Por Luís Sucupira
Luís Sucupira e Jan Messias. Igreja de São Vicente, Mossoró(RN)
Mossoró não é
conhecida apenas pelas suas riquezas, pelo ouro branco e negro, mas pela
bravura e determinação de seu povo.
Mossoró, no
Rio Grande do Norte, fica bem no meio do caminho entre Fortaleza (240km) e
Natal (282km). A cidade sempre foi muito rica em sal, algodão e petróleo. Há
inúmeros poços de petróleo espalhados pela cidade e região. Em uma dessas
escavações encontraram uma fonte de águas termais onde hoje funciona o Hotel
Thermas.
Sal, petróleo, cultura e turismo. Isso também é Mossoró (RN)
Mas Mossoró
não é conhecida apenas pelas suas riquezas, mas pela bravura e determinação de
seu povo. Além de reduto cultural o município é marcado pelo Motim das Mulheres
(movimento contrario ao alistamento militar obrigatório para a Guerra do
Paraguai), pelo primeiro voto feminino do país, por ter libertado seus escravos
cinco anos antes da Lei Áurea e por ter colocado o bando de Lampião pra correr
e ter transformado um cangaceiro em santo. Foi nessa cidade que o mais temido
dos cangaceiros, Lampião, teve a sua mais dura e amarga derrota.
Praias lindas
e um lugar que tem muita história pra contar.
Voltemos no
tempo. O ano é 1927. O dia 13. Dia de sorte para os mossoroenses e de azar para
Lampião. O bandido resolve invadir a cidade mesmo sabendo que ela possui igreja
de duas torres, que é dedicada a Santa Luzia (Lampião era cego de um olho) –
sua padroeira – e que isso seria um risco grande por conta da sua superstição
de vir a acabar levando um grande castigo. Mas mesmo assim decidiu correr o
risco, pois a riqueza da cidade era tamanha que valia a pena pelo menos tentar.
Ao centro
Jararaca, um dos mais perigosos do bando de Lampião, capturado ferido e
enterrado ainda vivo.
No final da
manhã o bando entra na cidade. À frente estão Jararaca, Colchete e Menino de
Ouro. Eles entram cantando os versos da canção paraibana “Mulher Rendeira…” “Ô
mulhé rendeira!/ Ô mulhé rendá/ Me ensina a fazê renda/ Qu’eu te ensino a
guerreá…”
Mas a música
será interrompida pelos tiros disparados pela população da cidade que
entrincheirada resolvera reagir sob a liderança do então prefeito Rodolfo
Fernandes. Foram montadas sete trincheiras cuja missão era evitar que Lampião
chegasse ao centro da cidade e assim pudesse saquear Mossoró.
O tiroteio
começa repentinamente e é muito forte. Dura uma hora. Ao final desse tempo
estarão mortos Colchete e Menino de Ouro ( um dos cangaceiros mais queridos de
Lampião, dotado de uma bela voz). Jararaca, um dos mais temidos, estará ferido
e será capturado.
Contam que
Lampião ao ver que havia caído numa cilada ordenou a debandada, pois “igreja
que tem a bunda redonda e que até o santo atira, não é um bom lugar para
lutar”. E assim fugiram deixando para trás ‘Jararaca’ gravemente ferido.
Homenagem a
todos que lutaram contra o bando de Lampião.
O lugar que
Lampião se referia é a Igreja de São Vicente, lugar que ficava ao lado da casa
do então prefeito Rodolfo Fernandes e onde estava a principal trincheira. O
santo que atirava era alguém atrás da imagem de São Vicente que fica no
primeiro módulo da torre do sino da igreja (hoje está tapada) e acima outro que
disparava da ponta da torre onde ficava o sino.
O repórter do
jornal O Mossoroense, Fenelon Almeida, relata que Jararaca foi encontrado pelo
pequeno comerciante Pedro Tomé. Conta o repórter: “Ao aproximar-se da moita,
ainda para certificar-se da natureza dos sons que escutara, Pedro foi encontrar
um homem caído por terra, com as vestes ensanguentadas, respirando com
dificuldades, sentindo fortes dores no peito direito. Era um homem de cor,
compleição forte, ainda jovem. Era Jararaca, que caiu na Praça São Vicente se
arrastara até ali, numa tentativa de fuga. Mostrando-lhe o bornal que era
também a sua caixa-forte, Jararaca prometeu ao desconhecido pagar-lhe
generosamente, se ele encontrasse em algum lugar e lhe viesse trazer um pouco
de água, sal de cozinha e pimenta-malagueta. E também um canudo de mamoeiro”.
Pedro Tomé
prometeu atender-lhe o pedido. Recebeu o dinheiro de Jararaca e foi à procura
do primeiro soldado que descobrisse no caminho. Entre o instante do encontro do
comerciante com o cangaceiro ferido e a vinda dos soldados que o prenderam,
desapareceram o dinheiro, as joias e outros objetos de ouro e quase todos os
demais pertences do cangaceiro.
Já na
delegacia e atendido por um médico, Jararaca insistia em obter o canudo de
mamoeiro e pimenta-malagueta. Perguntaram-lhe como usar isso, e ele, explicou,
dizendo: “No bando, quando alguém recebe ferimento como este, sopra a
malagueta pelo canudo colocado na ferida. Sai a salmoura no outro lado. Arde
muito, mas a gente fica curado.”
Continua Fenelon:
“Jararaca dava sinais de que estava melhorando, mas sábado, dia 18 de junho de
1927, alta hora da noite, o capitão Abdon Nunes de Carvalho, retirara o
cangaceiro da cadeia, dizendo que ia levá-lo para Natal. Ao invés disso,
levaram-no diretamente para o cemitério local, onde uma cova estava aberta à
sua espera”.
Ponte sobre o
rio que divide a cidade.
Ao ordenarem
ao condenado que descesse do veículo e entrasse no cemitério, o motorista
Homero Couto ouviu quando Jararaca disse, a meia voz: -“Valha-me, Nossa
Senhora!” Ao ver a cova que lhe fora preparada, Jararaca tornou a falar: “Vocês
querem me matar. Mas não vou chorar de medo, não. Nem pedir de mãos postas pra
não me tirar à vida. Vocês vão ver como é que morre um cangaceiro”.
“Não havia
ódio nos gestos e palavras de Jararaca. Havia desprezo, muito desprezo; não
ódio.” Foi o que relatou o repórter Lauro da Escóssia, que entrevistou um dos
matadores de Jararaca.
O bandido estava
com as mãos amarradas às costas. Primeiro, uma coronhada na nuca. Em seguida um
golpe de sabre esfacela a garganta. Ainda se debatendo Jararaca foi pisoteado e
depois teve o corpo empurrado o interior da cova. Imediatamente, cobriram-no de
terra quando ele ainda estava de olhos abertos.
Alguns anos
depois Jararaca foi mote de uma graça alcançada por Neide Santiago, funcionária
da Estrada de Ferro de Mossoró, que em agradecimento ergueu um túmulo ao
cangaceiro. A onda espalhou-se e hoje é o túmulo mais visitado de Mossoró. Na
lápide está escrito: “Aqui Jaze José Leite de Santana, vulgo ‘Jararaca’. Nasceu
em 1901- Faleceu-19-06-1927”.
Mossoró Moto
Show - um ótimo encontro de motociclistas.
Nessa cidade
acontece também o Mossoró Moto Show, promovido pelos Carcarás dos Asfalto, um
dos maiores e mais bem organizados encontros de motos do Nordeste. Todas as
motos reúnem-se na Estação das Artes onde fica o Museu do Petróleo e está entre
a Igreja de Santa Luzia e a de São Vicente.
Mais uma
aventura por este Nordeste de meu Deus!
Eu e Jan
Messias pudemos sentir de perto o clima daquela luta e imaginar como foi
corajoso o prefeito Rodolfo Fernandes e seus valentes comandados. Mossoró é uma
cidade rica em cultura, em sal, petróleo, em belas praias e em coragem, pois
para proteger tanta riqueza e beleza não precisam de mais nada além do seu
povo. Meu amigo, quem botou Lampião pra correr e fez até cangaceiro virar santo
é capaz de fazer até mesmo aquilo, que todos nós, chamamos de “impossível”.
Fonte: Fotos:
Jan Messias, arquivo do Memorial da Resistência Reportagem: Luis Sucupira
Agradecimentos - Make Safe - Alarmes presenciais e Nikkei Motos Kawasaki.
http://www.motonline.com.br/mossoro-a-terra-que-colocou-lampiao-pra-correr/
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