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sexta-feira, 18 de abril de 2014

A MARAVILHOSA E HISTÓRICA PRAIA DO MARCO

Por Publicado em 09/04/2014 por Rostand Medeiros
Arquivo da tag: Américo Vespúcio

- Este texto dedico ao amigo Crhristopher Sellars, o inglês mais pernambucano que conheço, que mora em Vila Velha, na Ilha de Itamaracá, estuda a nossa história colonial, luta pela preservação daquela bela parte de Pernambuco e em breve virá ao Marco. Seja bem vindo amigo! 

Voltando do Planalto Central, mas precisamente de Goiânia e Brasília, hoje (9/4/2014) a tarde fui a bela e tranquila Praia do Marco, no município de Pedra Grande, a 170 km de Natal. É uma paisagem bem distinta do centro do Brasil e fantástica.


Quer conhecer um paraíso? Visite a Praia do Marco, fica entre Pedra Grande e São Miguel de Gostoso aqui no Rio Grande do Norte. Formada por dunas enormes, a praia é linda, aconchegante, própria para o descanso, com piscina natural, arrecifes, boa para prática de windsurfe, boa para pesca, muitas áreas virgens ainda sem ser habitada, e o principal: o primeiro marco colonial implantado no Brasil.


Apesar da importância histórica desse marco colonial, o fato é conhecido, no geral, apenas por estudiosos e historiadores. Existem investigações e até livro publicado sobre a história do Marco que para maior parte da população estava incógnito.


Por ordem real do rei D. Manuel I, 3 embarcações comandada pelo o capitão-mor André Gonçalves, Gaspar de Lemos e Américo Vespúcio, deixaram Portugal com destino a nova terra. Dia 7 de Agosto de 1501 a frota chegou à orla marítima da cidade de Touros na divisa dos municípios de São Miguel de Gostoso e Pedra Grande: praia do Marco.


Para Câmara Cascudo, o Marco de Touros muda a rota do Descobrimento. Suas pesquisas e estudos comprovam que a posse e a propriedade do Brasil se deram, não em Porto Seguro na Bahia, mas na praia do Marco. Do ponto de vista jurídico, pode-se dizer que o Brasil nasceu, para conhecimento de outras nações, no Rio Grande do Norte.


Cascudo descobriu o monumento, identificou o Marco e fez um livro sobre o assunto. O dia 7 de agosto foi escolhido como a data do aniversário do Rio Grande do Norte, porque nesta mesma data, no ano de 1501, aconteceu, em terras potiguares, um dos mais importantes fatos históricos do país: a fixação do primeiro Marco de Posse colonial da terra brasileira por Portugal.


Fato que para muitos historiadores, representa o registro de nascimento do Brasil. e para muitos o mais antigo, existente, da toda colonização portuguesa, e sua fincagem foi o primeiro acontecimento histórico no território potiguar e também o evento oficial de posse do país.


Outros Marcos foram deixados no litoral brasileiro, um no litoral baiano e outro na praia da Cananéia, São Paulo, sendo o de Touros o mais antigo. A esquadra que realizara esta travessia era formada por três caravelas, saindo de Lisboa. Quando os portugueses, na sua política expansionista, chegavam às terras descobertas, deixavam o marco, oficializando a tomada de posse de territórios que descobriam como sendo exclusivamente de Portugal. Eram colunas de pedra, de altura variável, encimadas por uma cruz com inscrições em português, latim e árabe, que os portugueses passaram a usar como prova de suas descobertas e símbolos de sua fé.


O Marco de Touros é uma pedra calcária de granulação fina, provavelmente de mármore português ou lioz, medindo 1,20 m de altura; 0,20 m de espessura, 0,30 m de largura; 1,05 m de contorno. Na parte superior, contém a cruz da Ordem de Cristo (a famosa Cruz de Malta) em relevo e, abaixo, as armas do rei de Portugal e cinco escudetes em aspas com cinco quinas, sem as bordaduras dos castelos.


O Marco de Touros é também cultuado pela comunidade de Cauã, como se fosse santo, e o chamam até de “Santo Cruzeiro”. O culto ao Marco surgiu em decorrência da falta de conhecimento das características da pedra e das inscrições nela contidas, como, por exemplo, a cruz que representa o símbolo da Ordem de Cristo. Esses fatores levaram a comunidade a crer que o Marco era realmente divino, vindo diretamente de Deus para eles.


Os habitantes dessa comunidade acreditavam que tirar algumas lascas de pedra do Marco de Touros para fazer chás não se constituía como uma agressão e sim como uma cura para suas doenças. A comunidade, pela sua obsessão religiosa, contribuiu para que o avanço do mar não viesse a destruir o precioso acervo – que foi o primeiro monumento histórico do Brasil português – pois, a cada avanço do mar, o Marco era deslocado do alvo das ondas.


Desde 1976, encontra-se nas dependências da Fortaleza dos Reis Magos, quando ele foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural. Na praia do Marco, existe uma réplica do Marco, que mantém a tradição, os mitos, a crença do povo e reforça a ideia de que a ação religiosa dos habitantes preservou um patrimônio que, de outra forma, teria sido destruído.


Fontes - http://geovanycavalcante.blogspot.com.br/2011/01/conheca-praia-do-marco-paraiso-potiguar.html


NOTA  - Todos os direitos reservados

Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros

http://tokdehistoria.wordpress.com/author/tokdehistoria/

Comentário do pesquisador José Albérico sobre a morte de Lampião

Por José Albérico

Geraldo Aguiar conversou com Lampião, procurou fatos que tinham acontecido, e porque Expedita não faz o DNA? Aí comprovaria a verdade já descoberta. Mas muitos interesses financeiros estão por trás da história antiga, a filha e a neta dele, as emissoras de TV que fizeram seriados, produtores de filmes, o próprio governo para não ficar desmoralizado, as instituições estudiosas do cangaço etc.

Os fatos comprovados por Lampião são a entrada dele em Queimadas, a combinação com o tenente Bezerra e tantos outros que ele cita no livro. É uma pena que ele não é um escritor famoso, senão todos acreditariam. 

Jesus nasceu de uma família humilde, mas os Judeus e a elite da época, esperavam o Messias nascido de família nobre. Mas DEUS disse que ele seria revelado ao mundo daquela forma. Se o senhor João Reis não acredita, e também o senhor José Mendes, problema de vocês. Eu acredito e ponto final.

Amigo José Albérico:

Em eu acreditar que Lampião não escapou da chacina, isto é, morreu mesmo na grota de Angico, não é porque o escritor Geraldo Aguiar não era famoso, até porque eu não o conheci, por isso não posso julgá-lo como famoso ou não no que diz respeito aos estudos sobre cangaço. 

A minha afirmação que Lampião morreu lá na Grota de Angico, é baseada nos depoimentos que os remanescentes do cangaço que estavam lá, e se livraram da chacina  naquela madrugada de 28 de Julho de 1938. Mas você tem as suas razões por acreditar. Todos nós podemos pensar e opinar o que bem quisermos sobre o cangaço, ou até mesmo outros assuntos. O estudo sobre cangaço pertence a nós mesmo. 

Ninguém afirma que o escritor José Geraldo Aguiar criou esta história, que Lampião escapou da chacina e foi morar em Minas Gerais. Mas quem a criou um novo Lampião em Minas Gerais, foi o próprio depoente que se passou por Lampião, fornecendo histórias inventadas por ele mesmo ao escritor José Geraldo Aguiar. 


Nesta foto aparecem os dois cangaceiros. A primeira é o Lampião de Pernambuco, nascido no nosso sofrido chão seco. O outro, é o Lampião de Buriti, encontrado pelo saudoso José Geraldo Aguiar. 

Veja as diferenças das duas fotos:

1 - Observe o avantajado tamanho da cabeça do fazendeiro Lampião de Buriti. 
2 - Agora observe como é pequena a cabeça de Lampião de Pernambuco. 
3 - Veja o tamanho das orelhas do Lampião de Buriti. 
4 - O enorme nariz do fazendeiro de Buriti, que mais parece uma castanha. 
5 - Agora observe estes mesmos detalhes na foto da cabeça de Lampião verdadeiro.
6 - E se você observar bem, entende que uma não tem semelhança com a outra. 
- O Lampião de Pernambuco era cego de um olho, já o Lampião de Buriti, pelo menos na foto, não apresenta nenhum defeito nos seus olhos.
8 - Observe que o queixo de Lampião verdadeiro é fino.
9 - Se observar com calma, nota-se que o pescoço de Lampião era mais enterrado aos ombros. Já o de Lampião de Buriti era mais avantajado ao pescoço.
10 - O queixo de Lampião de Buriti é bastante largo.

Sabemos que quando se envelhece as células vão perdendo a elasticidade, mas isso gradativamente, não em exagero como é o caso da boca e as orelhas do Lampião de Buriti. A boca elasteceu tanto, que mais parece a entrada de uma forrageira.

Eu não estava lá no momento da chacina aos cangaceiros, mas não tenho dúvida, Lampião morreu mesmo na madrugada de 28 de Julho de 1938, na Grota de Angico, no Estado de Sergipe.

Na minha humilde opinião, depois de tantos sofrimentos na caatinga, cego de um olho, puxando de uma perna, ferimentos de alguns balaços, já passando dos 40 anos de idade, e outros e outros mais acontecimentos, Lampião não teria mais condições de sair a pé, ou até mesmo a cavalo do Estado de Sergipe, para enfrentar o chão do Estado da Bahia, ou mesmo pelo litoral em direção à Minas Gerais, para fixar residência lá. Não há como eu acreditar.


Olhando o mapa do Brasil, ver-se a imensa distância do Estado de Sergipe rumo à Minas Gerais. Imagine bem este imenso chão percorrido a pé, ou sobre lombos de animais. O sofrimento para quem já passa dos 40 anos é constrangedor.

Sei que Lampião vivia dentro da caatinga nordestina, mas fazia este trajeto calculadamente, só avançando mais depressa quando era perseguido pela a polícia, e ele já sabia para onde correria. E sabe-se que Lampião não conhecia a caatinga das terras de Minas Gerais. Qualquer vacilo seria pego por alguma volante que já o perseguia. 

Nós que estudamos o cangaço e não somos escritores, não podemos tirar a sua opinião ou de quem quer que seja. Cada um de nós pode dar opinião sobre o cangaço. A literatura lampiônica é vasta para a gente estudá-la e pensar o que bem quiser. 

Muito obrigado por você participar do nosso humilde blog. E continue fazendo os seus comentários, pois jamais serão desconsiderados. O nosso blog só não libera os comentários  que venham a desrespeitar moralmente ou legalmente a algo ou alguém. Mas a sua opinião sobre cangaço, todos comentários que você nos enviar, serão liberados. E não imagine que nós temos o direito de tentar mudar a sua opinião. Você raciocina do jeito que pensa, assim como eu e todos os outros que gostam de estudar "o tema cangaço".

Felicidade e paz para você e para todos os que fazem parte da sua amizade.

José Mendes Pereira

http://blogdomendesemendes.blogspot.com.br/2011/01/lampiao-nao-morreu-em-angicos-por-jose.html?showComment=1392381590837#c3395772317823664825

O primeiro encontro de Sila com cangaceiros

Por Luiz Alberto
Adília e Sila

Ilda Ribeiro de Souza, a ex-cangaceira "Sila", ex-esposa do cangaceiro Zé Sereno na sua obra "Angicos, Eu Sobrevivi", quando se propõe a relatar a sua história e a das mulheres do cangaço, nos transmite através de um relato franco e forte fatos provados e interessantes, repletos, acima de tudo, de drama humano na vivência de sua cultura singular. As breves transcrições estão marcadas de sangue e suor daquela que viveu na própria pele a realidade de uma época.

O PRIMEIRO ENCONTRO COM CANGACEIROS

(SILA):Algum tempo depois eu estava no mato com meu irmão João, quando de repente vimo-nos em meio a quatro ou cinco homens vestidos com roupas estranhas e armados com fuzis: era o grupo do cangaceiro Zé Baiano. Levamos um susto tremendo. Zé Baiano fez algumas ligeiras perguntas e, logo em seguida, seguiram viagem deixando-nos em paz.
Fiquei na Casa dos Sete Umbuzeiros em companhia dos meus irmãos. João não queria que eu ficasse lá, pois havia um boato que os cangaceiros levavam moças para o cangaço. João tinha receio de que eles aparecessem e me carregassem. Algum tempo depois ele me disse:
- Sila, você não vai ficar aqui; vou levá-la para casa de Tia Marieta. É mais seguro.
Eu respondi:
- Os cangaceiros não vão me carregar, porque ninguém fala mais neles. Eles devem ter ido longe – respondi-lhe. – Será que eu não posso mais morar com vocês?
No outro dia, cedinho, passaram em nossa casa sete cangaceiros: Zé Baiano (primo de Zé Sereno), Zé Sereno, Manoel Moreno e outros. Tive oportunidade de vê-los. Meu irmão tremia de medo. Então um deles, Zé Baiano, aproximou-se de João e disse-lhe:
Faça comida e vá levar para trás da casa, perto do riacho, onde estão os outros cangaceiros. Leve a moça para lá.
Eu disse a João que não iria. João insistiu:
- Você vai, porque se não for será pior; bem que eu lhe disse para que não ficasse aqui.
Resolvi então acompanhá-lo.
Amedrontados, com as pernas tremendo, seguimos até o local indicado pelo cangaceiro. Eu, bastante assustada, perguntava a mim mesma o que poderia nos acontecer, pois o medo era tanto que não podíamos nos controlar.
Chegamos e nos deparamos com aqueles homens de aspecto selvagem, sujos e maltratados. Foi quando Zé Baiano me disse:
- Não tenha medo, menina; não vamos fazer nada com você.
Não esperava por uma coisa dessas. As pernas tremiam-me e eu mal me mantive de pé. Eles ficaram me observando. Por fim, retomei o fôlego e perguntei ao meu irmão:
- Viche Maria, Mãe de Deus, o que esse homem quer comigo?
- Sei não – tornou a falar João -, mas voismicê já adivinha. Tá lhe querendo na certa!
Sai correndo sem parar e entrei em casa desesperada, como uma louca. Madrinha Marieta foi atrás de mim e segurou-me pelo braço, querendo saber o que se passava. Aos soluços, cortada pela dor, contei-lhe tudo o que meu irmão me transmitira. Madrinha fechou a cara e afastou-se para o fundo do quintal. Ia pensar, naturalmente, refletir sobre a nova situação. Aquilo de forma alguma poderia agradá-la. Entrei no quarto, passei a tranca na porta e joguei-me na cama, profundamente aborrecida. Não houve pensamento ruim que não me passasse pela cabeça naquele momento.
Nesse dia, um dos que acompanharam Zé Baiano era seu primo – Zé Sereno -, que ficou de olho em mim, embora não tenha manifestado o menor interesse aparente.
O tempo passou, e após alguns meses desse encontro ocasional Zé Baiano foi morto por um pequeno grupo de caatingueiros, residentes próximo ao lugar conhecido como Alagadiço.
Zé Sereno já tinha seu grupo e resolveu arranjar uma companheira. Mandou avisar-me que dentro de quinze dias haveria um baile em determinado lugar, e que eu deveria estar presente, porque dali sairia para viver em sua companhia.
Entregue ao meu desespero, vi as horas passarem em branco. Por fim fui colocando os pensamentos em ordem, e já podia refletir. Mas, à medida que o tempo escoava, eu não via como mostrar ao cangaceiro que não pretendia ser um deles. E dizia a mim mesma que melhor seria morrer que viver no cangaço.
Uma vez em casa eu disse a João que queria passar uns dias em casa de Maria, nossa irmã, em Serra Negra. Chegando lá, soube que havia uma festa em casa de família, nossos antigos amigos.
Pedi então a Maria que me deixasse ir àquela festa, mas ela não me permitiu. Eu então lhe disse:
Maria, essa é a última festa que eu vou.
Por quê? – ela estranhou.
Nada respondi. Ela ficou preocupada, e eu não quis mais falar sobre a festa. Meu pai me dizia para obedecê-la, que era minha irmã mais velha.
Passei três dias com Maria, muito triste e calada; parecia mesmo uma despedida. Aproximava-se o dia em que eu me separaria de todos, e isto não saia de minha cabeça. Era horrível viver esta grande incerteza. Eu não podia nem pensar em me separar da minha família, ainda mais na situação de sair sem rumo, sem saber o que me ocorreria. E mais: sem poder dizer nada a ninguém. E os dias se passavam.
Resolvi ir à igreja e pedir a São João Batista proteção e orientação diante da situação que se apresentava em minha vida. Depois disto notei que fiquei mais destemida, mais forte para enfrentar tudo. Em silêncio, entreguei tudo a Deus.
À tardinha, embora mais calma, eu continuava pensando em tudo que estava por vir, em companhia de meus irmãos, que já haviam chegado do trabalho. De repente ouvimos pisadas fortes.
Eram os cangaceiros, meu Deus! O que fazer?
Então Zé Sereno chamou João, dizendo-lhe que o acompanhasse até uma quixabeira, perto da casa, numa fazenda que pertencera a meu avô; eles estavam lá arranchados.
No caminho Zé Sereno pediu-lhe também que arranjasse um concertista, com pandeiro e viola, e juntasse as moças para a festa que ele pretendia dar.
João seguiu para a cidade e providenciou tudo.
À noitinha, eu, meus irmãos e minhas primas dirigimo-nos à festa, e lá conhecemos os cangaceiros Balão, Manuel Moreno, Ponto Fino, Criança, Sabonete, Luís Pedro e sua esposa Neném. Eles levavam sempre para as festas uma cangaceira, para dar mais força a moçada. Todos estavam muito alegres; bebiam e dançavam.
Enquanto isso, eu e minhas primas estávamos sobressaltadas, e nem sequer conversávamos uma com as outras.
Durante o baile dancei bastante com Luís Pedro, mas pouco com Zé Sereno, evitando assim aproximar-se muito dele, na inútil tentativa de tirar da sua cabeça a idéia de levar-me consigo.
Os cangaceiros beberam a noite toda; Balão sempre presente tocando sua gaita de boca, muito alegre e sorridente.
Já às seis horas da manhã, Neném aproximou-me de mim e disse-me:
- Agora você vai embora, Sila. Zé Sereno mandou lhe dizer que é para você ir agora, assim, do jeito que você está.
Saí com todos, só com a roupa que vestia. Sentia-me como que suspensa no ar, numa horrível sensação de medo, pavor, incerteza e ainda a saudade imensa da minha casa, dos meus irmãos, enfim, de todos. Imaginava o que devia acontecer, se me deixassem no mato, ou em algum lugar que eu não conhecia. Caminhávamos pelo mato afora, todos calados.
Em verdade, há quinze dias Zé Sereno já estava decidido a levar-me. Do jeito que estava decidi arrumar uma oportunidade para dirigir-me a ele e falar-lhe. Fiz questão de não me arrumar. Entendia que, quanto pior me apresentasse, melhor seria. Nenhum cuidado especial. Mal passei o pente no cabelo; nos pés um par de alpercatas velhas e um vestido surrado no corpo. E lá fomos nós.
No caminho atravessamos um riacho que, devido às fortes chuvas da época, estava muito cheio. No meu nervosismo, caí na corrente pelo menos duas vezes. Caía e levantava-me cada vez mais desconsolada. Mas, ao mesmo tempo, satisfeita por achar que agora sim iria causar má impressão ao cangaceiro. Parecia até um pinto molhado ao final da caminhada.
- Ó xente muié, voismicê tá toda ensopada! Num tá chovendo! Tu caiu no ribeirão?
O medo me fez perder a voz; não conseguia pronunciar uma só palavra. O coração parecia querer saltar do meu peito.
Alguns dos homens fizeram cara de riso. Zé Sereno olhava-me hipnotizado. O vestido molhado colara-se ao meu corpo e desenhava minha silhueta. Eu não sabia onde ocultar minha face, tal a vergonha que sentia.
- Óia mocinha – disse ele -, eu num sou onda pra mode tá cumendo gente! Voismicê pode ficar a vontade. Ninguém vai lhe fazer mal argum. Nóis só tamo cunversando. No meio da gente só tem muié decente. Tudo pessoa de valor: Dona Maria Bonita, Dona Dadá de Curisco, Neném de Luís Pedro, Enedina e outras.
Via-se claramente que ele procurava manter a calma. Mas estava aborrecido. Levantou-se e foi até a sua barraca. De alguns bornais retirou alguns anéis de ouro e dois vidros de água de cheiro.
Ali, deu início a uma cerimônia que, sem dúvida alguma, era uma simpatia. Mandinga, feitiço, quem sabe? Passando-me uma sandália sua, deu-me ordem para que a calçasse no meu pé esquerdo. Atendi-o em silêncio, e, mesmo não entendendo a razão daquilo, fiquei desconfiada. Em seguida, obedecendo sua determinação, acompanhei-o até uns umbuzeiros que ficam a meia distância da casa. Ali Zé pronunciou algumas palavras ininteligíveis, enquanto aplicava passes em minha cabeça e ao longo do meu corpo.
O que significava toda aquela cerimônia? Jamais o soube, pois nunca falamos sobre isso.
* * *
Luís Pedro levantou-se meio escabreado, sacudiu Neném e mandou-a levantar-se. Neném acenou-me em cumprimento e, percebendo o meu vestido, perguntou-me se eu pensava em viajar daquele jeito. Respondi-lhe que só possuía vestidos na bagagem. Ela foi até as suas coisas, tirou de lá um culote e entregou-o a mim, dizendo:
- Voismicê é do meu tamanho. Um pouco mais magra, é verdade, mas do mesmo tamanho. Tome aqui. Vista até que seu homem lhe compre um pano bonito, pra mode voismicê costurar o seu.
Saímos todos pelas veredas quase fechadas da caatinga, aparentemente sem destino. Todos caminhavam calados.
Sentia-me como em outro mundo – triste, isolada de minha família, desiludida e amedrontada. Por não conhecer toda aquela gente estranha, sentia vontade de chorar. Apenas prestava atenção a tudo que se passava ao meu redor.
Dessa forma andamos o dia todo a pé. Ao meio dia eles assaram carne e a comeram com farinha de mandioca. Eu não me alimentei; não tinha fome, estava desolada.
À tardinha Neném aproximou-se de mim para conversar. Diante da situação tive uma súbita reação: uma crise de choro tomou conta de mim. Ela então me disse:
- Não chore que é pior.
Procurei inibir meu choro, esperando que Zé sereno dissesse algo – mas ele não se manifestou.
Com a chegada da noite, Zé tratou então de arranjar uma coberta; estendeu-a no chão e deitamos sobre ela. Tive de obedecê-lo e dormir com ele. Assim foi a primeira noite.
Este lugar onde dormimos ficava perto de Pinhão, no Estado de Sergipe.
De manhã caminhamos mais um pouco, até chegarmos a uma fazenda, da qual nunca soube quem era o proprietário. Lá os cangaceiros prepararam a comida. Neném chamou-me e disse:
- Menina venha comer, que assim, andando, sem se alimentar, ficará fraca e vai adoecer...coma alguma coisa.
Novamente começamos caminhar mato adentro. À medida em que andávamos, alguém ficava para trás e ia desmanchando os rastros, recolocando no seu lugar, inclusive, cada pedra que porventura fosse deslocada. Admirada perguntei:
Por que estão fazendo isso?
Para não deixar pistas pros macacos – Neném respondeu-me.
Que macacos? – perguntei.
Os macacos são os soldados, que perseguem os cangaceiros para porem fim ao cangaço. Nós os chamamos de macacos.
Esta foi minha primeira lição.
* * *
O café ficou pronto. Arroz tropeiro, rapadura, farinha e um pedaço de bode constituíam a refeição matinal. Preparavam-se para longa caminhada a pé e só esperavam comer na segunda metade do dia.
No cangaço havia o costume de os homens cozinharem, e às mulheres cabia a costura de roupas, de bornais e outras peças. No mais, davam a impressão de estarem ali como adorno.
"Eu confeccionava bornais e camisas; costurava bem e com bom gosto. Da primeira vez que vi Lampião, ele gostou tanto de um bornal que eu havia feito para Zé Sereno, que logo me encomendou um. Cumpri o seu desejo e, daquele dia em diante, passei a costurar todas as suas capangas." (Sila)
Marchávamos pela caatinga há horas. No céu, o sol quente de verão parecia querer torrar-nos. De vez em quando, porém, uma leve brisa vinha acariciar-nos o rosto, suavizando o ardor que nos queimava a pele.
Passos apressados, éramos doze seres de Deus. Mulheres, apenas duas: Neném e eu. Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro eram os três novos cangaceiros que integravam o grupo sob comando de Zé Sereno, todos eles meus irmãos consaguíneos . Acredito mesmo que entraram no cangaço para não me deixarem sozinha. Assemelhava-se a guarda-costas meus.
Os apelidos era uma das marcas registradas do cangaço. Sila conta que o seu apelido vem desde a sua infância em Poço Redondo, dado por seu pai. Já seus irmãos Manoel (chamado "Du"), Gumercindo e Antônio Paulo receberam, respectivamente, os apelidos de Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro de Zé Sereno, na ocasião que ingressaram no seu bando e consequentemente no cangaço.
Vestindo culote verde, bornal da mesma cor, chapéu de aba virada e cravejado de medalhas – presente de Zé -, sendo a do centro de ouro maciço, eu já tomava ares de cangaceira. Além do chapéu, tinham-me entregue um Mouser e um punhal de tamanho médio, bordado a ouro e prata. Trajada daquele jeito, fazia figura bonita e agradava ao grupo. Era evidente a alegria que sentiam em contar comigo no bando. Eu, porém, não estava bem. Volta e meia, atrasava o passo e punha-me a chorar baixinho. Zé Sereno, numa dessas vezes, aproximou-se e disse-me, como consolo;
Óia, menina, o que tá feito num se pode desfazer. Ninguém vorta mais atrás. Seca os óio e guarda sua dor pra mais tarde.
Enchi-me de coragem e retruquei raivosa:
- Os óio são meus e choro o quanto quiser.
Zé deu de ombros e continuou a caminhada. Por largo tempo manteve-se calado. "Que ficasse com as suas birras", deve ter pensado.
Em coluna dupla o bando atravessava a caatinga. À frente viajava Luís Pedro, por ser o mais experiente dos homens. No fundo, as mulheres e, cerrando fila, Zé Sereno. Cabia a ambos evitar surpresas tanto à frente quanto na retaguarda.
Meus irmãos pareciam nervosos. Cada um deles levava um fuzil, mas nem sabiam como manejá-los. Eu, de minha parte, nem mesmo tinha idéia de como segurar a Mouser. Zé garantiu que, tão logo chegássemos ao coito, nos daria a primeira instrução de manejo de arma.
Volta e meia Zé Sereno aproximava-se de mim, mas, em princípio, não dizia nada. Ora trazia-me um cantil com água, ora um pedaço de rapadura ou um punhado de farinha. Calado sempre. Parecia estar efetuando reconhecimento de terreno – sondando-me.
A viagem prosseguia e o sol já ia alto no céu.
Já perto do fim da tarde chegamos a uns juazeiros; deu-se ordem de parada, indicando que passaríamos a noite ali. As tralhas de cozinha foram retiradas do lombo do burro e logo o fogão fumegava.
Enquanto isso Neném chamou-me para um banho na fonte. Estranhei a existência de uma fonte por ali, pois não vira sequer um fio de água no decorrer do dia. Distava uns trezentos metros de nosso acampamento. Luís Pedro mandou que um de seus homens mais experientes nos acompanhasse para proteger-nos.
Ao final sentia-me mais leve; havia tirado a poeira e o cansaço do corpo.
De volta perguntei a Neném:
- Vosmicê num tem medo de ser espiada no banho por um desses home, não?
Ó xente, e eles são doidos? – retrucou Neném – Só se quiserem perder a cabeça. Luís atira no meio dos óio do cabra da peste pra gastá uma bala só. Adispois, no cangaço, temos muito respeito pelos companheiros. Home ou muié.
Comemos à vontade, pois a comida era farta e a pinga saborosa. Naquela noite conheci o sexo. Experiência ruim. Lua de mel tão amarga quanto as amarguras sofridas por mim nos dois anos seguintes vividos no cangaço.
(Texto Transcrito da Obra: Angicos Eu Sobrevivi – Oficina Cultural Mônica Buonfiglio – 1997 – Pags. 24 a 32)

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