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A noite em que
Padre Cícero conversou com Lampião
Ali estavam,
frente a frente, pela primeira e única vez, Lampião e Padre Cícero, os dois
maiores mitos de toda a história nordestina. Uma terceira figura mitológica era
indiretamente responsável por aquele encontro inusitado:
Luis Carlos Prestes - molinacuritiba.blogspot.com
Luís Carlos Prestes, o
comandante da Coluna Prestes, movimento militar guerrilheiro que desde o ano
anterior serpenteava pelo interior do país, enfrentando as tropas do presidente
Artur Bernardes.
Quando a marcha da coluna revolucionária rumou para o
Nordeste, o governo federal não teve dúvidas: convocou os chefes políticos
locais para formarem exércitos próprios e combater os rebeldes. No livro O
General Góes Depõe, da década de 1950, o próprio general Góes Monteiro, chefe
do Estado-Maior das operações contra a Coluna, assume que partiu dele a ideia de convocar jagunços e cangaceiros para fazer frente ao avanço de Prestes.
Floro Bartolomeu e Padre Cícero - onordeste.com
No
Ceará, coube ao deputado Floro Bartolomeu, médico e aliado político do Padre
Cícero, fazer o convite oficial ao bando de Lampião para se engajar no
“Batalhão Patriótico”.
Em fevereiro de 1926, Padre Cícero ainda tentou uma
solução pacífica. Enviou aos revolucionários uma carta em que os incitava a
depor armas. Em troca, prometia-lhes abrigo em Juazeiro do Norte (CE), onde
teriam garantias legais de que seriam submetidos a um tratamento justo. De
acordo com o relato de Lourenço Moreira Lima, secretário da Coluna
revolucionária, a mensagem foi recebida. “Tivemos a oportunidade de ler essa
carta, escrita com uma grande ingenuidade, mas da qual ressaltava o desejo íntimo
e sincero do padre no sentido de conseguir fazer a paz”, escreveu Moreira Lima
em seu diário de campanha, publicado em 1934. O pedido, como se sabe, foi
ignorado.
Quando Lampião chegou no dia 4 de março à cidade de Juazeiro do
Norte, atendendo ao chamado de Floro, este não se encontrava mais por lá.
Doente, o deputado federal viajara para o Rio de Janeiro, onde acabaria
morrendo.
Padre Cícero se viu então com um problema nas mãos: recepcionar o
famoso bandido e seus cabras na cidade e, mais ainda, cumprir o que havia sido
combinado entre Lampião e o deputado, com a devida aprovação do governo
federal: o cangaceiro deveria receber dinheiro, armas e a patente de capitão do
“Batalhão Patriótico”. Lampião e outros 49 cangaceiros ocuparam uma casa
próxima à fazenda de Floro, nas imediações da cidade, e, em seguida,
alojaram-se em Juazeiro do Norte, no sobrado onde residia João Mendes de
Oliveira, conhecido poeta popular da região.
Foi lá que, da janela, Virgulino
atirou moedas ao povo e onde, durante a madrugada, Padre Cícero encontrou o
bando. Os bandidos, ajoelhados em deferência ao sacerdote, teriam ouvido o
padre tentar convencer seu líder a largar o cangaço logo após voltasse da
campanha contra Prestes. Mandou-se então chamar o único funcionário federal disponível
na cidade, o agrônomo
Pedro Uchôa - tokdehistoria.wordpress.com
Pedro de Albuquerque Uchoa, para redigir um documento
que, supostamente, garantiria salvo-conduto ao bando pelos sertões e,
principalmente, concedia a prometida patente. O papel, como Lampião viria a
descobrir tão logo saiu da cidade, não tinha qualquer valor legal, o que não o
impediu de assinar, daí por diante, “Capitão Virgulino”. Ciente da desfeita, o
cangaceiro não se preocupou mais em dar combate à Coluna Prestes. Já obtivera
dinheiro e armas em número suficiente para seguir seu caminho de bandoleiro,
agora ostentando orgulhoso a falsa patente militar. Mais tarde, o agrônomo
Uchoa justificou seu papel no episódio: diante de Lampião, assinaria qualquer
coisa. “Até a destituição do presidente da República”, disse.
http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/lampiao-dragao-maldade-436085.shtml