Por Lucivânio Jatobá
Há uma palavra que sintetiza com muita propriedade um homem que conheci através
da apresentação de um grande amigo potiguar, o prof. José Lacerda Alves Felipe:
Mecenas. E´ a respeito desse Homem que redigi alguns parágrafos agora.
José Lacerda Alves Felipe
Estava eu começando a minha carreira universitária, no final da década de 1970,
quando Lacerda levou-me a Mossoró, para proferir uma palestra naquele lindo
município sertanejo potiguar.
Sentado na plateia estava um senhor forte, com certo ar sertanejo,
aparentemente imponente, esperando que eu começasse a minha exposição. O olhar
dele inquietou-me. Lacerda puxou pela mão e levou-me para conhecer aquele homem
simples, mas reverenciado por todos.
Dr. Vingt-un Rosado
- Lucivânio, este é o dr. Vingt-Un Rosado, da Escola de Agricultura de Mossoró.
Fiquei encantado logo nos primeiros minutos da conversa apressada com aquele
homem culto. Senti algo gostosamente esquisito nas palavras de Vingt-Un.
Pacientemente, o velho senhor do “País do Mossoró,” profundo conhecedor da
Geologia e da Geografia nordestinas, ouviu a palestra do jovem professor da
UFPE, inexperiente,que mal fizera 25 anos de idade. Ao término da minha
palestra, em que abordei coisas da Geomorfologia e da Climatologia do
semiárido, o velho senhor abordou-me e disse com tanta humildade:
- Prof. Lucivânio, o senhor se incomoda de me dar seu endereço residencial, por
favor?
Nascia ali uma amizade impressionante. Trocamos várias correspondências por
anos.
Dr. Vingt-Un dirigia, bom uma impressionante periodicidade, uma das mais
importantes coleções científicas deste país, a Coleção Mossoroense, que atingiu
a cifra de mais de 6000 publicações (números). Esquadrinhou quase todos os
assuntos relacionados à Geologia, à Climatologia, à Botânica etc dos Sertões
nordestinos. Trouxe à baila artigos raríssimos do início do Século XX, como os
de Luciano Jacques de Moraes, verdadeiras relíquias... E fazia questão de doar
essas preciosidades! Nada lucrava, do ponto de vista financeiro, com sua ânsia
incontrolável de divulgar as ciências; ao contrário, retirava de seu bolso
certas quantias de dinheiro para viabilizar publicações,
Poucas semanas depois do nosso primeiro contato, dr. Vingt-Un escreveu-me
gentilmente me pedindo um trabalho para a Coleção Mossoroense. Foi o meu
primeiro artigo científico publicado, numa época sem Currículo Lattes, em que
se escrevia não para dar peso no currículo, ou para satisfazer o burocratismo
Capeseano, mas pelo prazer de redigir para pessoas e divulgar ou popularizar
Ciências. Dr. Vint-Un publicou vários textos meus que guardo com excessivo
carinho.
Dr. Vingt-Un era um patrocinador de Letras, de Ciências e de escritores; um
estudioso da Geografia Física , um conhecedor dos mistérios da superfície e da
sub-superfície do País do Mossoró. Foi quem primeiro levantou a hipótese da
existência de Petróleo na Bacia Sedimentar do Apodi.
O mecenas a quem presto esta singela homenagem nasceu em 25 de setembro de
1920. Nos deixou exatamente no sai do solstício de verão de 2005, época em que
o Sol aparentemente tangencia o Trópico de Capricórnio e joga mais luz no
Hemisfério Sul. Um homem culto eternizou-se entre estrelas de primeira grandeza
no éter, e passou a iluminar as noites claras do País do Mossoró. Promoveu a
cultura com seus próprios recursos. Revelou pessoas. Difundiu saberes...
Ajudou-me a dar os meus primeiros passos na produção acadêmica. Foi leal até a
morte. Fez grandes amigos. Deixou um vazio incomensurável no mundo acadêmico.
Quando surgirá outro Homem com tal nobreza de caráter?
(Essa crônica é dedicada a José Romero de Araujo e José Lacerda Alves Felipe).
Lucivânio Jatobá. É Geógrafo.
Professor da Universidade Federal de Pernambuco.
Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço José Romero Araújo Cardoso.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com