Por Gilson M.
Gondim
Dois livros
recentemente lançados no Brasil mostram que americanos, ingleses e franceses,
em nome do anticomunismo, da Guerra Fria e da necessidade de ter uma Alemanha
capitalista cooperativa, livraram a cara da grande maioria dos criminosos de
guerra nazistas. Tirando um punhado de integrantes da cúpula, só se deram mal
mesmo os que caíram nas mãos dos soviéticos. Mesmo na cúpula houve quem se
safasse, como Albert Speer, ministro da Indústria de Armamentos do Terceiro
Reich, que comandou fábricas que usavam trabalho escravo com altos índices de
mortalidade.
O promotor
soviético queria a pena de morte para Speer, mas os promotores inglês, francês
e americano impuseram uma pena de apenas 20 anos de prisão. Como tinha somente
40 anos de idade quando a Guerra acabou, Speer saiu da cadeia relativamente
jovem e ainda pôde curtir 15 ou 16 anos de liberdade, com muito dinheiro, pois
se tornara um escritor de sucesso, supostamente contando os segredos do Reich.
E ainda ficou conhecido como "o bom nazista"! Adolf Eichmann, o
administrador-geral do genocídio, só foi punido, com 15 anos de atraso, porque
o Mossad, o serviço secreto israelense, foi buscá-lo na Argentina. Mengele, o
mais conhecido dos médicos que faziam experiências pavorosas com prisioneiros,
nunca foi pego e morreu tranquilamente no Brasil. Klaus Barbie, o
"carniceiro de Lyon", viveu décadas na Bolívia e só foi condenado na
França (à prisão perpétua) com mais de 80 anos. Passou apenas quatro anos
preso; morreu em seguida. Os exemplos são inúmeros.
Mas mesmo os
nazistas que caíram na mira do promotor judeu alemão naturalizado americano
Robert Kempner, condenados na Alemanha Ocidental entre 1947 e 1949, terminariam
impunes. Diz um dos livros que vou citar a seguir ("O diário do diabo - Os
segredos de Alfred Rosenberg, o maior intelectual do nazismo"): "Em
1951, após uma revisão das sentenças, o alto-comissário americano para a
Alemanha libertou um terço dos condenados em Nuremberg e comutou quase todas as
sentenças de morte, à exceção de cinco. No final do ano, todos os nazistas que
Kempner tinha posto atrás das grades no Caso 11 estavam soltos. Em 1958, quase
todos os criminosos de guerra estavam soltos".
Muitos alemães
interpretaram isso como uma admissão, por parte dos aliados, de que houvera
crimes de guerra dos dois lados. De fato (pesquisa minha na Internet), enquanto
morreram 14.000 britânicos em ataques aéreos alemães, morreram 600.000 alemães
em ataques aéreos anglo-americanos dirigidos especificamente a populações civis
(entre os 600.000, 76.000 crianças, a grande maioria numa fase da guerra em que
a Alemanha já estava derrotada). Até animais do Zoológico de Berlim foram
mortos (há fotos de um elefante e uma girafa mortos num bombardeio). A
cidadezinha de Pforzheim, por exemplo, com apenas 63.000 habitantes e nenhuma
importância estratégica, perdeu um terço de sua população numa noite de ataques
ferozes em 16 de fevereiro de 1945, com a guerra praticamente terminada. Isto
me lembra o "Air Force General" americano que comandou os ataques aéreos
de seu país à população civil do Japão (numa única noite em Tóquio, morreram
90.000 civis em ataques com bombas incendiárias; isto sem falar em Hiroshima e
Nagasaki). O general, que aqui no Brasil teria o título de brigadeiro, disse:
"Nós não vamos ser julgados por crimes de guerra porque ganhamos a
guerra".
Bom, mas
voltemos à impunidade dos nazistas. Um dos grandes responsáveis por ela foi uma
figura reverenciada pelo sistema de poder ocidental, o democrata-cristão Konrad
Adenauer, que se tornou primeiro-ministro da República Federal da Alemanha em
1949, quatro anos após o fim da guerra, e ficou no cargo por catorze anos, até
1963. Adenauer é considerado o grande reconstrutor (com a ajuda do Plano
Marshall, é claro; os americanos não pouparam dólares para barrar os
soviéticos). Adenauer, conservador e anticomunista ferrenho, foi um grande
protetor de nazistas, cuja luta feroz contra os soviéticos ele admirava.
O primeiro
livro, que já li, é "Nazistas entre nós - A trajetória dos oficiais de
Hitler depois da guerra", do historiador e jornalista paulista Marcos
Guterman. Minha restrição a esse livro é que, como costuma acontecer, ao
referir-se às vítimas do nazismo ele fala sempre em "judeus e outras
minorias". Estas outras minorias nunca recebem um nome, e assim continuamos
sem saber que os ciganos, por exemplo, foram tão perseguidos quanto os judeus.
Morreram de cinco a seis milhões de judeus e de 500 a 600 mil ciganos. Só que
havia muito menos ciganos na Europa do que judeus, de modo que,
proporcionalmente, a matança foi bem semelhante. Há um livro do judeu Ben
Abraham ("O massacre de seis milhões") em que ele se livra dos
ciganos de um modo tão engenhoso quanto desonesto: um judeu polonês morto não é
um polonês, mas um judeu, enquanto um cigano romeno morto não é um cigano, mas
um romeno. Os ciganos desaparecem nas nacionalidades, são diluídos e
dissolvidos nas nacionalidades, e os judeus ficam com o monopólio da grife
Holocausto. Marcos Guterman, apesar dos méritos do seu livro, compactua com
isso.
O outro livro
é o que já mencionei e já citei, "O diário do diabo", uma espécie de
história do nazismo à luz de um de seus três maiores ideólogos, Alfred
Rosenberg, que deixou um diário de mais de 500 páginas, cobrindo um período de
dez anos, de 1934 (com o nazismo recém-vitorioso em casa) até 1944, com a
guerra já perdida. Sempre achei curioso que um ideólogo tão importante do
nazismo tivesse um sobrenome (Rosenberg) que normalmente é associado aos judeus
ashkenazi. Mas fiz uma pesquisa nesta maravilha que é a Internet e descobri que
Rosenberg é um sobrenome comum também entre alemães "arianos",
suecos, pessoas oriundas dos países bálticos (Lituânia, Letônia e Estônia) e
entre o povo sinti (zinti), um povo aparentado dos ciganos, mas que fala uma
língua germânica. Aliás, os sinti também foram perseguidos no Holocausto.
Rosenberg quer dizer montanha de rosas (Berg é monte ou montanha em alemão) ou
montanha vermelha. Mas voltando aos três grandes ideólogos do nazismo. Além de
Rosenberg, eles foram o próprio Hitler, com sua bíblia "Mein Kampf"
("Minha Luta"), e Joseph Goebbels, ministro da Propaganda, que disse:
"Uma mentira dita cem vezes (ou teria sido 'mil vezes', há controvérsias)
se torna uma verdade". Goebbels também teria dito: "Esse homem
acredita no que diz. Ele é perigoso".
O diário de
Rosenberg desapareceu logo depois da guerra e foi encontrado há poucos anos. O
livro "O diário do diabo" está atraindo minha atenção e segurando meu
interesse. Recomendo, mesmo que, depois de concluída a leitura, eu venha a lhe
fazer algumas críticas.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com