Por Mulheres no Cangaço
“Esconde essa
aliança e casa com outro. Chico já morreu”. Era o que Jardelina Nóbrega
ouvia das pessoas aconselhando-a a desistir de se casar com Chico Pereira, que
virou cangaceiro. Jarda, como era chamada começou a namorar com Chico aos
12 anos, noivou aos 13, casou aos 14 e ficou viúva aos 17 anos de idade,
com três filhos pequenos. O caçula tinha apenas seis meses.
Sua vida daria
um filme, como já tentaram fazer. Tudo começou em 1920, na localidade de
São Gonçalo, Sertão da Paraíba, quando Jarda conheceu Chico, então com 20
anos, um pacato comerciante de cal. Filho do coronel João Pereira, pessoa
bem relacionada na redondeza. De repente, o coronel viu-se envolvido numa briga
na sua mercearia. E nela, foi morto o coronel. Uma morte
encomendada por questões políticas. Agonizante, João Pereira pediu aos filhos
que não queria vingança como ditava o código de honra da época.
Chico, o filho
mais velho conseguiu prender Zé Dias, que matou seu pai e o entregou à polícia
achando que assim a justiça seria feita. Mas na semana seguinte, Zé Dias estava
solto, para revolta de todos. Chico era insuflado pelo povo a vingar-se e ao
mesmo tempo não queria revidar, mas percebia a má vontade da polícia em prender
Zé Dias. Tinha receio de ser chamado de frouxo.
Então, o jeito
foi fazer justiça com as próprias mãos, como fez Virgolino. A cidade de Souza
perdeu a tranquilidade e a briga entre famílias Pereira e Dias
ganhava corpo. Chico vingou a morte do pai e tornou-se cangaceiro. Formou
um bando e sua vida mudou totalmente e a de sua noiva também. Passou a ser
foragido da polícia.
Entretanto,
sua preocupação maior era Jarda, sua noiva adolescente. Após uma longa
conversa com ela, alertou para o tipo de vida que levava e, se ela quisesse
desistir do casamento prometido, ele iria entender. “É com você que quero me
casar” , foi a resposta. E como seria esse casamento?
Conseguiram
celebrar por meio de procuração, na manhã de 26 de maio de 1925, na
igreja de Pombal. Jarda continuou morando com a família e os encontros com o
marido eram escondidos. Nasceu o primeiro filho, Raimundo. Depois vieram Dagmar
e Francisco. Houve uma menina, mas morreu prematura. Jarda teve uma vida
marcada por mortes trágicas: pai, sogro, cunhado e marido.
Chico Pereira
comandou vários ataques, inclusive com cangaceiros de Lampião. Passou seis anos
nessa vida até encontrar a morte misteriosa numa estrada do Rio Grande do
Norte, aos 28 anos de idade, a 24 de agosto de 1928. Uma morte até hoje não
esclarecida.
Jarda, com
três filhos pequenos, pensava o que seria dela. E dos filhos? Futuros
cangaceiros? Como iria educar os meninos com salário de professora rural? A
solução foi deixar cada um com um parente. Periodicamente viajava a cavalo para
ver os filhos. Uma vida sacrificada. Os três irmãos só se
encontraram bem mais tarde.
Certo
dia, recebeu um bilhete anônimo por meio de um cavaleiro desconhecido
montado num cavalo branco, quando estava pensativa no alpendre da casa. O
bilhete dizia:” Se queres ser feliz, perdoa seus inimigos”. Uma cena
quase irreal. E Jarda tinha muito a quem perdoar. Decidiu queimar todas
as cartas, livros de cordel, jornais, tudo que falava de Chico Pereira. Estava
queimando seu passado para salvar o futuro dos filhos, escreveu
Francisco no seu livro “Vingança, não”.
Os anos foram
passando e a primeira alegria veio com Raimundo que se formou em
engenharia civil no Recife. Depois, foi a vez de Dagmar, que se tornou frade
franciscano com o nome de frei Albano. Surpresa maior veio com
Francisco, ordenado padre em Roma, onde estudou. Com ele, a
alegria de Jarda foi maior, pois assistiu sua ordenação, recebeu bênção
especial do papa e a comunhão pelo próprio filho na sua primeira missa.
Jarda encontrou a felicidade através do perdão.
Dos três
filhos, apenas frei Albano está vivo, no Convento de São Francisco, em
Salvador, Bahia. Jarda ficou viúva para sempre e morreu em João Pessoa onde
morava e o filho Francisco também.
Jarda foi uma
Maria Bonita.
NOTA –
Conheci e convivi com dona Jarda desde menina até a idade adulta, na minha casa
e na da minha irmã mais velha, Wanice, casada com Raimundo com que ela
morou durante muito tempo. Dona Jarda, muito alva, cabelos castanhos, bonita e
vaidosa que me pedia para comprar batons de cores claras. Falava baixinho,
gostava de conversar e contava com naturalidade sua vida com Chico Pereira.
Demonstrava serenidade e nem parecia ter um passado sofredor. Os filhos diziam
que ninguém conseguiu ver Jarda chorar. Gostava dela.
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