Material
do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho
COMUNICAÇÃO COM AUTORIDADES PERNAMBUCANAS
O coronel João
Bezerra relata, adiante:
- O
subdelegado demonstrou, então, que já tinha estabelecido contato com os
cangaceiros, naquele dia. Compreendendo que eles se achavam perto, talvez
escondidos pelo próprio subdelegado e temeroso de argui-lo sozinho, porque no
“aperto” ele poderia morrer, daí surgindo más consequências e aborrecimentos
entre unidades federadas, resolvi telegrafar ao Comandante Optato Gueiros, que
se encontrava em Águas Belas, nos seguintes termos: “Venha urgente para
tratarmos do plano para a campanha, pois, desta feita, obteremos os melhores
resultados de toda a ofensiva contra o banditismo”. Não quis ser mais
explícito, visto como, naquela época, os telegrafistas eram quem mais prevenia
os cangaceiros. Obtive, pouco depois, a resposta que transcrevo: “Deixo de atender
ao vosso chamado, por motivo de os veículos se acharem em reparos. Opino,
entretanto, por uma batida nas caatingas dos Guaribas”. Diante do exposto,
deliberei pegar o subdelegado, desse no que desse. Mandei buscá-lo, mas ele se
evadira, ganhando o mato. Esperei mais três dias, mas ele não regressou.
TENTANDO
DESPISTAR
- Aproveitei a
boa vontade do sargento Domingos Cururu e ordenei-lhe que, regressando o
subdelegado, ele lhe batesse duro. Retirei-me, pois com a minha presença ele
não tornaria. Segui, então, para Águas Belas, onde o comandante Optato Gueiros
me aguardava. Lá, trocamos ideias a respeito da questão em lide, tendo eu
rumado, a seguir, para Santana, a fim de prestar contas da diligência de
quatorze dias ao coronel Lucena, de quem obtive oito dias para descansar.
Transcorrido esse período, fui cientificado pelo próprio coronel Lucena,
comandante-chefe das tropas volantes com sede em Santana, de que circulavam
boatos segundo os quais Lampião atravessara a fronteira de Pernambuco, entrando
em Alagoas, pela zona de Pilão do Gado, já município de Mata Grande. Tocando
num lugarejo circunvizinho, tomou umas cargas de rapadura dos matutos, fazendo
com que estes o ouvissem anunciar que ia direto a Moxotó. Compreendi logo que
era justamente o contrário, pensando o coronel Lucena como eu.
NO COMANDO DA
TROPA
- Segui
imediatamente com a tropa, tendo convidado, por telegrama, o coronel Lucena, a
fim de nos juntarmos no Barro Branco. Acertamos aí o esquema da ação policial,
com o coronel Lucena passando-me o comando de toda a tropa em manobra,
determinando, ainda, que eu fosse para Mata Grande com o aspirante Ferreira,
que ele, três dias após, iria levar nossos vencimentos e ultimar providências
porventura não assentadas até àquele instante. Vencido o prazo, chegando o
coronel Lucena ao local, eu já havia ordenado as buscas em Moxotó,
verificando-se a existência de vestígio de bandidos na região. Combinei com o
mesmo coronel Lucena telegrafar ao comandante Optato Gueiros, em Aguas Belas,
chamando-o a Maravilha, com o objetivo de acertarmos o envio de tropa
pernambucana para Moxotó, enquanto eu pegaria a pista da “gang” de Lampião,
para saber o local em que se havia homiziado. Providenciei a mudança de comando
da tropa em Mata Grande, deixando elementos de minha absoluta confiança sob a
liderança do então sargento Aniceto, segui ribeira abaixo, onde, com quatro
léguas, peguei a pista, deixando-os na Serra da Cachoeira, entre Pão de Açúcar
e Piranhas.
APROXIMANDO-SE
DO GRUPO
O coronel João
Bezerra sorve rapidamente um cafezinho, assiná-la que as minúcias que nos está
dando nunca foram antes enunciadas, e ajunta:
- Verifiquei,
então, que no rumo por eles escolhido iriam diretamente à Serra do São
Francisco, que estava próxima, às margens do rio do mesmo nome. Propus-me
demandar Piranhas, objetivando abastecer a tropa e, como era dia de feira,
estudar psicologicamente a fisionomia de cada um dos coiteiros que por ali
aparecessem, o que foi feito com precisão.
POR TRÁS DOS
ÓCULOS ESCUROS
- Na ocasião
em que o mercado estava reunido, sentei-me em uma cadeira de loja cujo dono era
o maior coiteiro da zona, do lugar onde desembocavam os caminhos vindos das
caatingas onde se achavam os bandidos. Eu usava óculos escuros, para esconder
minhas reações. Elementos procedentes daquelas bandas – aproximadamente uns
vinte – quando batiam com os olhos em mim passava no intimo de cada um deles,
fui ao telégrafo e passei um telegrama a mim mesmo, assim redigido: “Tenente
João Bezerra. Piranhas, venha urgente. Lampião está com todo o grupo em Moxotó.
Capitão Elpídio. Delegado de Policia”. O despacho fora feito falsamente como
sendo de Mata Grande. Com isso, visava a bigodear os coiteiros e verificar a
sua reação. Entreguei o documento ao estafeta, depois de carimbado, e retornei
à minha cadeira.
O coronel João
Bezerra faz um parêntesis para sublinhar:
- Eu nunca
disse essas coisas a nenhum repórter.
Agradecemos a
deferência e ele narra:
- Chegou o
estafeta, entregou o telegrama e passei o recibo. Comentei, então, em tom
provocativo: “Cangaceiro não é qualidade de gente!” Li, a seguir, o telegrama
em voz alta e grande número de coiteiros se acercou para ouvir-me melhor.
Através dos óculos escuros, vi que eles estavam mangando de mim...
COM A NOTA DE
LAMPIÃO NO BOLSO
O coronel João
Bezerra toma o quarto cafezinho da entrevista, que foi escrita entre 19h10m e
23h20m, e descreve:
- Assim foi
que o notório coiteiro Pedro de Cândido, que viera fazer feira para o próprio
grupo, foi quem mais me olhou e mais riu, uma vez que se achava com a nota da
despesa de Lampião no bolso e Cr$ 2 500,00 em espécie, quantia essa pertencente
ao bandido. Depois de lido o despacho, mandei tocar “reunir”, embarquei a tropa
num caminhão e propalei que me dirigia a Moxotó, onde consoante o telegrama, se
achavam os cangaceiros.
A VOLTA
INESPERADA (Para os Coiteiros)
Dezenove anos
passados, o coronel João Bezerra parece feliz com sua estratégia. Sorri com
certo entono ao referi-la:
- Chegando a
Pedra, estacionei, aguardando a noite para voltar, o que fiz, reforçando a
tropa. Às 18h30m, eu estava em Piranhas, onde, evidentemente, ninguém me
esperava. Os meus agentes tinham notícias mais frescas, declarando-me que o
Pedro de Cândido há três dias havia passado na beira da roça de um cidadão, nas
caatingas, com duas bandas de bode nas costas, rumo à Serra de São Francisco,
onde eu suspeitava achar-se o grupo.
PRENDER PEDRO
DE CÂNDIDO, EIS A QUESTÃO
- Inferi logo
que, detendo Pedro de Cândido, estaria tudo resolvido, o que logrei às 2 horas
da madrugada. Com três canoas pequenas, atreladas umas às outras, por não
dispor de canoa grande, e sob os maiores perigos de naufrágio, cheguei ao local
de nome Remanso, distante do povoado de Entremontes, onde morava o coiteiro. Mandei
bater na porta e fazer o sinal de tropa, dizendo-lhe que eu queria falar-lhe.
Pedro de Cândido, ao ver o miliciano, apavorou-se, conseguindo ludibriá-lo.
Deixou de comparecer, pretextando que um boiadeiro da Bahia poderia descobrir
que ele estava tendo entendimento com a milícia estadual e isto lhe seria fatal.
SINAL DE
CANGACEIRO ABRE A PORTA DE COITEIRO
- Indignei-me
com a recusa e determinei ao soldado insistisse, trazendo Pedro de Cândido de
qualquer maneira, ainda mesmo disparando-lhe o parabélum, o que foi cumprido
dentro de dez minutos, comparecendo Pedro de Cândido à minha presença. O
soldado usou de estratégia, fazendo o sinal de cangaceiro, o que levou Pedro de
Cândido a abrir a porta da frente, quando já se aprestava a fugir pela de trás.
Ao ver, então, o soldado, exclamou: “Você voltou para me matar?” Ao que o praça
retrucou: “O tenente me ordenou que, se não pudesse trazê-lo, eu o matasse,
aqui mesmo”. Pedro de Cândido resolveu comparecer.
BEM PERTO DOS
MALFEITORES
- De posse
desse achado, peguei Pedro de Cândido na abertura da camisa e, com pequeno
gesto com o joelho, o coiteiro caiu ao chão. Fiz-lhe, na oportunidade, um susto
gostoso, puxando o punhal e colocando-o abaixo de sua costela mindinha.
Perguntei-lhe se estava disposto a mostrar os assaltantes. Ele concordou,
contando-me, ainda, a mangação que fizera, supondo que eu estava, mesmo, em
Moxotó. E, sem mais preâmbulos, atravessamos o rio na mesma embarcação, sem rumor,
pois estávamos bem perto do grupo.
UM
“INTERMEZZO” SENTIMENTAL
Casa de dona Guilhermina mãe de Pedro de Cândido
- Quando
saltamos do barco, Pedro de Cândido me requereu, em prantos, que eu assentisse
em que ele fosse tomar a benção à sua mãe, cuja residência era ali próximo,
como apontou com o dedo. Consenti. O aspirante Ferreira e eu o acompanhamos de
perto, enquanto as minhas forças gozavam uma trégua. Eram 3 horas da madrugada
e chovia torrencialmente. Ao passar por debaixo de duas quixabeiras frondosas,
nas proximidades do domicílio, Pedro de Cândido parou repentinamente e
assinalou: “Seu tenente, o senhor deveria ter trazido mais soldados. Cangaceiro
é a peste! Talvez a minha casa esteja cheinha deles”. Revoltei-me: “Por que não
me advertiu antes, miserável, mas só agora?”
UM ALVO BRANCO
SE RECORTA NO NEGRUME DA NOITE
A expectativa
dos que ouvem as palavras do coronel João Bezerra é inocultável. Ele, porém,
não denota qualquer exaltação:
- Nesse
momento, ordenei ao aspirante que destravasse a metralhadora e se colocasse
atrás da residência. Quanto a mim, coloquei o pente de cinquenta tiros na minha
metralhadora possante e recomendei a Pedro de Cândido que batesse na porta,
fazendo o sinal de cangaceiro, e chamasse o irmão. O irmão respondeu logo:
“Pedro?” E este: “Venha cá!” Imediatamente, abriu-se a porta e o irmão de Pedro
de Cândido saiu com uma camisa muito branca, que se recortava bem na escuridão.
Olhou bem pertinho da minha cara e espantou-se: “Uai! Já está aqui?” Ao que
Pedro de Cândido aconselhou: “Meu irmão, conte logo tudo, que nós vamos morrer
por causa dos cangaceiros e eu já sofri o diabo”.
CONTINUA...
“O
GLOBO” – 26/06/1957
Fonte: facebook
Página: Antonio
Corrêa Sobrinho
http://blogdomendesemendes.blogspot.com