Depois de onze anos de pesquisas e mais de trinta viagens por sete Estados do Nordeste, entrego afinal aos meus amigos e estudiosos do fenômeno do cangaço o resultado desta árdua porém prazerosa tarefa: Lampião – a Raposa das Caatingas.
Lamento que meu dileto amigo Alcino Costa não se encontre mais entre nós para ver e avaliar este livro, ele que foi meu maior incentivador, meu companheiro de inesquecíveis e aventurosas andanças pelas caatingas de Poço Redondo e Canindé.
O autor José Bezerra Lima Irmão
Este livro – 740 páginas – tem como fio condutor a vida do cangaceiro Lampião, o maior guerrilheiro das Américas.
Analisa as causas históricas, políticas, sociais e econômicas do cangaceirismo no Nordeste brasileiro, numa época em que cangaceiro era a profissão da moda.
Os fatos são narrados na sequência natural do tempo, muitas vezes dia a dia, semana a semana, mês a mês.
Destaca os principais precursores de Lampião. Conta a infância e juventude de um típico garoto do sertão chamado Virgulino, filho de almocreve, que as circunstâncias do tempo e do meio empurraram para o cangaço.
Lampião iniciou sua vida de cangaceiro por motivos de vingança, mas com o tempo se tornou um cangaceiro profissional – raposa matreira que durante quase vinte anos, por méritos próprios ou por incompetência dos governos, percorreu as veredas poeirentas das caatingas do Nordeste, ludibriando caçadores de sete Estados. O autor aceita e agradece suas críticas, correções, comentários e sugestões:
Certa vez escrevemos sobre o isolamento das nossas paisagens, sobretudo dos nossos riachos. Pequenos, médios, alongados, tão humildes no verão, tão alegres no inverno. Esquecidos pela humanidade tornam-se invisíveis como pessoas idosas nos recantos da casa. Somente os fatos relevantes negativos ou positivos, fazem-nos brilhar nos noticiários e nos interesses dos que buscam. Veias de uma rede que alimenta os grandes rios que nutrem os bravos oceanos. Exemplificamos um desses riachos da nossa terra, conhecido como João Gomes. Quando não havia ponte sobre ele no trecho Santana do Ipanema – Olho d’Água das Flores, bem que o nosso riacho tinha prestígio. No período chuvoso descia violento interrompendo o trânsito por vários dias seguidos. Aí sim, todos falavam sobre ele com respeito danado e medo de afogamento.
Foi às margens do João Gomes que nasceu o escritor Oscar Silva, tão bravo na sua sobrevivência quanto o riacho que o viu nascer. Mais tarde escreveria, em contexto, que nenhum geógrafo do Brasil o conheceria e nem iria conhecê-lo. Seu conterrâneo tornou-se geógrafo e o conheceu. Mas depois da ponte, de fato nunca mais houve manchete, assim como as eternas do riacho Ipiranga. Mas se o riacho João Gomes pensasse como gente, o que diria do colega de Minas Gerais, o córrego do Feijão? No Nordeste chamamos riacho, no Sudeste, córrego. Então, é melhor ser humilde e ter a honra de ter originado um filho escritor ou ter ganhado a fatalidade que ocorreu no Brumadinho? Tem a fama para cima, tem a fama para baixo. E, não podemos esquecer o poeta que disse: “Água corrente/água corrente/teu destino é igual/ ao destino da gente”.
E o meu Sertão continua repleto de capilares, de veias, de artérias, alimentando os grandes, os famigerados, os mitológicos, pavões atrativos do mundo. Fiquemos assim com a modéstia incondicional do João Gomes, do Camoxinga, Bola, Tenente, Salobinho, Desumano, Farias, Tigre, Jacaré que nutrem o Capiá, o Traipu, o Ipanema, o Riacho Grande... Suportes missionários do “Velho Chico”, nutricionista do Atlântico.
Se vivo estivesse, certamente o poeta Manoel Bandeira teria sua obra escorraçada e proibida na Venezuela. Seu poema “O bicho” passaria a ser inimigo do regime bolivariano e a sua declamação seria motivo de pena de morte, de fuzilamento em paredão.
Ora, nada diferente do que ocorreu com o jornalista Jorge Ramos, da Univision. O jornalista foi mostrar ao ditador um vídeo onde a população estava comendo lixo e prontamente teve seu material confiscado e hoje o próprio foi deportado.
Quer dizer, o ditador se sentiu afrontado pelo fato de o jornalista mostrar que o seu povo estava passando fome e comendo lixo, nos mesmos moldes de bichos vasculhando lixões para se alimentar. E o poema de Bandeira trata exatamente disso:
“Vi ontem um bicho na imundície do pátio, catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa não examinava nem cheirava: engolia com voracidade. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem”.
Na Venezuela, o bicho forçadamente gestado pelo desumano e insensível Maduro é também humano e tem que vasculhar restos, lixões e porcarias, para se alimentar. E sem a certeza de que conseguirá sobreviver em meio às atrocidades de uma tirania tão perversa quanto assassina.
Com efeito, o regime bolivariano imposto na Venezuela, aliado ao ditatorialismo tirânico de seu ainda mandatário maior, afeiçoa-se muito mais a um governo de extermínio populacional do que qualquer outra coisa.
Não seria errôneo dizer que só não está passando pelas agruras da fome, da falta de medicamentos e por todo tipo de sofrimento e aflição, aqueles que continuam sustentando o regime em troca de benesses.
A cúpula militar certamente se farta de carne de primeira e do bom e do melhor. A cúpula do judiciário se refestela com mesa farta e contas polpudas. A cúpula administrativa e da bajulação também não deixam de ser guarnecidos com o que há de melhor. O Palácio Miraflores continua esbanjando luxo, fartura e egocentrismos.
E o povo, o povo lá fora, desde o profissional liberal ao homem comum? Este está marcado para morrer. E morrer de fome, morrer por falta de mínima assistência, por falta de remédios, pela punhalada da desesperança e do medo. Crianças espalhadas em lixões, jovens e adultos brigando por sacolões de lixo, todos ávidos por algum alimento. E o que mais dói: sofrer calado e morrer calado!
Não há como fugir, não há como sair de debaixo das botas da tirania. Qualquer tentativa de salvação da própria vida, através de uma fuga desesperada, será motivo para a prisão e o esquecimento. Quer dizer, na Venezuela atual não há salvação. Para se manter no poder, o sofrimento do povo não tem qualquer importância. E o povo deve ser mantido prisioneiro no seu próprio país para que o tirano se regozije de continuar mantendo o poder e a ordem sobre tudo.
Daí que, se vivo estivesse e avistando as infames imagens da Venezuela e seus seres famintos e desesperados em meios aos restos e aos lixões, o poeta Manoel Bandeira certamente diria: “Meu Deus, aqueles bichos são homens!”.
A morte de Neném e a vingança brutal de Luís Pedro com simples sertanejos. Segundo relato de Sila quem ele encontrava no caminho ele matava. Depois postarei esse relato na integra onde Sila fala das barbaridades que ela presenciou nesse dia trágico. Sila vez por outra dizia algumas verdades, se bem que essa deve ser mentira também.
Em passagem
pelo Frotão encontrei o velho amigo Milton um dos filhos da matriarca da radiologia no Ceará. Trabalhou no tempo da
abreugrafia, na rua Gal Sampaio, próximo ao Cine Rex.
A clínica do
padrinho do meu irmão, Dr Denísio, dona Socorro trabalhou na Barão do Rio
Branco.
Lembrar destas
pessoas maravilhosas que foi através deles que nossa radiologia começou, Dr
Eliazar, Dr Afrânio, Dr Arthu Enes, Dr Lineu Jucá, Dr Trajano, Amauri, muitos e
o amigo Milton Filho da matriarca.
Nessas fotos conseguimos ver a ex-cangaceira Dadá exumando os restos mortais do seu marido Corisco, que anos mais tarde juntaria com o braço e a cabeça do seu marido que desde 1940 estava em exposição no Museu Nina Rodrigues em Salvador, que só foi possível sepultar em 1969...
A cabeça de Corisco estava junto com as cabeças
de Lampião e Maria Bonita e outros cangaceiros mortos ao longo dos anos, e as
famílias só conseguiram lhe dar uma sepultura digna em 1969...
Acima podemos
observar algumas fotografias referentes aos restos mortais de Corisco.
(Texto, O Sepultamento de Corisco) (por Francisco Davi Coelho Lima 2017).
Diretor da
SBEC – Sociedade Brasileira de Estudos do Cagaço;
É fundador e curador do Cariri Cangaço; evento de cunho turístico-cultural e
histórico-científico que reúne os maiores pesquisadores e historiadores das
temáticas Nordeste; Cangaço, Messianismo, Coronelismo, Religiosidade, Tradição,
Cultura, Musica, Culinária e Estética, e correlatos ao sertão, unidos a partir de um evento único no Brasil e no mundo.
"Com
Manoel Severo Barbosa o estudo, o debate e a compreensão de tais vertentes
históricas e culturais, ampliaram-se e disseminaram-se de tal modo que será possível
afirmar que o nordestino enfim está encontrando e conhecendo o seu verdadeiro
Nordeste."
Reconhecido
por trazer ao debate novos conceitos e vertentes sobre velhos dogmas até então
tidos como irrefutáveis.
Manoel Severo, mostra-se aberto ao conhecimento de todos, no caminhar, no
visualizar, na aproximação da própria história."
"A morada
é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto"
*texto
adaptado de Rangel Alves da Costa e da Assessoria de Comunicação Cariri Cangaço.
Jardim também
produziu cangaceiros. "Ferrugem, de nome Deco Batista não fazia parte do
grupo de Lampião. Era daqui mesmo do Jardim. Sua entrada no cangaço deu-se pelo
ano de 1912. Tinha a fama de ser um sujeito encrenqueiro, sempre entrava em
brigas, e certo dia se desentendeu com o ferreiro João Turbano, que era um
homem muito forte e valente. Na briga, Ferrugem foi vencido e se retirou de
Jardim para morar no Pajeú. Saiu daqui dizendo que vinha se vingar.
Para cumprir sua promessa de vingança, certo dia à noite ele voltou com outros
cangaceiros, invadiu a casa de João Turbano e o matou. Na volta ele matou
também seu próprio padrinho no Sítio Bom Sucesso, em seguida foi para a casa de
Seu Pereira que morava no Sítio Algodão. Ali Ferrugem fez Seu Pereira de refém
e exigiu dele quatrocentos mil réis. Seu Pereira mandou um portador aqui em
Jardim para conseguir dinheiro, e tendo conseguido, se viu livre do cangaceiro.
Do Sítio Algodões Ferrugem voltou para o Pajeú. Mas no ano de 1915, o Governo
mandou uma força de quinhentos soldados para acabar com o Banditismo no
Nordeste, então foi escolhida uma equipe de doze soldados e um tenente para
perseguir e prender Ferrugem.
Após conseguir este feito, os soldados o trouxeram para Jardim com o fim de
encaminhá-lo para a cidade de Juazeiro. No entanto quando chegou no Sítio
Cumbe, próximo ao Sítio Braz, a polícia o matou."
Fonte: História de Jardim: suas contradições e seu folclore, p.60
Passagem de
Lampião por Jardim (1926)
"Foi no ano de 1926 que Lampião avisou ao Coronel Daudet, o prefeito de
Jardim, que vinha lhe fazer uma visita. Ele aca-tou porque se não aceitasse,
seria tomado como afronta e o bando armado poderia atacar a cidade à bala.
Então quando Lampião chegou, se arranchou no Sítio Engenho D'água, na casa do
Sr. Zuza Livino, onde existiam quatro pés de juá, que serviam para os viajantes
se arrancharem quando vinham de outros lugares. (...) De vez enquanto um grupo
de cangacei-ros vinha na rua marchando, mas ao chegar na cidade não molestava
ninguém. (...) Quando chegava a hora de dormi-rem, Lampião fazia uma chamada
para verificar se todos os cabras estavam acampados e, numa dessas, faltou um
can-gaceiro.
Lampião
perguntou se alguém sabia o paradeiro do cangaceiro, e foi informado por um do
bando que um dos homens havia ficado na rua. Lampião mandou o dito cangaceiro
na cidade buscar o companheiro. (...) Encontrou-o bebendo nas bodegas, e ao
receber o recado, disse que não ia. O portador voltou e deu a resposta a
Lampião. (...) Lampião mandou selar um cavalo e seguiu para a rua, e quando o
encontrou, encarou o cangaceiro e disse: - me acompanhe seu cabra! (...) Pelas
ruas da cidade as pessoas puderam ver aquela cena horrível, na frente o
cangaceiro, e atrás o Capitão Virgulino açoitando o infeliz, e assim foi até
chegar lá no Sítio Engenho D'água. Mandou amarrar e de vez enquanto lhe dava
umas chicotadas. (...)
Nesta
oportunidade em que esteve em Jardim, Lampião foi para uma oficina de ferreiro
do Senhor Manoel Boris, onde mandou cortar um palmo do cano de um fuzil, pois
esta arma era muito grande, muito pesada e quando se cortava um pedaço do cano,
ficava mais fácil de manusear. Com esta mudança, o rifle passava a ser chamado
de mosquetão. Ao receber a arma do ferreiro, ele apontou o mosquetão para o
telhado da cadeia pública onde um bando de urubus descansava na cumeeira e,
apesar de ser uma distância até longe, disparou e um urubu morto rolou telhado
abaixo. (...) De Jardim Lampião seguiu para Juazeiro e voltou por aqui. Dizem
que foi nesse tempo que Lampião recebeu a patente de Capitão no Juazeiro"
(História de Jardim: suas contradições e seu folclore, p.56,57,58)
(O Padre Cícero e Floro Bartolomeu)
Sobre a passagem de Lampião por Juazeiro, o blog http:// cearaemfotos.
blogspot. com.br, nos dá algumas informações: "Um dos fatos mais
pitorescos da passagem da Coluna Prestes pelo Ceará deu-se com o inusitado
convite feito por Floro Bartolomeu ao cangaceiro Lampião – para combater os
rebeldes e defender a legalidade. Floro teria enviado um mensageiro portando
uma carta para o “rei do cangaço” – carta referendada e assinada também por
Padre Cícero – pedindo a presença do cangaceiro em Juazeiro. Lampião que, por
ser devoto de Padre Cícero, evitava atacar o Ceará, ao receber o convite do
padre apressou-se a atendê-lo, chegando a Juazeiro com cerca de 50 homens, no
inicio de março de 1926, quando a Coluna já havia deixado o Estado. Lampião,
após ser aconselhado por Padre Cícero a deixar aquela vida de bandidagem,
comprometeu-se a combater a Coluna Prestes, recebendo armas, fardamentos e uma
patente de capitão do Exército. O bando deixou Juazeiro satisfeito, sobretudo
porque o documento que dava ao chefe a “patente” de capitão – o que
correspondia ao perdão de seus crimes e a não ocorrência de mais perseguições
por parte da polícia – havia sido assinado a pedido de Padre Cícero pela única
autoridade federal em Juazeiro, um agrônomo do Ministério da Agricultura, Pedro
Albuquerque Uchoa. Lampião, contudo, não foi combater a Coluna Prestes. O
cangaceiro, talvez tenha ficado irritado ao descobrir que a “patente” não tinha
valor legal, portanto não valia nada. Virgulino ainda tentou falar com Padre
Cícero, mas este se recusou a recebê-lo novamente. Apesar do acontecido,
Lampião nunca perdeu o respeito nem a admiração que tinha por Padre Cícero.
(...)Em junho de 1927, Lampião voltou ao Ceará, após uma fracassada tentativa
de saquear Mossoró, no Rio Grande do Norte.".
Morte de Pedro
Vieira por Lampião (1927)
"Pedro
Vieira estava nas Cacimbas (hoje Distrito de Horizonte) acompanhado de Vicente
Venâncio, pastoreando o gado (..) quando Lampião chegou com seu bando e deu
ordem de prisão aos dois. Em seguida exigiu que Vicente Venâncio viesse aqui em
Jardim e procurasse arrecadar a importância de quatro contos de réis, no
entanto, o portador que veio foi um senhor da cidade de Barbalha, que deu o
recado mas não voltou para o local onde Lampião se encontrava com os reféns.
Aconteceu porém, que Lampião precisou se ausentar daquele lugar e, num descuido
dos cangaceiros, Vicente Venâncio fugiu de lá (...) Pedro Vieira achou melhor
não seguir o companheiro porque acreditava que fugir poderia ser pior.
Lampião havia seguido para Empoeira dos Xavier, onde hoje fica o povoado de
Ourí, para resolver à bala uma divergência com os Xavier, e como havia
prometido (...) rumou para lá. Ocorreu que, naquele lugar os Xavier haviam se
preparado para resistir ao Rei do Cangaço, e quando este chegou com cerca de 60
homens, foi recebido à bala. Os Xavier só tinham 8 homens em combate, mas ao
ouvir o fogo, o pessoal que morava perto, se meteram na briga, e foram ajudar
os Xavier. Lampião (...) não contava com uma resistência tão heróica daquele
povo e se retirou para as Cacimbas. Ao retornar, Lampião com muita raiva,
procurou a Pedro Vieira pelo dinheiro. Pedro informou que estava esperando pelo
portador, e que Vicente Venâncio havia fugido. Lampião, então, mandou que ele o
acompanhasse e seguiram para o estado de Pernambuco, pois soubera que os Xavier
haviam colocado trinta homens bem armados à sua procura. Então, ao entrar no
estado de Pernambuco, Lampião mandou o cangaceiro José Balão matar Pedro
Vieira. Ali mesmo ele foi enterrado.(...)" (História de Jardim: suas
contradições e seu folclore, p. 58,59)
Referencias
bibliográficas
ALENCAR,
Juarez Aires de. Dona Barbara do Crato.Fortaleza,1972.
BARRETO, Maria Adelaide Fléxa Daltro. João Brígido e sua descendência.
Fortaleza: IMPRECE, 2005.
BRÍGIDO, João. Ceará: homens e fatos. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha,2001.
CARVALHO, Jáder de. Antologia de João Brígido. Fortaleza: Editora Terra de Sol,
1969.
CARVALHO, Gilmar de. Rangel escultor: o artista que veio de Jardim. Fortaleza;
Expressão Gráfica e Editora, 2008.
COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. Volume único. 8ª ed. São
Paulo: Editora Saraiva,2005.
GORGÔNIO, Luiz Ferreira. História de Jardim: suas contradições e seu folclore.
NUNES,Padre Antonio Aldízio. (Org.) História eclesiástica de Jardim: 200 anos
de evangelização. Jardim: Comissão Paroquial de Formação,2014.
PEREIRA, Maria Alacoque de Lima. Jardim: sua história e sua gente. Fortaleza,
1986.
SANTANA, Nélcia Turbano de. Pinto Madeira: nem herói, nem vilão. Jardim:
Gráfica e Editora Royal, 2011.
SANTOS, Paulo Cezar dos. O Ceará investigado: A comissão científica de 1859.
Dissertação. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2011.
Luciene Cristina Amaral de Lira. A Associação Amigos de Nazaré do Pico, a ANP,
nasceu em outubro de 2017 e é formada por amigos e simpatizantes do distrito de
Nazaré do Pico. Foram anos de idas e voltas com reuniões e conversas. Mas tudo
tem o seu tempo para acontecer, nem sempre acontece no tempo que desejamos… as
coisas precisavam amadurecer, e a ANP esta amadurecendo sem grandes pretensões
o ambições. O nosso desejo é de ser útil no sentido da qualidade de vida
das pessoas. Porém entendemos que este sonho precisa ser sonhado por outros e
outras, ou seja, nada mudará se a população não quiser. E aqui abro um
parêntese, para pedir a colaboração dos jovens.
A ANP não irá interferir em
outras Associações que já existem. Chegamos para somar, não para dividir. A
existência de uma não anula o trabalho e a importância da outra. Afinal, o sol
nasce para todos. Sobre o museu da volante: Quem está envolvido neste Projeto
somos todos nós, no entanto as conversas tem acontecido com Cilinho, Pedro
Henrique, Rodrigo é Graça Novaes, equipe técnica ( museólogas, arquiteta e
engenheiros) e a Associação (ANP) representada por Cristina Amaral.
Temos muito
trabalho pela frente e precisamos estarmos juntos, assim como aconteceu na
construção da Igreja. A geração dos nossos avôs se uniram para a construção da
Igreja, nos vamos nos unir para a construção do Museu que contará a nossa
história. Precisamos saber quem tem objetos que pode ser como empréstimo,
doado, etc. Em breve entraremos em contato com mais novidades.
Como um grande apreciador da sétima arte e um curioso sobre a história do cangaço, seria inevitável que um dia eu viesse a assistir as obras cinematográficas de Glauber Rocha, onde este baiano utilizou o cangaço como parte de suas temáticas.
Obras como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e o “Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, se não foram os primeiros filmes a mostrar este fenômeno de banditismo, certamente foram películas marcantes, principalmente fora do Brasil.
Eu sempre me perguntei de onde veio a inspiração para Glauber Rocha ter criado estas obras. Perguntava-me que tipo de envolvimento ele teve com livros clássicos sobre o assunto? Ou quantas outras películas cinematográficas sobre o cangaço marcaram a sua mente para realizar estes trabalhos?
Um tempo atrás chegou as minhas mãos a edição número 30, da “Revista da USP”, onde nas páginas 290 a 306, a professora Josette Monzani, da Universidade Federal de São Carlos, trás um interessante artigo intitulado “Glauber e a Cultura do Povo” e eu encontrei uma parte da resposta que desejava.
Glauber Jornalista?
A acadêmica aponta que para Glauber Rocha realizar as suas obras ele teria reunido um levantamento da visão popular do cangaço. O cineasta teria utilizado cordéis, recortes de jornal e cantigas para compor personagens marcantes como Corisco, interpretado por Othon Bastos e Antônio das Mortes, conduzido pelo ator Mauricio do Valle.
Além do material documental, a autora do artigo apontava que Glauber Rocha utilizou de “entrevistas” para criar seus trabalhos.
Mas que entrevistas eram estas?
Então descobri que em 1960, o irrequieto Glauber Rocha, então com 21 anos de idade, enfrentou os ainda duros trajetos em direção a cidade baiana de Jeremoabo, como repórter do jornal “Diário de Notícias”, de Salvador, onde realizou uma interessante entrevista com um dos mais eficientes caçadores de cangaceiros, o oficial da polícia baiana José Rufino.
Achei que realmente eu precisava ler este material.
Havia no artigo da professora uma reprodução fotográfica da reportagem do jornal “Diário de Notícias”. Mas, infelizmente, como é comum em obras de cunho acadêmico, a foto estava com uma resolução tão ridícula que impossibilitava a visualização. Assim desisti de conhecer momentaneamente um pouco mais daquele trabalho.
Entretanto, mesmo sem ter acesso ao material, achei fantástico descobrir que Glauber havia largado o conforto da beira mar de Salvador e encarou poeira, sol, desconfiança e inúmeras dificuldades para entrevistar o próprio José Rufino, ou Zé Rufino, o comandante de volante que matou o cangaceiro Corisco.
Um Início com Muita Desconfiança
Tempos depois fui a Salvador, cidade que adoro, onde tive a oportunidade de procurar com calma o exemplar do jornal “Diário de Notícias” e finalmente foi possível ler e digitalizar a dita reportagem.
Chama logo a atenção no texto que Glauber não seguiu para este trabalho jornalístico com no máximo um fotógrafo, como seria de esperar na função de repórter. Ele foi a Jeremoabo com mais três amigos.
Além do futuro diretor de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, estavam juntos o cineasta Trigueirinho Neto, um paulista radicado na Bahia que naquele ano lançaria seu único longa-metragem, “Bahia de todos os santos”.[1]
Outro membro era o ator Geraldo Del Rey, um baiano da cidade de Ilhéus, que em 1960 já tinha participado de dois trabalhos cinematográficos e era considerado um dos mais promissores atores que atuavam no chamado “Ciclo Baiano” de cinema.[2]
Finalmente entre os membros da comitiva de Glauber em Jeremoabo estava o jovem acadêmico Antônio Guerra.[3]
Não é para menos que os quatro amigos fossem inicialmente recebidos com muita reserva e desconfiança por parte de Zé Rufino.
Enfim, depois de tudo que Rufino havia feito na vida de caçador e matador de cangaceiros, receber a visita de um grupo de quatro homens desconhecidos, certamente faria o ex-policial imaginar que aquilo poderia ter mais jeito de ser uma emboscada do que uma entrevista.[4]
A desconfiança foi desfeita quando Glauber falou que tinha como um amigo comum do antigo lutador das caatingas, um membro da família Sá, de forte influência e tradição política na região de Jeremoabo. A partir daí o guerreiro sertanejo “Deu confiança”, nas palavras de Glauber e desandou a contar sua incrível história.
Rufino é descrito como sendo “Alto, queimado pelo fogo do sol nordestino, corpo rijo, dobrando a casa dos cinquenta (anos)”.
Foram encontrar a lendária figura na salinha de sua casa, de calça, paletó sem gravata e fumando um cigarro atrás do outro. Afirmou o irrequieto cineasta que Zé Rufino era um homem bem estabelecido em Jeremoabo, “Com boas fazendas e duas mil cabeças de gado”.
O cineasta nascido em Vitória da Conquista afirmou que a patente do pernambucano Zé Rufino era a de major e assim o designou durante toda a entrevista.
E o major foi logo adiantando que;
-Conheço esse mundo com a palma da mão. Tirava 18 léguas na perna e nunca soldado meu se deitou para fazer fogo. A briga era em pé e eu gostava de lutar com o velho – o velho é Lampião, cuja a sombra lendária continua a desfilar pelas serras e campos do Nordeste-
Um Repórter, ou Diretor de Cinema?
Apesar de fazer a função de repórter, Glauber sempre foi um cineasta e nas letras da reportagem ele já qualificava Zé Rufino como um “-Um ator perfeito”.
A conversa fluía aberta e franca e o entrevistador viajava com a mente de cineasta diante da verdadeira lenda viva. Para ele, a narrativa de Zé Rufino foi totalmente realizada na melhor linguagem de um autêntico “Western” e deixaria um John Ford “Suspirando de emoção”.[5]
Esta emoção vinha principalmente da qualidade do narrador. Rufino descrevia os combates com voz vibrante, repassando detalhes dos campos de luta, narrando biografias e voltando sem receio a um passado em que muito sangue jorrou no sertão.
Interessante foi que Zé Rufino descreveu que na sua juventude detestava a polícia e os policiais. Comentou que isso se devia à violência que alguns militares praticavam de forma desenfreada contra os civis. Por conta desta opinião, mesmo tendo vários parentes como membros do aparato de segurança do Estado, Rufino quase chegou a fazer parte do bando de Lampião, cujo nome real era Virgulino Ferreira da Silva.
Para o antigo guerreiro havia uma admiração pelo seu maior inimigo, que Rufino descreveu como sendo “-Magro, boa estatura, sempre de óculos, com uma lágrima escorrendo no olho quase cego e usando dois galões de capitão nos ombros”.
Ele narrou que em algumas ocasiões se encontrou com Lampião frente a frente. Em um destes momentos, quando o chefe cangaceiro estava acompanhado com cerca de 80 homens, Lampião chamou Rufino para lhe acompanhar pela terceira vez. O convite foi assim descrito:
-Rufino, já duas vezes lhe chamei para ser meu cabra e você nunca quis. Agora é hora Rufino!
Rufino afirmou que em um primeiro momento recusou, mas viu que Lampião não havia gostado nada de sua decisão. Para sair daquela situação disse que seguiria com o “Rei do Cangaço”, mas não naquele momento. Informou que tinha “Uns negócios” para resolver junto a sua mãe. Por incrível que pareça, a demonstração de responsabilidade de Rufino em relação a sua genitora fez o cangaceiro refrear seu ímpeto e Lampião deixou o jovem seguir seu caminho.
O ex-militar afirmou a Glauber que o grupo partiu devagar, com Lampião transmitindo ordens aos seus chefes de subgrupos para que partissem ordenadamente, tal como uma força militar tradicionalmente organizada.
O próximo encontro entre os dois valentes pernambucanos seria de fuzil na mão e cada um do seu lado mandando bala.
Guerra nas Caatingas
Glauber Rocha recordou (sem referenciar) o paraibano José Lins do Rêgo, que dizia que no Nordeste daqueles tempos “Quem não era cangaceiro, soldado, ou beato, padecia na seca, ou sofria de fome, ou de violência”.
Rufino afirmou que preferiu ser policial a cangaceiro. Pois estes “Faziam miséria com o povo, tendo o fuzil na mão e o nome de Deus na boca”.
Narrou sem desassombro que deu muito prejuízo a Lampião e seus cangaceiros, pois quando pegava um deles “Cortava a cabeça, botava num saco e trazia nas costas para Jeremoabo”.
Afirmou que nesta época a cidade baiana tinha cerca de 800 policiais de prontidão. Segundo o ex-militar, Lampião esteve em uma serra próxima, mas não entrou em Jeremoabo.[6]
Quando saía para a luta Rufino afirmou que sempre a frente de sua volante de policiais seguia o rastejador “Bem-te-vi”, que nunca perdia o rastro. Havia longas caminhadas, com os espinhos dilacerando tudo, rasgando roupas, mas logo que a volante topava com os cangaceiros a luta era dura.
Para Rufino seus soldados deveriam de lutar em pé, mesmo que fosse a cinco metros de distância dos oponentes. Tinham de mostrar valentia, pois os inimigos eram fortes, conheciam o terreno e nos confrontos os cangaceiros pareciam fantasmas saltando para fugir das balas, com as suas “Cabeleiras voando”.
Em uma ocasião, no meio da refrega violenta, um policial gritou e caiu no chão. Os cangaceiros recuaram, o tiroteio diminuiu gradativamente de intensidade e finalmente cessou. Ao retornar para junto dos companheiros Zé Rufino narrou que sentiu alguma coisa mole no rosto e nos braços. Eram os “miolos”, a massa encefálica do soldado caído. O morto era seu primo carnal, que havia levado um balaço de fuzil bem no meio da testa.
O próprio rastejador de Zé Rufino, o veterano “Bem-te-vi” estava presente no encontro com os quatro rapazes vindos da capital baiana. Este demonstrou um enorme respeito pelo feroz adversário. Disse que era mentira em relação a uma versão que afirmava ter sido Lampião um “Matador de crianças”. O rastejador disse que Lampião “Tinha remorso de atirar em passarinho, nunca de matar um sujeito ruim”.
“Bem-te-vi” mostrava um respeito sincero pelos seus adversários. Como só os verdadeiros guerreiros que participaram da boa luta, da luta valente, do combate realizado frente a frente, no campo da honra dos nossos sertões.
Interessante foram as afirmações de Rufino em relação à força da religiosidade entre os cangaceiros e mesmo entre seus camaradas de farda. Todos eles sempre tinham “O nome de Deus na boca”. Reconheceu que “Entre todos aqueles que botaram o fuzil no ombro, não tinha um que não se benzia”. Os lutadores foram em suas declarações “Um povo beato até os fios dos cabelos”.
Mas indubitavelmente para o major Zé Rufino, o seu maior feito na luta contra os cangaceiros foi a morte de Corisco.
A Caçada e Morte do “Diabo Louro”
Zé Rufino começou a sua narrativa afirmando que “Não queria matar Corisco”. Disse que o eliminou porque foi alvejado primeiro. Tanto assim que, mostrando suas intenções, não deixou que seus homens exterminassem Dadá, onde garantiu a sua vida até Salvador, onde ela foi tratada.
Para o antigo caçador de cangaceiros, Corisco e Dadá eram definidos como “Um casal bonito”.
Ele via Corisco, conhecido como “Diabo Louro”, como um homem de fibra e achava que ele “Morreu feliz”, pois era um valente que não aguentaria viver em uma penitenciária. Corisco era uma figura que Zé Rufino nutria um enorme respeito, mesmo passados quase vinte anos do confronto que havia provocado a sua morte e o ferimento que fez Dadá perder parte de sua perna direita.
Dadá era uma “-Mulher linda e valente” aos olhos de Rufino. Em sua opinião a companheira de Lampião era “Pequena” diante de Dadá.
Glauber aproveita a fundo a conversa com José Rufino, principalmente a descrição do porte físico do cangaceiro e da indumentária, que muito lhe ajudariam no futuro a compor um dos principais personagens de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.
Na reportagem Zé Rufino, talvez com exagero, diz que “Os cabelos de Corisco eram grandes, e quando ele jogava as mechas por cima dos ombros pareciam duas bandeiras amarelas. Quando Corisco cortou os cabelos, cada pedaço dava para fazer uma grande trança”.
Se havia respeito e admiração a distância, tudo se acabava quando os canos dos fuzis ficavam frente a frente.
Rufino afirmou que deu muito fogo, muito combate, contra Corisco e que este era doido para lhe matar. Aparentemente nos momentos finais do chefe cangaceiro, que gostava de ser tratado como “capitão”, este não reconheceu Zé Rufino e lhe perguntou o nome. Desejava ir para a eternidade sabendo quem o derrubou. O antigo major afirmou a Glauber Rocha que no momento que Corisco soube quem o pegou, este nitidamente demonstrou irritação e deu o último suspiro.
Glauber transcreveu a afirmação do major Rufino contando este fato, e colocou esta parte com destaque no início da reportagem;
–Estou ferida meu velho – gritou Dadá pulando no ar, baleada na perna. Mais fortes são os poderes de Deus – respondeu Corisco e fez fogo feroz contra o Major Rufino. O Major continuava correndo e disparava seguidamente no Diabo Louro que fugia para o horizonte. Uma bala rompeu os intestinos, as tripas de Corisco saltaram. O Major se aproximou, viu o homem no chão, calmo, sem medo, sem dores: – Por que você não se entregou Corisco? – Sou homem de morrer, num nasci pra ser preso. Cumé seu nome? – José Rufino. Então o rosto do capitão se contorceu e ele mordeu os lábios com fúria. Eram 5 da tarde em ponto, no mês de maio, 1940-
O que o militar José Osório de Farias, o Zé Rufino se esqueceu de comentar com Glauber Rocha foi que Cristino Gomes da Silva Cleto, o famigerado Corisco, natural de Matinha de Água Branca, nas Alagoas, estava praticamente aleijado de ambos os braços naquele combate. Sua deficiência era fruto de balaços que havia recebido anteriormente.
Fraco e debilitado, ele tentava com sua mulher Dadá, como era conhecida entre os cangaceiros a jovem Sérgia Ribeiro da Silva, alcançar discretamente o sul da Bahia. Seguiam acompanhados do cangaceiro Rio Branco e da jovem mulher deste.
Mas em um sábado, 25 de maio de 1940, Zé Rufino e seus homens apareceram em um sítio em Brotas de Macaúbas e a história se desenrolou.[7]
Final de Um Grande Encontro
Independente dos fatos reais eu creio que esta parte da narrativa realizada pelo antigo caçador de cangaceiros mexeu de verdade com a cabeça do cineasta baiano. Pois muito do que está descrito nesta reportagem publicada no jornal “Diário de Notícias”, edição de 21 de fevereiro de 1960, um domingo, Glauber Rocha reproduziu magistralmente em suas obras cinematográficas.
Consta que a entrevista entrou pela noite adentro. Logo a matéria aponta que o Geraldo Del Rey mostrava que havia material suficiente para uma trilogia, só com as memórias de Zé Rufino.
Trigueirinho Neto convida então o antigo combatente das caatingas para ser ator. Logo “Bem-te-vi” também é convidado a fazer parte do elenco do filme. Zé Rufino afirma na sequência, em um diálogo que demonstra camaradagem e tranquilidade, que vai chamar os antigos perseguidores dos cangaceiros ainda vivos para participarem da película, com a intenção que tudo seja reconstituído “Como reza a verdade e o mito”.
E a entrevista se encerra.
Hoje quem percorre os aproximadamente 380 km que distancia Jeremoabo e Salvador, seguindo pela BR-110, realiza o trajeto uma boa estrada asfaltada e com conforto.
Mas quando Glauber, Trigueirinho, Geraldo Del Rey e Antônio Guerra realizaram esta viagem, aparentemente o caminho que ligava Jeremoabo a Salvador era todo, ou em grande parte, de barro. Talvez já houvesse luz elétrica devido a proximidade com a Usina de Paulo Afonso, mas as notícias eram através dos velhos rádios valvulados. Ou seja, o sertão não era igual ao do tempo de Lampião, mas apenas 20 anos de diferença ainda não havia mudado tanto a triste realidade daquela gente sofrida.
Em meio a todo este cenário, tão distinto do belo litoral Soteropolitano, Glauber ficou fascinado com aquela narrativa.
O interessante é que apenas no final da reportagem, e em mais nenhuma outra parte da matéria, o cineasta baiano afirma que, além do trabalho jornalístico para o “Diário de Notícias”, aquela viagem seria também para realizar uma avaliação do que havia de interessante, de belo, de produtivo no sertão baiano no sentido de desenvolvimento cinematográfico.
Certamente que ao viajar com amigos que participavam do movimento cinematográfico baiano do início da década de 1960, Glauber já tinha mil ideias funcionando dentro da sua cabeça e logo o vulcão que ele era, seguiria despejando grandes obras de arte cinematográficas, que chamariam atenção principalmente na Europa.
Tudo isso resultaria na criação de um movimento chamado Cinema Novo e alavancaria a carreira de um cineasta que era antes de tudo ousado, determinado e genial nas suas abordagens.
Não sei proporcionalmente o quanto o contato com Zé Rufino e “Bem-te-vi” contribuiu para a realização, quatro anos depois, do filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.
Mas certamente a ida daqueles quatro amigos ao sertão não foi em vão.
NOTAS
[1] Este filme apresentava um painel político e social do país na era do governo Getúlio Vargas, seria intensamente aclamado pela crítica, ficando marcado pela expressiva fotografia Guglielmo Lombardi e estrelado pelo ator Geraldo Del Rey.
[2] Geraldo Del Rey consegue projeção nacional e internacional ao participar ao lado de Leonardo Villar e Glória Menezes no filme de Anselmo Duarte, O Pagador de Promessas (1962), que seria premiado com a Palma de Ouro em Cannes. Mas é sob a direção de Glauber Rocha e sob as lentes do Cinema Novo que o ator de olhos verdes, chamado por alguns de Alain Delon tupiniquim, finca para sempre o seu nome no cinema brasileiro, participando dos antológicos e históricos filmes de Glauber. Geraldo Del Rey integrou o núcleo fundador do Festival de Cinema de Gramado, em 1973, dando muito de seu prestígio e apoio para que o evento ganhasse repercussão nacional. Em 2004, em reconhecimento a essa colaboração o 32º Festival de Cinema de Gramado prestou uma Homenagem Especial pela sua participação e contribuição ao cinema nacional. Faleceu de câncer no dia 25 de abril de 1993. Fonte – http://virtualia.blogs.sapo.pt
[3] Posso estar enganado, mas acredito que o Antônio Guerra relatado pelo diretor de cinema na matéria de 1960, não é outro se não Antônio Guerra Lima, advogado e ex-procurador-geral do Estado da Bahia, mais conhecido como “Guerrinha” e grande amigo de Glauber Rocha e de sua família.
[4] Consta que em muitas publicações sobre o cangaço a patente de Zé Rufino seria a de coronel. Entretanto decidi deixar conforme está no texto de Glauber Rocha.
[5] John Ford (1894-1973) foi um diretor de cinema norte-americano de grande sucesso. Tendo atuado entre as décadas de 1930 a 1960, conhecido principalmente pelos seus westerns. Em 51 anos de carreira Ford dirigiu 133 filmes.
[6] Ao visitar a cidade de Jeremoabo em 2010, esta história do respeito de Lampião pela localidade foi largamente comentada. Já a elevação onde ficaram os cangaceiros foi a Serra da Cruz. Percebe-se igualmente em Jeremoabo um enorme respeito em relação à memória da figura de Zé Rufino.
[7] Rufino transmitiu a Glauber a raiva que sentiu em relação a um jornalista baiano que afirmou que ele “Havia roubado o ouro de Corisco”. O antigo caçador de cangaceiros revidou a este repórter afirmando que Corisco levava “Um quilo” de metal precioso e que entregou tudo a Dadá, que estava viva na época “Para confirmar”. Comentou que sua promoção para major veio “Devagar” e foi a última a ser efetivada na escala hierárquica da Polícia Militar da Bahia daquele período. Talvez este episódio anterior com a imprensa explique a animosidade e desconfiança de Zé Rufino no início da entrevista com Glauber Rocha.
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