu, que produziu, de início, o curiboca, que se foi
aperfeiçoando, refinando na clarificadora do comércio sexual.
O sergipano sempre se destacou, desde a sua constituição política e social,
quando ainda súdito dos reinóis que circunscreviam a sua vivência em sesmarias,
pela capacidade de trabalho e agilidade de inteligência. — Mas com os
rudimentos da instrução haurida nas cartilhas, sem aprendizagem nos institutos
técnicos, surpreenderam os sergipanos os centros em que se agitam os portadores
de superior cultura literária, pela vivacidade do espírito, desenvoltura do
intelecto, que apenas se exercitou na escola do autodidatismo.
Era nesse clima de cultura incipiente, de obscurantismo, que os homens de
Sergipe, atirando-se à luta pela vida, conquistando, ainda assim, independência
econômica e financeira, que, ajustada à rigidez do caráter que recebia a
influência transmitida pelos ensinamentos do clero regular que se não ocupava
apenas da catequese do aborígine, vinham ocupar posições políticas que lhes
eram, após apurada seleção pelos delegados da Corte e da Bahia, entregues como
início de carreira para obtenção ulterior de títulos honoríficos distribuídos
pela munificência imperial.
Em Sergipe já se formara uma consciência equilibrada a par de anseios
libertários em meio às lutas que tinham por escopo a independência nacional. A
nossa população ainda escravizada à prepotência da Bahia vivia dias de grande
agitação diante dos acontecimentos cujos ecos aqui chegavam trazidos pelos ventos
revolucionários de Pernambuco, através das Alagoas. Não há tranquilidade, mas o
trabalho nas terras da capitania de Coutinho é intenso e produtivo. Enchem-se
os campos de manadas de bovinos, e nos vales do Vaza-Barris e da fértil
Cotinguiba não param as atividades nos engenhos de açúcar, com o auxílio
poderoso e exclusivo do escravo que nos chega, por compra, das terras africanas
de Banguela e Moçambique.
Corria o ano de 1809 e nele, em setembro, 18, no antigo engenho Santa Bárbara
de Cima, freguesia de São Gonçalo do Pé do Banco, vem ao mundo João Gomes de
Melo, filho do casal Teotônio Correia Dantas e Clara Angélica de Menezes,
membros destacados da fidalguia rural, cuja zona canavieira, de sua
propriedade, abrange parte do Rosário do Catete, Pé do Banco, Japaratuba e
Santo Amaro das Brotas.
A meninice não lhe foi despreocupada, porque, desde cedo, por imposição
paterna, e do padre-mestre, na fábrica de açúcar, começa a receber os
rudimentos do latim, matéria primordial, no ensino primário, então na época exigida.
Embora jovial nas conversações com os da sua casta, atento às necessidades dos
pobres que o procuravam, João Gomes era já um rapazito que demonstrava, por
atos e ações, o homem austero e polido de amanhã.
Não trazia a carga do orgulho antipático da maioria dos da sua estirpe, mimados
e opulentos, tanto assim que, mais das vezes, nas folgas escolares, aos
domingos, de preferência, com a licença permitida pelos progenitores atentos e
cuidadosos, percorria, em visitas de cordialidade, os senhores dos engenhos
Jacuruna, Lagoa Grande, Bolandeira, Periperi, Campo Redondo, Paty, Serra Negra,
Oitocentas e Unha do Gato, onde tinha parentes próximos ou distantes.
Menino, mas com a curiosidade que lhe era aguçada e penetrante, interessado nos
entreveros da política, não lhe escapavam detalhes dos episódios que se
repetiam nos campos do incendiado Pernambuco. João Gomes de Melo tinha 12 anos
quando Sergipe foi elevado à categoria de capitania independente da Bahia, com
liberdade, de agora por diante, poder Sergipe dirigir-se diretamente às
secretarias lá da Corte.
Não lhe é indiferente, apesar da pouca idade, o que se passa nos setores do
governo, tomado de curiosidade pelas inovações que na província são
introduzidas por Carlos César Burlamarque, agora sem os extravagantes aparatos
de certos capitães-mores e outras autoridades que davam aos governos anteriores
aspecto ridículo. João Gomes assistia às lutas entre Burlamarque e o governo
autoritário da Bahia, que não se conformava com perder a pupila sergipana e, para
satisfação dos seus desejos, entende-se com alguns desnaturados filhos desta
terra cheia de anseios libertários, dentre os quais o coronel José Guilherme
Nabuco, capitão-mor de Estância, o brigadeiro Pedro Vieira e o ouvidor José
Ribeiro Navarro. Esses não desejavam a emancipação de Sergipe, preferiam-no
anexado à Bahia, levados por interesse pessoal, de não perderem as posições que
ocupavam. E tais foram as intrigas, a campanha contra os patriotas sergipanos,
que conseguiram, afinal, a reconquista da anexação de Sergipe, sendo
Burlamaque apeado do governo e substituído pelo brigadeiro Pedro Vieira,
exemplo lamentável de traição.
João Gomes, com a curiosidade própria dos meninos inteligentes do interior, a
quem não escapam, pela acuidade, as sutilezas dos argumentos formulados pelos
fidalgos que lhe frequentavam o lar, quando, reunidos, se entregavam a
comentários referentes às noticias que vinham de São Cristóvão, teatro de
acirradas lutas políticas, há de, por certo, ir se impressionando com as tristes
ocorrências e se apaixonando, consequentemente, pelo destino da terra
escravizada pela prepotência do vizinho ambicioso que lhe ia aos poucos
reduzindo o território e estorvando a ação meramente administrativa.
Vai-se lhe, aos poucos, com o perpassar dos anos, diante dos atos de arbítrio
dos adventícios que aqui aportam com o olho nos cargos públicos que lhes são
dados pelos lusitanos que dispõem do poder absoluto, refinando o sentimento de
sergipanidade. Trata-se, em 1831, com a deliberação do Conselho Geral da
Província, reunido a 30 de abril, no palácio do governo, de impor a demissão
dos cargos públicos de todos os portugueses ou brasileiros nascidos em
Portugal, que se tenham tornado sujeitos ao regime e à administração local,
sendo, logo, apontados como tais, o secretário da presidência José Pedro de
Faria, o administrador do Correio, Manoel dos Santos Silva, o tesoureiro da
fazenda, Francisco Soares de Melo, o patrão mor da barra de Cotinguiba, Inácio
José de Freitas, o fiscal João Coelho São Paio e o professor de primeiras
letras da capital, Antônio José Peixoto Valadares.
Continuam, entretanto, as rivalidades, frutos da ambição, dentro do próprio
Conselho, que, muitas vezes, não tinha número legal para as suas deliberações,
as quais iriam ao encontro das necessidades da administração. Estando, na época
a que nos referimos, na presidência do Conselho o capitão-mor João de Deus
Machado, queria o comendador Sebastião Gaspar de Almeida Boto, o “Napoleão do
Poxim”, como depois o apelidariam, que o conselheiro José Pinto de Carvalho,
seu cunhado, assumisse a administração geral, por ser o mais votado no
Conselho, João de Deus resolve, ao contrário, entregá-la ao padre José
Francisco de Menezes Sobral. Almeida Boto, indignado, convoca reuniões em
Maruim e Rosário do Catete para reivindicar pretendidos direitos em favor de
seu cunhado bem querido. Boto protesta com energia. O padre, porém, mais
esperto, para não beijar o pó da derrota à vista, se alia ao comandante das
armas, interino, brigadeiro José Antônio Neves Horta, senhor do engenho Junco,
em Laranjeiras. Dirigem-se os litigantes, prejudicados, ao governo imperial, o
qual resolve, por fim, a pendência, nomeando o Dr. Joaquim Marcelino de Brito,
Presidente da Província, e ao tenente-coronel do Estado Maior, José Joaquim
Machado de Oliveira, comandante das Armas.
João Gomes de Melo é, agora, um rapaz garboso, discreto, perspicaz e
trabalhador. É senhor de bela fortuna, pois que, ao falecer os seus
progenitores, senhores de três engenhos, lhe deixaram, em dinheiro de contado,
cerca de quarenta contos, afora imóveis e semoventes. Casa-se, então, João
Melo, com cerca de 22 ou 24 anos, não lhe tenho certa a idade, com a Srª. Maria
de Faro Rolemberg, viúva, mãe do Barão de Japaratuba, de D. Ana Rolemberg de
Madureira, esposa de Luiz Barbosa Madureira, e da menor, de quatro anos, Maria
de Faro Rolemberg, todos agora enteados de João Gomes de Melo.
Agora, casado, com as responsabilidades de família, entrega-se João Gomes à
vida campesina, ao labor agrícola, preso à terra, onde, no dizer de Anatole
France, “há formas magníficas e nobres pensamentos”. É um belo tipo de homem,
másculo na expressão da fortaleza física, fronte alta, soberba, dominadora,
saudável de ideias, rico de energia, volitivo estênico, segundo a classificação
de Pende.
É observador percuciente dos fatos políticos e sociais, emitindo, quase sempre,
com religiosa discrição, entre os mais íntimos, juízos claros, depois de
análise demorada.
Spranger não vacilaria em situá-lo na sua estrutura política e social.
A política vem ao seu encontro, com atrações de mulher bonita e alucinante, em
1845. E de corpo e alma nela envolve-se, contribuindo, com o seu prestígio
entre o povo que o admira, para eleger deputado federal o Presidente da
Província, Zacarias de Góis e Vasconcelos, que seria, mais tarde, uma das
maiores figuras do cenário político nacional. Os seus adversários acusam-no de
ter abandonado o seu partido — o “camundongo” — para apoiar os “rapinas”,
concorrendo, deste modo, para o aniquilamento daquele, do qual fora o seu
autor.
Em 1848 está na Assembleia Provincial, ao lado de vultos destacados pela
inteligência, como Martinho de Freitas Garcez, padre Barroso, padre
Pitangueira, padre Félix Barreto de Vasconcelos, cônego Antônio Luiz Azevedo,
Guilherme Pereira Rabelo, vultos de projeção que se estende até a Corte. Em 11
de outubro desse mesmo ano é João Gomes agraciado com o título honorífico de
Barão com grandeza, além de superior comandante da Guarda Nacional. Em 1853
está o Barão de Maruim na Câmara Geral, onde se encontra, pela primeira vez,
fazendo íntimas relações, com o Dr. Joaquim Inácio Barbosa, que ali tinha
assento, como suplente, substituindo o magistrado André Bastos de Oliveira,
deputado pelo Ceará.
Em 1855 o seu ex-colega padre Barroso tem sério aborrecimento com o Barão. Este
se encontra no governo da Província, com sede na nova capital, e o padre
Barroso, que é professor de filosofia, no ensino secundário, quer permanecer em
São Cristóvão. O Barão determina a sua permanência na capital. O Barão
compele-o então a requerer aposentadoria, no que é aquiescido, ficando o padre
Barroso na inatividade, com os vencimentos de 473$010 anuais.
Brigam os políticos de Sergipe, notadamente Boto, Travassos, Fernandes Junior,
Leandro Maciel, “luzias” e “saquaremas”. João Gomes, da Corte, dirige agora a
política da província, sendo, por sua habilidade, combatido com veemência por
Travassos, seu antigo aliado, pelas colunas da Voz da Razão, depois
transformado em Conciliador, editado em Santo Amaro das Brotas.
Não satisfeito com os golpes que lhe são vibrados por aquele órgão de imprensa,
o Barão manda, do Rio, por procuração, reivindicar a propriedade da tipografia
em que é impressa a gazeta oposicionista, em poder do seu ex-companheiro de
lides, comendador Travassos.
A sua máxima preocupação, agora, sonho acalentado de há muitos anos, é mudar a
capital de São Cristóvão para Aracaju. Esse plano ele o delineara desde quando
figurava na Assembleia Provincial. Era, porém, mister homem de pulso para
auxiliá-lo na sua realização. Aproximara-se, atraído por simpatia mútua, do seu
colega Inácio Barbosa, em quem descobrira capacidade para levar avante tal
empresa, arcar com as responsabilidades, com ele dividida, da mudança em
perspectiva. Já na 3ª sessão preparatória de 16 de abril de 1853, sob a
presidência de Pereira da Silva, são conjuntamente indicados, o Barão e Inácio,
para darem parecer a respeito das eleições do Rio Grande do Sul, que diplomaram
o candidato Luiz Alves Leite Pereira Belo. Juntos, sempre, como se vê, o Barão
de Maruim e Inácio Barbosa. É de crer-se que havia catequese da parte do
titular maruinense com o objetivo de conseguir do deputado cearense
aquiescência para empreitada de tão grande monta, com possível resistência do
colega.
O Barão já era, a esse tempo, casado em segundas núpcias com D. Valentina
Soares de Souza, irmã do diplomata, jurisconsulto, estadista Paulino José
Soares de Souza, Visconde do Uruguai. Por intermédio do Visconde, seu cunhado,
e do Imperador, de quem o Barão era valido, consegue este trazer a Sergipe,
como presidente, o ex-suplente de deputado pelo Ceará e agora com função na
Fazenda Pública, Inácio Barbosa. Os planos da mudança, traçados de há muito,
seriam agora postos em prática, tão logo chegasse a Sergipe o Barão, para
ultimá-los, o que, enfim, se realizou a 17 de março de 1855, no seu engenho
Unha de Gato, para onde, anteriormente, extraordinariamente, convocara, para
tal fim, os representantes do povo na Assembleia Provincial.
Vitória exclusiva do Barão de Maruim, a transferência da capital, o qual teve
como instrumento e colaborador o presidente Inácio Barbosa. O que não
conseguira, em 1832, o comendador Sebastião Gaspar de Almeida Boto, propondo ao
Conselho Geral, alcançara-o o Barão de Maruim. Almeida Boto pleiteara, naquele
ano, a mudança, para Laranjeiras, da capital; o Barão, porém, mudara-lhe os
planos, conseguindo-a depois, para as praias mefíticas de Aracaju. Tão
responsável fora o Barão pela transferência combatida pelos patriotas
cristovenses, que os doestos, as chufas ridicularizadoras se voltavam para o
Barão, como se verifica da brejeira e desconjuntada quadra declamada por todos
os cantos da velha capital: O BARÃO TÁ NO INFERNO/ BATISTA NA PROFUNDA/ O
CATINGA VAI ATRÁS COM COFRE NA CACUNDA”.
Deputado e presidente da Província, comandante da Guarda Nacional, deputado
geral, Barão com grandeza, João Gomes Vieira de Melo é, depois, por Carta
Imperial de 2 de maio de 1861, nomeado senador, sendo empossado a 1° de junho
do referido ano. Pelo Visconde de Abaeté, presidente do Senado, foram
designados, para recebê-lo, por sorteio, os Srs. Pimenta Bueno, Antônio José
Machado e o Visconde de Jequitinhonha. Maruim, satisfeito, emocionado, toma
assento no plenário. É, aquele, um dos maiores dias da sua trabalhosa vida.
Para sua vaga, na Câmara, é eleito o então ministro da Fazenda, conselheiro
José Maria da Silva Paranhos, futuro Visconde do Rio Branco. Pai do futuro
Barão do Rio Branco, incomparável diplomata que consolidou nossas fronteiras e
integrou o Acre ao território da pátria brasileira.
A trajetória do Barão de Maruim no Senado é longa, tempestuosa e acidentada, a
despeito do seu temperamento aparentemente calmo e do bem-estar que lhe
proporcionava a grande fortuna acumulada. Vem ele, várias vezes, a Sergipe, acalmar
ânimos exaltados de muitos dos seus amigos, parentes e correligionários.
Cinde-se o partido Conservador sob a sua chefia. Na Câmara Geral atracam-no
Barros Pimentel, Martinho de Freitas e Leandro Bezerra, que o acusam de ter, no
Senado, dito que a província de Sergipe “estava entregue a ladrões e a
tratantes”, como o de ter procurado inutilizar as candidaturas de Leandro
Maciel e Coelho e Campos. Revida o deputado Menezes Prado, seu parente,
exaltando a figura do Barão, com provas inequívocas de lealdade e
benemerências.
O Barão, a despeito de econômico, não é egoísta nem dissipador. É fecundo no
terreno da assistência social. Viaja à Europa, por três vezes, onde recebe o
polimento da civilização e se aprofunda, apesar de autodidata, no estudo dos economistas
mais em voga. A língua francesa se lhe torna fácil, dúctil e a sua biblioteca
se enriquece de autores clássicos e modernos. Foge-lhe, pela morte, a segunda
esposa, e ele se torna ensimesmado, quase místico, constituindo as suas
distrações, agora, as sessões cacetes do Senado e as visitas cordiais ao Paço,
onde o Imperador o recebe com absoluta distinção.
Em 1861 ocorre em Sergipe o fato que abalou profundamente a sociedade,
aparecendo o seu nome na mais torpe exploração. Sua enteada, Maria de Faro
Rolemberg, proprietária do engenho São Joaquim, maior, solteira, falece de
maneira estranha na residência do seu cunhado, Luiz Barbosa Madureira, esposo
de sua irmã Ana Acioli Madureira. O Barão, no Rio, dias antes, recebera
notícias de que sua enteada estava enferma e, padrasto carinhoso, vem a Sergipe
visitá-la. Ao saltar em Aracaju, sabe que sua dileta enteada, que por ele fora
criada desde os quatro anos de idade, havia falecido envenenada. A história é
longa e escabrosa. Há dissídio na família. O dinheiro de Maria de Faro
Rolemberg é o pivô do acontecimento trágico. Nela figura o Barão de Japaratuba,
Ana Acioli, Luiz Madureira e até certo médico de nome Joaquim Pinto Sobral,
acusado de ter envenenado, em Capela, anos antes, o negociante capitão Manoel Geraldo
do Nascimento e o Sr. José Lopes Valença, senhor do engenho Horta, para ficar
em mancebia com as esposas das suas vítimas. O Barão providencia a exumação da
vítima, a extração das vísceras e as remetera à Faculdade de Medicina da Bahia,
para o indispensável exame toxicológico. Este, conforme se esperava, deu como
resultado: envenenamento por arsenicais.
Acirram-se os ódios contra o Barão, tendo este, depois de cumprida a sua missão
paternal, pois considerava Ana Rolemberg sua filha, regressa à Corte, agora
definitivamente, depois de liquidados os seus negócios em Sergipe, voltando-se
para os seus amados livros, às suas amizades, às suas recordações da mocidade
passada em Rosário, Maruim, às suas saudades dos banhos no Siriri e no
Japaratuba, e os passeios a pé e a cavalo, pela floresta verde dos canaviais.
Distribui, então, à larga, venerável com o título de Barão e com as
condecorações da Ordem do Cruzeiro e de São Gregório Magno, graças e mercês à
pobreza e as instituições de caridade. Gasta do seu bolso cerca de duzentos
contos na construção da Matriz de Maruim; doa terrenos ao Hospital de Caridade,
como concorre para a edificação da Matriz da capital; socorre variolosos e
retirantes tangidos pelas secas nos sertões do Norte e do Nordeste; subvenciona
instituições de letras, órgãos da imprensa e escolas públicas. Funda, com o
virtuoso padre João Francisco Pereira Andrade, a Escola Doméstica N. Srª. do
Amparo, em Petrópolis, onde tem instalada residência de verão, bem próxima do
Palácio Imperial. Vai ao encontro dos parentes pobres, socorrendo-os nas
necessidades. Certa feita, numa das suas viagens e permanência em Paris, salvou
um pobre mas honesto negociante brasileiro, às portas da falência, sem o
conhecer, simplesmente levado pelo espírito de altruísmo, solidariedade humana
e sentimento patriótico. Isto porque, pensava ele, o Barão de Maruim, como
Spinoza, que “o homem só pode ajudar a sim mesmo, ajudando aos outros”. Um
autêntico e discreto filantropo.
Além da França visitou a Bélgica, a Itália, tendo em Roma, com credenciais do
Ministério dos Estrangeiros, chegado à presença de Sua Santidade o Papa Pio IX,
de quem recebera a benção apostólica, o que muito o envaideceu por ser católico
praticante.
Quando mais se intensifica no país a campanha abolicionista, ele aos poucos
vinha alforriando os seus escravos. Reina no ambiente político brasileiro, como
complemento da batalha a favor do elemento servil, já vitoriosa, a intensa
propaganda republicana. As instituições imperiais estão ameaçadas. O trono começa
a estremecer em suas bases, agora nada sólidas, à força da demolidora picareta
política manejada por Benjamim Constant e Quintino Bocaiúva, representantes do
Exército e da Imprensa.
O Barão de Maruim, com aquela faculdade de previsão que lhe era inata,
compreende, antevê a hora do perigo, o fim da Monarquia. Seu testamento,
redigido três meses antes, contempla instituições de caridade, religiosas,
parentes, afilhados e ex-escravos.
No último capítulo daquele documento o Barão pede não se realizem os seus
funerais com aparato e pompa. Não se façam convites pela imprensa para a
condução do seu corpo ao Campo Santo, nem para a missa de sétimo dia. Chegou o
momento das renúncias e das contrições. A sua alma se banha na luz sagrada que
vem dos ensinamentos do Evangelho. No oratório da família, relíquia dos seus
antepassados, trazido do engenho onde nasceu, ele passa horas de contemplativo,
como São Francisco e Huysmanns.
Às tardes, ouvindo o rumor da Guanabara que não lhe fica longe, ele passa na
velha cadeira de balanço, na chácara da Rua Santo Amaro, no convívio amorável
dos seus pássaros, dos seus livros, das riquíssimas baixelas e dos raros amigos
que vão diminuindo à proporção que a idade avança. Conversa, quase sempre, nas
visitas espaçadas, com o visconde de Sinimbu, o Barão de Loreto, o Marquês de
Muritiba, o Visconde de Taunay, seus amigos, colegas, muitos dos quais
companheiros de comissões parlamentares, que envelhecem, tranquilamente, como
ele, fieis sempre ao amado Imperador. Perdoa, recordando, ao Barão de São
Francisco, seu amigo, há anos falecido, que, certa feita, como ele se
desaviera, com azedume, acerca de pleiteada escala de navegação ao porto de
Aracaju.
Quando, certa manhã, chegou ao seu retiro bucólico a notícia de que tinha
proclamada a República, o velho Maruim apertou o coração e deu curso
irreprimível às lágrimas que lhe corriam pelo peito que tantas vezes apertara
contra o do seu querido Imperador.
Velho, alquebrado, agora sem títulos nem brasões, os quais foram anulados pelo
regime ora nascente, era-lhe amargo, doloroso, tornar, depois de tantos anos de
ausência, à terra do seu berço onde vivera, amara e sofrera moralmente.
Cinco meses depois de desabado o Trono, a 23 de abril de 1890, João Gomes de
Melo, que foi puro como aqueles que passaram pela vida praticando o bem, que
pensava como Emerson de que “a única maneira de ter amigo é ser amigo”,
docemente, calmamente, deixava o invólucro material, aqui na terra, voando para
a Eternidade.
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