*Rangel Alves
da Costa
Escrever sobre
o cangaço é apaixonante. Herdei de meu pai Alcino Alves Costa o gosto pela
história, pela saga matuta, pela pesquisa da terra em flor e sangue e do homem
na sua desvalia de sol maior. E também na sua esperança. Sei que jamais
alcançarei o seu mérito nem o seu reconhecimento, que os amigos cuidaram de
eternizar pelas vastidões nordestinas (e mundo afora!), mas sei que faço minha
parte como contribuinte da História. Escrevendo um tantinho aqui outro ali, de
repente surge algo que possa ser compreensivelmente lido. E de vez em quando
sou agraciado com reconhecimentos tais como este do site Tok de História, onde
um texto de minha autoria, intitulado “Cangaço”, foi reproduzido a partir de
pesquisa feita pelo profícuo escritor Rostand de Medeiros. Eis o texto:
“O cangaço já
foi estudado de trás pra frente e da frente pra trás. Está nos livros de
história, nas enciclopédias e dicionários, no cordel, no cinema, na televisão,
na cantoria, nos inúmeros estudos publicados por pesquisadores do tema. Contudo,
mesmo sendo tratada à exaustão, a fonte parece não estar esgotada.
E a fonte
cangaceira nunca se esgota porque vai surgindo, a cada dia, uma nova tese, um
novo ponto de vista, um novo e acirrado debate. Cite-se, por exemplo, os
seminários e encontros sobre o tema, onde novos estudos são apresentados,
abrindo novas perspectivas de conhecimento e de discussão. Contudo, abordagens
mirabolantes, muitas vezes.
Os debates se
ampliam pela própria instigação que o cangaço produz. Logo chega um pesquisador
com novas conclusões sobre o que aconteceu na Gruta de Angico, a 28 de julho de
1938, quando Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros foram chacinados
pela volante comandada pelo Capitão João Bezerra. Mas outro logo rebate o
estudo, afirmando, também com elementos novos, que a dita chacina de Angico não
passou de uma grande armação da genialidade de Virgulino.
Já outro diz
que determinada batalha entre cangaceiros e volantes jamais poderia ter
ocorrido naquela data e naquele lugar. E por isso, por isso e mais isso. Há o
que defende a amizade havida entre os dois capitães, Lampião e João Bezerra, o
que, por si mesma, já derrubaria a tese de a chacina ter acontecido naqueles
moldes. Se realmente aconteceu. E ainda outro sustenta, jurando por pai e mãe,
que o grande cangaceiro morreu centenário lá pelas bandas não sei de onde.
E tudo isso
vai virando livro, sendo repassado como verdade. Entretanto, enquanto pesquisa,
a grande maioria tende a ser refutada mais tarde, com o surgimento de novos
estudos cangaceiros e a convalidação cada vez maior de outros já desenvolvidos.
Tais fatos, contudo, ao invés de enriquecer a história do cangaço, acabam
empobrecendo-a, vez que grande parte dos estudos surgidos não deveria nem ser
publicada se os seus escritores tivessem um pouco mais de senso de
responsabilidade com fenômeno tão sério e tão marcante na história nordestina e
brasileira.
E talvez me
inclua entre os irresponsáveis da história, vez que já desenvolvi um trabalho
ficcional (ainda não publicado) dentro da possível realidade cangaceira. Nesta
obra, crio situações inexistentes, brinco com o acontecido, acrescento
elementos fantasiosos entremeando os fatos históricos. Mas irresponsável até
certo ponto, pois não escrevi a ficção para que passasse como verdade. Pelo
contrário, quem lê minhas histórias e relatos logo sente que tudo não passa de
uma criação literária na fonte profícua do cangaço. Diferencia-se, pois, da
irresponsabilidade premeditada, como vem ocorrendo em algumas publicações
estapafúrdias.
Voltando às
pesquisas e novos escritos, urge acrescentar que muitos trilham uma nova opção
de estudo, e esta baseada em fatos particulares dentro da amplitude contextual.
Entretanto, o destrinchamento da história, ou a opção por analisar fatos
particulares, acaba ofuscando o contexto geral do cangaço. Ora, o cangaço não é
só a Gruta do Angico, o Fogo da Maranduba, o Raso da Catarina, a suposta
traição do coiteiro, as vestimentas e costumes cangaceiros, os conchavos
coronelistas. Mas a junção disso tudo e muito mais. Ao particularizar demais a
história, terminam incorrendo no erro de não possibilitar uma visão mais geral
sobre o fenômeno.
Obra prima ou
não, verdade é que Billy Jaynes Chandler trilhou pelo caminho do todo, ainda
que devesse ter abordado também outros temas dentro do mesmo contexto. Buscou
as afluências cangaceiras através da história de Lampião. Outros autores, ainda
que pretendam possibilitar uma visão geral do fenômeno, acabam priorizando
fatos e, o que é pior, tomando partido, procurando analisar a crueza a partir
de ideologias próprias. Proliferou-se ainda uma história particularizada, onde
personagens do cangaço ou do contexto cangaceiro têm suas vidas narradas em tom
biográfico.
Talvez
evitando destrinchar minuciosamente aquela imensa colcha de retalhos
nordestina, com labirintos e veredas até hoje desconhecidas, optam por cuidar
do tema através de seus personagens, de episódios ou de aspectos. Neste
sentido, livros sobre o perfil de Lampião, de Maria Bonita e demais
cangaceiros, sobre soldados da volante, sobre a estética cangaceira e até sobre
a sexualidade daqueles viventes das caatingas.
Tudo isso é
válido e de inestimável valor como objeto de pesquisa, ainda que muitas obras
não passem de arremedo literário ou de puro enojamento e cinismo, como ocorreu
com o famigerado livro “Lampião – O Mata Sete”, de um autor sergipano. Do mesmo
modo, não creio que mereça um justo reconhecimento obras que apenas procuram
citar os estudos já desenvolvidos por outros autores, sem que os autores
desenvolvam uma linha de raciocínio própria e jamais tenham conhecido de perto
qualquer trilha cangaceira, ou mesmo bebido na fonte dos acontecimentos.
Voltam-se demasiadamente para as pesquisa bibliográfica e abdicam do estudo de
campo e outras técnicas e fontes de investigação.
Ademais,
forçoso é admitir a falta de um fôlego maior entre os estudiosos e
pesquisadores, principalmente os mais jovens. Para se ter uma ideia, os livros
essenciais sobre o cangaço já datam de muito tempo. Antes mesmo de Chandler – e
mesmo depois -, alguns autores brasileiros produziram textos profundos sobre o
tema. E dentre eles Maria Isaura Pereira de Queiroz, Melchiades da Rocha,
Ranulfo Prata, Rui Facó, Frederico Bezerra Maciel e Frederico Pernambucano de
Mello. Só para citar alguns.
Na verdade,
existem muitas obras que realmente procuram adentrar no cerne do fenômeno para
compreendê-lo e explicá-lo. Mas há um porém nisso tudo. Por que, até o
presente, não há um entendimento mais generalizado e mais coerente sobre o
cangaço? Ora, não se trata de uma história que possa ser contada segundo o
desejo ou a tendência do pesquisador. No cangaço, ou foi ou não foi, e está
acabado. O problema todo reside no fato da desconstrução do conhecido para
forjar o surgimento do duvidoso.
Mas devemos
reconhecer que não é tarefa fácil empreender um estudo mais aprofundado sobre o
cangaço. O próprio conceito, até hoje, ainda não foi delimitado, ainda não se
chegou a um consenso sobre o que realmente foi, o que objetivou e qual o seu
significado. Para se ter uma ideia, basta folhear alguns livros ou
enciclopédias para encontrar conceitos ora afirmando ter sido o cangaço um
movimento social, ora um tipo de reles banditismo, ou ainda um virulento grupo
de homens armados, dentre outras acepções.
Um destes
conceitos diz que o cangaço foi um fenômeno social ocorrido no Nordeste
brasileiro, de fins do século XIX até 1940, motivado pelas condições
político-sociais peculiares da região, tais como a estrutura feudal da
propriedade agrária e o atraso econômico. Caracterizou-se pelo aparecimento de
grupos de bandoleiros errantes, que percorriam o sertão saqueando fazendas e
cidades e lutando contra bandos rivais e polícia. Assim está no verbete da
Enciclopédia Universal Gamma.
Outra
conceituação recorrente diz que o cangaço é fruto do cenário de seca, fome,
concentração de terras e mandonismo instalados no Nordeste brasileiro. E cita
que as lutas entre famílias poderosas motivo o uso de armas, fato que ficou
conhecido como cangaço temporário. No passo seguinte, a violência deixa de ser
gerada por guerras particulares para se transformar no que se tem por cangaço
permanente. Contudo, não vejo com correção que se pretenda dividir o cangaço em
temporário e permanente, ou mesmo noutras divisões. E também errôneo, vez que
as rixas entre famílias poderosas não devem ser vistas como gestação
cangaceira. A não ser pelo uso do jagunço sertanejo para resolver os problemas
de sangue.
Já outra
conceituação, esta voltada para a origem do termo cangaço, afirmando que este é
o conjunto de armas que costumam conduzir os bandoleiros nordestinos. Sinônimo
de banditismo, de celeramento, de atrocidade, o nome cangaço vem de canga,
porque o bandoleiro antigo se enchia de armas, trazendo o bacamarte passado
sobre os ombros como uma canga; e, assim, se dizia que andava debaixo do
cangaço.
Há ainda
definições colocando o cangaço como sendo um movimento social ocorrido no
sertão nordestino durante o fim do século XIX e início do século XX; como um
fenômeno nordestino integrado por nômades que usavam violência para cometer
crimes na região; como um bando de homens armados conhecidos como cangaceiros;
como um fenômeno social, caracterizado por atitudes violentas por parte dos
cangaceiros, que andavam armados e espalhando o medo pelos sertões.
E, ainda, a
concepção do cangaço como um tipo de luta armada ocorrida no sertão nordestino
até os anos 40 do século passado, contando com grupos de homens armados que
vagueavam pela região em busca de meios de sobrevivência e enfrentando
poderosos com o uso de armas e desmedida ferocidade. Por fim, como um
tipo específico de banditismo que se desenvolveu no sertão nordestino, levado a
efeito por cangaceiros – bandos de malfeitores, ladrões, assassinos, bem
armados, conhecedores da região -, que assolavam e destruíam, impunemente, tudo
por onde passavam.
Concepções
desse tipo, aproximadas ou muito distantes da realidade, somente surgem pela
falta de uma conceituação geral e consensualizada proporcionada pelos próprios
pesquisadores e estudiosos. Mas não, o que se verifica são abordagens tão
diferenciadas que acabam permitindo interpretações as mais contraditórias
possíveis. E muitas, infelizmente, tratando o cangaço sob a ótica do puro
banditismo ou da sangrenta marginalidade. Ora, há muito mais nessa teia que a
aranha sedenta de sangue. Não se pode esquecer o casulo das injustiças
alimentando a prática.
Creio que a
conceituação do cangaço, pois, deve alcançar, em primeiro lugar, a sua
visualização como um caso peculiar de força maior. Um inevitável acontecimento.
Ou eclodia ou eclodia. Não foi movimento porque não nasceu organizado; não
surgiu como fenômeno porque já estava enraizado. E também não foi uma reles
expressão do banditismo, a não ser que se tenha como bandido comum o sertanejo
que se embrenha nas caatingas para lutar, ainda que não saiba realmente contra
quem ou o que. É, pois, na sua raiz que o cangaço deve ter o seu conceito
iniciado. Ora, não se encontra outra motivação para o seu surgimento senão como
um inevitável acontecimento, e fruto de uma força maior.
A força maior
que serviu como estopim já estava semeada no sertão nordestino. E com grãos
diferenciados. Foi a junção desses grãos, então denominados perseguições,
injustiças sociais, rixas particulares e indignações contra o sistema estabelecido,
que acendeu a chama do pavio. E na mão de um condutor, um homem vitimado por
tais mazelas, a chama logo se transformou em fogueira. E isto desde o seu
início nos tempos de antanho, pois quando Lampião entrou na luta, lá pelos
inícios da década de 20 do século passado, a estrada já havia sido percorrida
por outros bandos. No caso do Capitão, à persistência daquelas mazelas se
somaram rixas familiares e acusações criminosas. Outro estopim, e o mais violento de todos.
Desse modo,
tem-se até aqui o estopim ou a força maior diante da insuportabilidade frente
às mazelas de então como fato gerador e suas motivações. E se daí em diante a
vida dos rebeldes passou a ser no meio do mato, de vez em quando fazendo
investidas nas povoações e propriedades, sendo perseguidos pela polícia,
revidando e fugindo de novos ataques, tem-se então o terceiro ponto da
conceituação: a vida errante em meio a perseguições e ataques.
Nesse
entremeio, contudo, muitos outros fatores poderiam ser observados, tais como as
características da liderança cangaceira, os pactos firmados entre os ditos
bandoleiros das caatingas e poderosos, a arregimentação de novos elementos ao
bando, as estratégias e planos, as influências na vida sertaneja, as ações
cangaceiras em si. Mas não serviriam num conceito sintético, e sim num estudo
mais aprofundado.
Tais
entremeios devem dar lugar, pois, ao modo como se manifestou durante sua
existência. E as consequências enfrentadas pelos rebeldes das caatingas todo
mundo conhece. O que aconteceu em 38 na Gruta do Angico é o exemplo mais
célebre do fim do ciclo cangaceiro. Os primeiros grupos cangaceiros, ou
rebeldes primitivos, no dizer de Hobsbawn, também não suportaram a continuidade
da luta e tiveram o seu inexorável fim.
O terceiro e
último aspecto que não pode faltar numa conceituação diz respeito ao seu
significado. O que a armada rebeldia sertaneja representou historicamente? Qual
a contextualização do cangaço dentro da vida social e política brasileira? O
cangaço refletiu, ao menos em parte, as veladas contestações sociais de então?
A existência do cangaço foi importante ou não, e a que serviu? Por que a
realidade cangaceira é tantas vezes transformada em substrato mítico?
Logicamente
que tais respostas não caberiam numa síntese conceitual. Mas podem ser sintetizadas
para possibilitar uma visão geral do seu significado. Então, sinteticamente,
qual o significado do cangaço? Eis a questão. Com uma resposta, porém. E tal
resposta no sentido de afirmar que o significado maior do cangaço foi ter se
contraposto ao sistema vigente com o auxílio do próprio sistema, e este
representado pelas autoridades e poderosos.
Nesse passo,
não há que se negar que a rebeldia cangaceira se manteve atuante por tanto
tempo, com as vitórias e reveses próprios de toda luta, porque teve a
colaboração de uma rede de poder então estabelecida. Eis que o cangaço foi
amigo do coronel, do latifundiário, da autoridade política, de gente com grande
influência no sistema dominante. E dizem que até mancomunado com o seu algoz
perseguidor, que era a volante, através de seu comando. Daí o seu poder de
continuidade de luta em situações tão adversas e em meio tão inóspito.
O cangaço,
pois, principalmente o bando de Lampião, foi auxiliado por gente muito
poderosa. Inegável que o Capitão possuía uma rede de influência de inestimável
valia. O próprio Padre Cícero Romão, o Padim Ciço de Juazeiro, havia, em nome
da Guarda Nacional e com a pretensão de combater a Coluna Prestes (o que jamais
aconteceu), lhe outorgado a patente que ostentava. Mantinha contatos, através
dos seus amigos coronéis, com as lideranças governamentais e políticas. Não se
pode negar que o poder também agia com cumplicidade na questão cangaceira.
Logicamente
que era uma relação das mais perigosas, entremeada de falsidades e delações,
num verdadeiro jogo de proteção e espionagem. Mas nem todos agindo com traição,
ainda que muitos fizessem o jogo duplo. Na verdade, Lampião possuía um pacto
tão forte com a oligarquia que bastava enviar uma missiva por um dos coiteiros
e tudo o que desejava era providenciado. Quando a coisa era pouca, logo chegava
um carregamento de armas e munições, dinheiro vivo e tudo mais que o bando
precisasse. Mas se a urgência era pra resolver problema maior, então o coronel
passava a interceder perante as outras autoridades.
Não há como
pensar diferente. O grupo comandado por Virgulino não era pequeno e nem vivia
sempre escondido nas brenhas sertanejas, de modo que não pudesse ser encontrado
e dizimado pelas forças policiais. Por mais que trilhassem veredas de difícil
descoberta, certamente que os seus perseguidores conheciam seus coitos e
esconderijos. Neste aspecto, também se diga que o sertanejo amedrontado também
delatava o bando. Havia os amigos fiéis e as falsidades em cada canto.
Desse modo, se
o bando de Lampião, por exemplo, não teve o seu fim antecipado, isto se deve à
proteção que possuía das autoridades e poderosos. Ora, numa estrutura
hierárquica de mando, bastava que um coronel dissesse que na sua região não
admitia perseguição ao bando do Capitão que toda força policial freava o seu
passo. Sem esquecer também da possível amizade havida entre o líder perseguidor
e o líder dos perseguidos. Acho tal hipótese pouco provável, principalmente
diante do ocorrido em Angico naquela madrugada sangrenta. Mas enfim.
No conceito do
cangaço, entretanto, certamente seria descabido afirmar acerca do cotidiano da
luta por entre veredas espinhentas, em meio às armadilhas da mataria, debaixo
da lua bonita e do sol inclemente. A vida cangaceira em si era muito mais
difícil do que se possa imaginar. É fantasioso pretender caracterizar um
cotidiano de perseguições, ataques, defesas, contra-ataques, temores, absoluta
vigilância e desconfiança de tudo, como algo romântico e atrativo. Muito pelo
contrário, a realidade vivenciada era de extremo espanto, ainda que a vida de
vez em quando encontrasse espaço para a cantiga matuta, a celebração da
existência e os amores escondidos.
Mas até quando
iria essa luta inglória? Até quando o bando de Lampião continuaria, ao modo do
preá e do bicho afoito do mato, correndo de lado a outro, trilhando veredas
catingueiras e fugindo das arapucas para sobreviver? Muitos estudiosos afirmam,
e também vejo como verdade, que o Capitão já estava cansado disso tudo. Não
desistido, não derramado o balaio de sonhos impossíveis, mas simplesmente
compreendido que já estava na hora de descansar. Talvez de vez em quando
olhasse para os seus, para os tantos meninos e meninas ainda na flor da idade,
e pensado quanto era injusto e cruel continuar naquela vida de contínuo
desassossego. Era demasiada inquietação em tudo que se fazia. Um sofrimento
infindo.
Talvez também
o Capitão soubesse que jamais sairia vivo da mata sertaneja, que jamais poderia
ter outra vida senão de arma na mão, de olho atento à moita adiante, na
desenfreada correria pela sobrevivência. E, se assim pensou, também percebeu
que não adiantava mais sair de um refúgio a outro. Pressentindo que o seu fim
estava próximo, vez que os céus sertanejos pressagiam as coisas da vida e da
morte, ali na Gruta do Angico permaneceu esperando a vela ser acesa. Foi acesa,
deu estampidos e se apagou. E também o Lampião.
Mas voltemos
ao problema da justa e abrangente conceituação do cangaço. Foi dito que a
conceituação deve envolver alguns aspectos essenciais para a compreensão do seu
contexto. Apontei, dentre outros fatores, algumas premissas que devem ser
observadas, e que foram o fato gerador ou o ponto de nascedouro do cangaço, as
motivações para o seu surgimento e existência, e, por último, o seu significado
no contexto histórico brasileiro.
Do mesmo modo,
foi observado que o fato gerador foi a eclosão no sertanejo de sua força de
indignação e revolta. Chegou ao ponto de insuportabilidade, e daí em diante se
deu o início da luta armada. Contudo, foram as motivações que levaram à
insuportabilidade. E tais motivações foram apontadas como sendo, dentro outras,
as perseguições, as injustiças sociais, rixas particulares e indignações contra
o sistema estabelecido. Por último, na tentativa de estabelecer o seu
significado, foi dito que o cangaço, diante das relações que manteve com o
poder, alcançou a relevância histórica que mantém até hoje.
Mas se não foi
nem movimento nem fenômeno, o que teria sido o cangaço? Se não deve ser
caracterizado como banditismo nem como um reles covil de brutais assassinos,
qual a melhor feição a lhe ser dada? Difícil asseverar com precisão, mas creio
que uma insurgência armada levada adiante por rebeldes sertanejos contra o
sistema estabelecido. Tanto diante do poder pessoal, gerador de disputas
internas, como do poder governamental. Este injusto e escravizador.
Mas que não se
tenha como conceito. Esta missão confiarei aos estudiosos e pesquisadores. Sou
incapaz de fazê-lo com precisão. Sou apenas um matuto de Poço Redondo, filho de
um caipira também de lá, de Alcino Alves Costa, o Caipira de Poço Redondo. Este
sim, este soube refletir e analisar com maestria o mundo cangaceiro”.
O texto
pode ser acessado em https://tokdehistoria.com.br/2016/04/29/cangaco/
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