Por: Publicado em 14/08/2013 por Rostand Medeiros
Amigos que
gostam do tema cangaço...
Trago a vocês
o resultado de uma viagem de pesquisas que realizai a região de Princesa
Isabel, em 2008. Cujo resultado completo vocês podem ver no link abaixo do
nosso blog TOK DE HISTÓRIA...
Desde que
comecei a ler livros, a me interessar pelas envolventes histórias dos
cangaceiros nordestinos, uma passagem em particular me chama muito a atenção,
foram as circunstancias envolvendo um intenso tiroteio entre um antigo
cangaceiro do bando de Lampião, conhecido como Meia-Noite, que enfrentou
praticamente sozinho, durante mais de cinco horas de fogo cerrado, um
grupamento policial que chegou a ter mais de oitenta homens.
Ocorrido em
uma data incerta, mas que se situa em algum dia da segunda quinzena de agosto
ou início de setembro de 1924, este desigual combate se desenrolou em uma
propriedade rural chamada Tataíra, em meio às serras do então município
paraibano de Princesa, na fronteira com Pernambuco. O que chama atenção neste
caso, além do imenso volume de fogo, foi a capacidade de resistência deste
cangaceiro que, mesmo acuado em uma pequena casa rural, mesmo ferido, ainda
conseguiu em um primeiro momento fugir e só foi morto alguns dias depois,
através de um emboscada perpetrada por dois homens, um dos quais lhe ajudava no
seu restabelecimento.
Ao ler estes
fatos, no começo pensei ser mais uma das muitas fantasias que pululam os
inúmeros livros escritos sobre o cangaço. Pensava que no caso da história ser
verdadeira certamente esta casa deveria ter sido derrubada há muitos anos e que
após mais de oitenta anos, não haveria ninguém que pudesse narrar algo deste
incrível episódio.
Não sabia o
quanto estava enganado.
Boa leitura!
A HISTÓRIA DO TIROTEIO NO SÍTIO TATAÍRA E A INCRÍVEL RESISTÊNCIA DO CANGACEIRO MEIA-NOITE
Cangaceiro, de
Portinari
Autor –
Rostand Medeiros
Desde que
comecei a ler livros, a me interessar pelas envolventes histórias dos
cangaceiros nordestinos, uma passagem em particular me chama muito a atenção,
foram as circunstancias envolvendo um intenso tiroteio entre um antigo
cangaceiro do bando de Lampião, conhecido como Meia-Noite, que enfrentou
praticamente sozinho, durante mais de cinco horas de fogo cerrado, um
grupamento policial que chegou a ter mais de oitenta homens.
Ocorrido em
uma data incerta, mas que se situa em algum dia da segunda quinzena de agosto
ou início de setembro de 1924, este desigual combate se desenrolou em uma
propriedade rural chamada Tataíra, em meio às serras do então município
paraibano de Princesa, na fronteira com Pernambuco. O que chama atenção neste
caso, além do imenso volume de fogo, foi a capacidade de resistência deste
cangaceiro que, mesmo acuado em uma pequena casa rural, mesmo ferido, ainda
conseguiu em um primeiro momento fugir e só foi morto alguns dias depois,
através de um emboscada perpetrada por dois homens, um dos quais lhe ajudava no
seu restabelecimento.
Ao ler estes
fatos, no começo pensei ser mais uma das muitas fantasias que pululam os
inúmeros livros escritos sobre o cangaço. Pensava que no caso da história ser
verdadeira certamente esta casa deveria ter sido derrubada há muitos anos e que
após mais de oitenta anos, não haveria ninguém que pudesse narrar algo deste
incrível episódio.
Não sabia o
quanto estava enganado.
AS ORIGENS DO
CONFLITO
Segundo a
litura relativa ao assunto, o tiroteio no sítio Tataíra tem origem em 27 de
julho de 1924, quando um forte grupo de cangaceiros atacou com sucesso a cidade
paraibana de Sousa, uma das mais importantes do estado.
Chico Pereira
As raízes
deste ataque surgem a partir do desejo de vingança de um fazendeiro que vivia a
alguns quilômetros de Sousa, em uma propriedade denominada Jacu, no então
distrito de Nazareth, atual município de Nazarezinho. O nome deste homem
sedento de retaliação era Francisco Pereira Dantas, conhecido como Chico
Pereira.
Seu pai, o afamado coronel João
Pereira, foi assassinado em meio a disputas políticas. O comentário na região
fora que os mandantes seriam pessoas importantes de Sousa, dentre estes
prováveis articuladores, constava o nome de nome Otávio Mariz. O clima na
cidade era pesado, na iminência de ocorrerem novas ações violentas, logo que
este membro da influente família Mariz se envolver em uma briga na feira da
cidade, onde chicoteou severamente uma pessoa ligada a Chico Pereira.
Estado atual
da Casa Grande da Fazenda Jacu, Nazarezinho, Paraíba – Fonte – http://nazarezinho.informecapital.com.br
Em sua
fazenda, ao saber do ocorrido, Chico Pereira se exalta. Ele teria então enviado
um portador para dialogar diretamente com o famoso chefe cangaceiro Virgulino
Ferreira da Silva, o Lampião, solicitando seu apoio para a realização de um
decisivo ataque contra os seus inimigos em Sousa. Após ouvir o portador vindo
de Sousa, Lampião teria dado o aval para que dois dos seus irmãos, Antônio e
Levino Ferreira, além de certa quantidade de cangaceiros, seguissem para o
Jacu, unissem forças com o grupo de homens em armas mantidos por Chico Pereira
e atacassem a cidade.
O coronel José
Pereira, no destaque de gravata.
Por esta época
Lampião convalescia de um forte ferimento no pé direito, ocasionado
inicialmente em um combate no lugar conhecido como Lagoa do Vieira, na zona
rural do atual município pernambucano de São José de Belmonte. O mais
importante cangaceiro brasileiro se recuperava na área da propriedade
denominada Saco dos Caçulas, na zona rural da cidade de Princesa, na fronteira
da Paraíba com Pernambuco. Esta propriedade pertencia a Marcolino Pereira
Diniz, filho do poderoso Marçal Florentino Diniz, todos parentes de José
Pereira de Lima, líder político e verdadeiro “dono” de Princesa. Segundo
relatos coletados na região, Marcolino Diniz, através da anuência de seu
parente José Pereira, aparentemente firmou um acordo tácito com Lampião. O
chefe cangaceiro estava protegido por estes homens poderosos na região da
fazenda Saco dos Caçulas, em contrapartida os seus cangaceiros não deveriam
criar problemas em suas áreas de interesse.
Rodrigues de
Carvalho, autor do livro “Serrote Preto” (Rio de Janeiro,1974), afirma na sua
página 273 que Sousa ficava distante “35 léguas” de Princesa, equivalente a 210
quilômetros. Provavelmente Lampião imaginou que o ataque a esta cidade não
traria problemas junto aos seus protetores e assim ficaria mantido o pretenso
acordo.
Entre os
homens que Lampião cedeu a Chico Pereira estava a “fina flor” do cangaceirismo
da época. Homens como Sabino, José Cachoeira, Lua Branca e um homem negro alto
e forte, conhecido como Meia-Noite.
O cangaceiro
Meia-Noite
Segundo o
escritor Érico de Ameida, no livro “Lampeão-Sua História” (págs. 63 a 68),
publicado em 1926, o cangaceiro Meia-Noite se chamava Antonio Augusto Feitosa,
teria em 1924 a idade de 22 anos, sendo originário da região de Olho D’Água do
Casado, próximo a Paulo Afonso, Alagoas e possuía a fama de ser extremamente
valente.
Diante de uma
horda composta de um número de cangaceiros que superava os oitenta homens,
todos dispostos e bem armados, o assalto a Sousa foi um sucesso para o bando.
Foto do bando
de Lampião nos primeiros anos da década de 1920.
O saque foi
tão desenfreado que até mesmo os aliados de Chico Pereira sofreram nas mãos dos
cangaceiros. Casas comerciais, residências e qualquer local onde houvesse algo
de valor foram “visitados”. A situação chegou a um ponto tal que durante o
ataque, Chico Pereira deixou a função de chefe cangaceiro para buscar controlar
as feras que ele mesmo incentivou a atacar a cidade. João Gomes de Lira, que
foi oficial da Polícia do Estado de Pernambuco, antigo perseguidor de Lampião e
autor o livro “Lampião-Memórias de um soldado de volante” (Recife,1990), afirma
na sua página 143 que Chico Pereira foi “quem muito defendeu Sousa de Piores
desatinos”.
Até hoje
perdura o desconforto em relação a esta página negra da história desta cidade.
Em nossas pesquisas na região, em contato com filhos daqueles que vivenciaram
os fatos, sem dúvida alguma é facilmente perceptível o desconforto destas
pessoas em tecer algum comentário sobre este assunto.
Enquanto o
grupo de atacantes retornava para Princesa, a repercussão do fato se espalhava
pela Paraíba e pelo Nordeste. Logo após saber dos estragos em Sousa, Lampião
percebeu que enfrentaria a polícia paraibana e que dificilmente Marcolino Diniz
e José Pereira continuariam lhe dando a mesma proteção e apoio de outrora.
Marcolino
Diniz e seus cabras
Justamente
nesta hora, em que o horizonte se mostrava repleto de nuvens negras, ocorreu no
seio do bando de Lampião a saída de um dos seus mais destemidos membros. Após
retornarem para junto do chefe, durante um pernoite em uma fazenda denominada
“Bruscas”, pertencente à família Lacerda, o intrépido Meia-Noite percebeu que
algum companheiro havia lhe surrupiado a quantia de nove contos de réis, tão
“arduamente” conseguida como “fruto do seu labor”.
Logo se
iniciava uma discussão. Sem medo de nada o cangaceiro enganado pelos
companheiros, apontou o dedo diretamente para os irmãos de Lampião, estes por
sua vez afirmavam inocência. O clima esquenta, Meia-Noite logo se coloca pronto
para o que viesse a ocorrer, empunhando seu fuzil Mauser. Lampião em pessoa
intervêm no conflito, mas naturalmente se põem a favor dos irmãos e a situação
quase chega a um desfecho trágico.
Lampião tinha
enorme respeito pelo cangaceiro Meia-Noite
Sabendo o tipo
de homem que Meia-Noite era, a quem ele conhecia já de alguns anos, Lampião decide
então pagar os nove contos ao terrível cangaceiro. Após a entrega do erário,
Lampião impôs uma condição, que seu companheiro teria de entregar as suas armas
para outros membros do bando. Meia-Noite percebeu que estando ele desarmado,
fatalmente seria novamente roubado e morto. O valente negro não se fez de
rogado, colocou uma bala na câmara de seu fuzil, apontou a arma para Lampião e
“convidou” o chefe e quem mais lhe acompanhava a vir lhe tomar seu armamento.
Segundo
relatos conseguidos por Rodrigues de Carvalho (Op. Cit. Págs. 274 e 275), junto
ao fazendeiro Zuza Rodrigues, que anteriormente ouviu a história através do
cangaceiro Lua Branca, que estava presente a cena, nesta hora todos ficaram
quietos, admirados ante a valentia do negro, que mantinha o fuzil apontado
diretamente para Lampião. O chefe sempre admirava os valentes e, apesar
de consternado ante a afronta, baixou a guarda. Além do mais não havia muito
que fazer, pois se Meia-Noite atirasse, Lampião sabia que dali o seu destemido
cangaceiro não sairia vivo, mas provavelmente ele, Lampião, também não.
O cangaceiro
negro é então expulso do bando e foi embora pelas estradas do sertão.
Região da
Serra do Pau Ferrado – Foto – Rostand Medeiros
Meia-Noite
segue para a região da fazenda Saco dos Caçulas, através das veredas existentes
na grande serra do Pau Ferrado, outro local de esconderijos dos cangaceiros na
região.
Teria sido
melhor para Meia-Noite sair da região, pois a perseguição policial crescia
ainda influenciada pela repercussão do assalto a Sousa. Volantes policiais
paraibanas, acrescidas de homens armados do séquito do coronel José Pereira,
estavam alertas e prontas para caçarem sem piedade Lampião e seus cangaceiros.
Mas o que
movia Meia-Noite a retornar a esta área perigosa, nada tinha haver com
dinheiro, armas e brigas. Ele desejava estar próximo de sua amante, de nome
Zulmira.
A REGIÃO DE
PRINCESA E SUAS HISTÓRIAS
Antes de
prosseguir neste relato tenho que comentar que a partir de 2006, ao buscar
subsídios para uma pesquisa que realizo relativa a ação do cangaceiro Chico
Pereira, conheci a interessante cidade de Princesa Isabel, a antiga Princesa e
a sua região. A 23 quilômetros desta cidade, em Manaíra, conheci e fiz amizade
com uma verdadeira biblioteca viva em relação a estes acontecimentos e se chama
Antônio Antas Dias.
O amigo
Antônio Antas, apontando os caminhos da história da Tataíra – Foto – Rostand
Medeiros
Na sua
juventude conviveu e conheceu na intimidade Marcolino Pereira Diniz, filho do
poderoso Marçal Florentino Diniz, todos parentes do “dono” de Princesa, José
Pereira. Além de Marcolino, Antonio Antas conviveu igualmente com Luiz Nunes de
Souza, que ficou conhecido como o mítico cangaceiro “Luís do Triângulo”, de
Manoel Lopes Diniz, o conhecido “Ronco Grosso” e de outro conhecido como
“Tocha”. Todos estes homens de extrema valentia e de total confiança de José
Pereira e Marcolino Diniz. Altivo, tranqüilo, prestativo, através de Antonio
Antas passei a conhecer aspectos interessantes da região, onde já estive em
quatro ocasiões.
Em uma delas
perguntei ao amigo Antonio sobre o combate da Tataíra. Para minha surpresa ele
afirmou que a história da valentia de Meia-Noite era muito conhecida na região,
que a casa ainda estava de pé, servindo de moradia até hoje, que aparentemente
não tinha sido drasticamente reformada e, o mais importante, havia pessoas,
filhos daqueles que vivenciaram os fatos, que poderiam transmitir de forma
correta, aquilo que seus pais e parentes relataram do tiroteio de 1924.
Parti junto
com Antonio Antas para visitar o local e buscar junto aos filhos das
testemunhas, pessoas que atualmente se situam na faixa dos sessenta a oitenta
anos, ainda lúcidos, a memória deste acontecimento. Estas pessoas, mesmo não
sendo testemunhas diretas, ouviram as narrativas deste acontecimento em um
ambiente mais tranqüilo, anterior a massificação do rádio e da televisão, mais
propício para que a lembrança dos fatos ocorridos pudesse ser mais rica em
detalhes.
O resultado
foi muito animador.
A
TRANQUILIDADE NO SACO DOS CAÇULAS
Segundo o
agricultor Anastácio de Souza de Moraes, de 69 anos a época de minha entrevista
(2008), morador do sítio Bandeira, vizinho a Tataíra, me narrou que seu pai
Manuel Moraes, assistiu de sua casa, onde até hoje Anastácio reside, todo o
conflito ocorrido em setembro de 1924. Anastácio é calmo tranqüilo, calejado
nas lides do campo, comentou que para as pessoas da região, o apelido
Meia-Noite não tinha origem apenas no fato dele ser negro, mas porque o valente
cangaceiro possuía o hábito de circular na região sempre à noite, próximo há
esta hora.
Casa Grande
dos Patos – Foto – Rostand Medeiros
Segundo o
nosso entrevistado, nos dias em que Meia-Noite circulou por aquele setor, ainda
junto a Lampião e seu bando, os cangaceiros consideravam aquele local o seu
melhor refúgio. Percebemos isto ao circular na estrada de barro que liga a
cidade de São José de Princesa e a fronteira de Pernambuco, em nenhum momento é
possível consegue visualizar, mesmo estando em altitude, à atual comunidade do
Saco dos Caçulas, ou as casas da propriedade Tataíra. São elevações se
sobrepondo a elevações, criando no meio delas uma área quase que fechada, um
verdadeiro “saco”.
Além do apoio
de Marcolino Diniz, outra razão positiva para a região do Saco dos Caçulas ser
considerado um ótimo esconderijo, era a existência de um afamado armeiro e
ferreiro chamado Zé Andre, que sempre calibrava as armas, ajeitava uma agulha,
um gatilho, trocava uma mola, uma coronha. Anastácio e Antonio Antas o
conheceram atuando e são unânimes em afirmar que ele era um verdadeiro artista.
É conhecido na
região que muitas vezes Lampião saiu de seus esconderijos, acompanhado dos seus
homens de maior confiança, como seus irmãos e Luís Pedro do Retiro, para jogar
cartas com Marcolino Diniz, no casarão da fazenda Patos. A tônica desta
jogatina era a realização do jogo, acompanhados de apostas com altas somas de
dinheiro.
Os cangaceiros
não ficavam fixos em uma casa, estavam sempre passando de um refúgio para
outro. A casa que eles mais gostavam, segundo relatos do pai de Anastácio era
uma velha vivenda situada no sítio Pedra, cujo proprietário era conhecido como
“Domingos da Pedra” e muito ligado a Marcolino Diniz. Neste refúgio era comum a
presença de um sanfoneiro chamado Joaquim Preto, que vinha do sítio Covão, onde
bailes eram freqüentemente realizados e o agricultor Manoel Moraes, pai do
nosso entrevistado, frequentou muitas destas festas com outras pessoas da
região. Para ele sempre existiu muito respeito por parte dos cangaceiros em
relação à população local, sendo provável que foi em um destes bailes que o
afamado Meia-Noite conheceu Zulmira.
Igreja de
Patos do Irerê – Foto – Rostand Medeiros
Sobre esta
sertaneja, ela era natural da área da fazenda Saco dos Caçulas, onde morava com
a sua família. Segundo Anastácio, os pais da jovem se posicionaram contrários
ao relacionamento. Mas quem iria contra Meia Noite? Logo ela fugiu com o seu
cangaceiro.
A REGIÃO SE
TORNA PERIGOSA
Mas depois do
ataque a Sousa tudo mudou. Lampião foi avisado a deixar a região do Saco dos
Caçulas, logo ele e seus homens passaram a serem tenazmente acossados pela
polícia e homens contratados por José Pereira.
Diante da nova
situação e do seu retorno a região, Meia-Noite passou a circular com muito
cuidado. Ele nunca dormia no mesmo local, seguia para vários esconderijos
diferentes, levando a amada a reboque. Consta que Meia-Noite era visto
circulando abertamente com um fuzil Mauser, pistola e punhal. Já Zulmira
transportava um rifle modelo Winchester.
Manuel Moraes
informou a seu filho que pela proteção e o silêncio do povo da região,
Meia-Noite desembolsava certas quantias em dinheiro que satisfaziam aqueles que
lhe acoitavam e deixavam outros se roendo de inveja. Para o pai de Anastácio,
foi na ocasião em que o valente cangaceiro se encontrava homiziado em uma das
casas do sítio Tataíra, que pertencia a um fazendeiro conhecido como Tibúrcio
Barreto, que provavelmente algum proprietário vizinho se dirigiu a Princesa e
delatou ao coronel José Pereira, onde Meia-Noite se encontrava.
A antiga
Princesa, atual Princesa Isabel
Segundo
Rodrigues de Carvalho (Op. Cit. Pág. 280), o coronel ordena a um dos seus
homens de confiança, Manoel Virgulino, que fosse a Tataíra com doze homens, com
a ordem de “-Trazer o negro de qualquer maneira, na corda ou no pau”. Esta
ordem significava ou trazê-lo amarrado vivo, ou amarrado morto em uma vara e
transportado por dois homens.
Às nove da
noite Manoel Virgulino segue de Princesa junto com seu grupo. Demoram quatro
horas em marcha discreta e ininterrupta. Anastácio Moraes informou que o grupo
de captura passou por várias casas perguntando sobre o cangaceiro, logo
chegavam à casa do ferreiro e armeiro Zé André. Este acordou com a movimentação
ao redor de sua residência e homens batendo a sua porta. Ao abrir Zé Andre se
assustou com os homens armados, que lhe perguntaram de forma ríspida se na sua
casa Meia-Noite estava homiziado, ou se sabia onde ele estava. Ele negou
conhecer o paradeiro do cangaceiro, eles aceitaram a informação e seguiram em
direção as casas do sítio Tataíra. Zé Andre não foi molestado, igualmente não
teve dúvidas em relação ao que iria ocorrer e tratou de abandonar sua pequena
vivenda em busca de refúgio na casa de parentes.
Casa do sítio
Tataíra, onde ocorreu o feroz tiroteio. Na época a casa tinha uma divisão –
Foto – Rostand Medeiros
Rodrigues de
Carvalho (Op. Cit. Pág. 280) informa que realmente a volante bateu de casa em
casa, recebendo sempre respostas negativas e que o grupo já estava desanimando
com o resultado e prontos para retornarem a Princesa.
Em uma das
últimas tentativas, o grupo encontrou duas casas lado a lado no sítio Tataíra,
com uma grande palmeira na parte frontal. Não eram casas muito grandes,
possuíam telhados típicos do sertão, em forma de “V” invertido, tipo conhecido
como “Duas Águas”. Suas paredes eram bem rígidas, feitas com maciços e grandes
tijolos a aparente. Perceberam que uma das casas era para moradia e a outra
servia como local e transformação de mandioca em farinha, pois possuía uma
chaminé no alto e apenas uma porta e uma janela na parte frontal. As casas
estavam situadas em uma pequena elevação, onde os atacantes ficavam em
desvantagem, pois quem estava no seu interior tinha o campo de tiro
completamente aberto e facilitado.
O grupo passou
a interpelar os que ali habitavam. Não tiveram uma resposta rápida, mas ouviram
barulhos e aguardaram. Logo uma voz de mulher se apresenta. Os membros da
volante pedem para entrar a voz feminina afirma ser uma mulher idosa, que está
sozinha e que não iria abrir. Os homens de José Pereira voltaram à carga,
batendo com mais força a porta. A voz feminina pergunta “-Se são homens do
coronel?”, diante da afirmativa, Meia-Noite deixa de lado o disfarce e abre
fogo em meio a toda uma série de impropérios, palavrões e baixarias.
Lateral da
casa do sítio Tataíra – Foto – Rostand Medeiros
Manoel
Virgulino interpela o cangaceiro para que ele se entregue, pois eles vão
pega-lo “-Vivo ou morto”. O cangaceiro, segundo Anastácio, respondeu “-Nem
morto nem vivo e quem entrar leva tiro”.
Tem início
aquele que é considerado um dos mais intensos, desiguais, longo e ferozes
combates ocorridos no período do cangaço.
O INCRÍVEL
“FOGO” DA TATAÍRA
Os membros do
grupo atacante perceberam que estavam diante de um combatente destemido e
preparado. Era tal a quantidade de disparos que saiam do interior da casa de
farinha que ficava difícil acreditar que apenas uma arma era disparada por vez.
Tanto as narrativas dos moradores da região, quanto à literatura existente são
taxativos em afirmar que Zulmira não atirou, mas municiava as armas do
companheiro.
O esperto
Meia-Noite tinha certeza que os homens de José Pereira desconheciam a sua saída
do bando de Lampião e passou a admoestar os atacantes com a certeza que seus
companheiros lhe atacariam pela retaguarda. Não é difícil imaginar que diante
da possibilidade do seu grupo ser atacado pela retaguarda, Manoel Virgulino
tenha dividido o grupo atacante e esta atitude ajudou a prolongar o cerco.
Outra vista da
casa – Foto – Rostand Medeiros
O combate se
prolongava, a madrugada estava findando e os atacantes certamente sabiam que
com o eco do tiroteio se expandindo pelas serras, logo outros companheiros das
volantes estariam chegando.
Em dado
momento, Meia-Noite pede garantia de vida para sua companheira. Para a
sertaneja Zulmira aquela zoada, aquela tensão era demais. Os homens de Manoel
Virgulino informam que ela estava garantida, que nada de mal ocorreria à jovem
e que, se Meia-Noite quisesse, ele também estava garantido para seguir para sua
cela em Princesa. Valentão e ousado, ir para cadeia era a máxima das desonras
para Meia-Noite e a sua resposta foi outra série de impropérios e mais chumbo.
Mas diante da
situação da jovem e das palavras dos seus inimigos que diziam que ele era covarde
por manter a mulher na casa, houve uma trégua e Zulmira deixou a casa de
farinha com alguns poucos pertences. Após a saída da sua amada, Meia-Noite
despeja fogo e novos insultos contra seus inimigos.
Tenente Manuel
Benício
Já são quatro
horas de troca de tiros, quando ecoa na serra o toque de uma corneta. Segundo
Érico de Almeida (Op. Cit.Pág.66) era a volante do tenente Manuel Benício,
acrescida do pessoal de Clementino Quelé e Francisco Oliveira, que estavam
aquartelados no alto da serra do Pau Ferrado. Já Rodrigues de Carvalho (Op.
Cit.Pág.284) informa que este grupo se encontrava em um sítio denominado
Baixio, a 15 quilômetros da Tataíra e próximo a fazenda Patos, cujo
proprietário era Marcolino Diniz. O autor narra as inúmeras dificuldades do
grupo de policiais para alcançar a região do conflito e neste aspecto ele
estava correto.
Visitando a
região, esplendorosa em sua beleza serrana, não foi difícil de perceber o
enorme grau de dificuldade que os policiais enfrentaram para chegar a Tataíra.
Segundo o mapa em escala de 1:100.000, produzido pela SUDENE, a altitude onde
se localiza o sítio Baixio é de quase 900 metros, o grupo então desceu em torno
de 400 a 450 metros, para o vale onde se situa o antigo casarão da fazenda
Patos e tornar a subir a uma cota superior a 800 metros, seguindo para a casa
onde se encontrava o terrível e valente cangaceiro, isto tudo em uma época em
que a cobertura vegetal era bem mais cerrada.
Entrevistado
apontando onde a polícia estava. A casa da Tataíra está nas costas do fotógrafo
– Foto – Rostand Medeiros
Certamente
nesta hora Meia-Noite deve ter se imaginado perdido, pois sabia que aquela
corneta significava a chegada de uma Força Policial, que segundo Érico de
Almeida (Op. Cit.Pág.67) chegava a 84 homens. Para a população local o número
de combatentes contra o solitário Meia-Noite fica em torno de 100 a 120 homens.
Independente do número exato, a desproporção era enorme e logo uma sinfonia de
disparos ecoava pelas serras. Mesmo assim, nem com a chegada dos reforços
policiais, o valente alagoano refreou seu ímpeto, continuando a dizer todos os
palavrões que conhecia e mandando bala. Logo dois membros da polícia foram
feridos.
Manuel Moraes
informou a seu filho que depois do “fogo”, os policiais comentaram na região
que “-O negro tanto atirava, como dizia baixarias, recitava versos e até
cantava”. Provavelmente Meia-Noite, sozinho dentro da casa, cantava, dizia
palavrões e recitava versos populares, para aguentar o cansaço, a tensão e ter
forças para continuar a luta.
A noite se
encerrava. Dentro da casa de farinha Meia-Noite via as munições do fuzil, da
pistola e do rifle escassearem rapidamente. Só tinha duas saídas; ou se
entregar, ou sair para o “campo da honra” e lutar até a morte. No final das
contas Meia-Noite sabia que iria morrer de qualquer jeito.
Outra área
onde se posicionou as tropas policiais – Foto – Rostand Medeiros
Os atacantes
atiravam incessantemente, quando Meia-Noite gritou que iria sair. Certamente um
frêmito de vitória correu no meio da tropa e possivelmente alguns até devem ter
comemorado antecipadamente. Ele ainda alertou que a polícia preparasse as armas
“-Que ele iria sair”. Durante cerca de dez a quinze minutos o silêncio imperou
no campo de luta. Os atacantes imaginaram que o cangaceiro estaria morto ou
ferido.
Existem duas
versões para o que ocorreu a seguir. Rodrigues de Carvalho (Op. Cit.Págs.286 e
287) afirma que os atacantes, já perturbados com o silêncio prolongado, achando
que Meia-Noite estava ferido ou morto, os policiais entraram no recinto e
descobriram que ele havia sumido, havia desaparecido. O autor afirma que a
quantidade tiros era tão grande, que a fumaça produzida pelas armas foi “capaz
de anular a visibilidade”, que o cangaceiro aproveitou este momento e fugiu,
deixando um rastro de sangue.
Já as pessoas
da região, como Anastácio, Antonio Antas e outros são categóricos em afirmar
que Meia-Noite, após anunciar que ia sair, deu um tempo e então atirou um
objeto com certo volume diante da casa de farinha. Quem estava de arma pronta
meteu bala no que se projetou para fora da casa. Para uns, o que Meia-Noite
jogou foi uma mala, para outros um caçuá e para outros um saco.
Região do Saco
dos Caçulas – Foto – Rostand Medeiros
Depois dos
inúmeros disparos no objeto, o ágil alagoano de 22 anos aproveitou enquanto o
grupo de atacantes se municiavam e partiu para fora da casa em desabalada carreira.
O comentário na região foi que ele saiu atirando, gritando, colocando nova
munição na câmara do seu fuzil, atirando novamente, pulando no meio dos
soldados e descendo o aclive onde se situa a casa da Tataíra. Manuel Moraes
informou ao seu filho que dois soldados, vendo a figura de Meia-Noite se
aproximando, abandonaram o posto onde estavam e fugiram.
Mesmo
conseguindo furar o cerco inicial, o grupo de atacantes não era pequeno. Mesmo
com a visibilidade limitada pela pouca luz, com seu alvo correndo, um policial
mais atento fez pontaria com seu fuzil e abriu fogo. O tiro atingiu uma das
pernas do cangaceiro. Ele caiu, mas logo se levantou, pulou uma cerca, caiu de
novo e continuou a fuga em meio a outros tiros.
Não encontrei
na região ninguém para corroborar a afirmação de Rodrigues de Carvalho, mas
todos são unânimes em comentar, sempre com uma ponta de espanto, a segunda
versão da escapada de Meia-Noite.
Para as
pessoas da região, o sucesso inicial da fuga de Meia-Noite, se deveu a ele
espertamente aproveitar o lusco fusco da manhã, àquela hora onde a visibilidade
ainda não é plena. Houve igualmente um excesso de confiança dos atacantes em
relação a sua superioridade numérica, fazendo com que ficassem desatentos.
Outra possível causa pode estar no fato que o grupo de Manoel Virgulino, como
as tropas de Benicio, Quelé e Oliveira, já estavam muito cansadas. Uns pelo
cerco prolongado e os outros pelo sobe e desce de serras elevadas.
O certo é que
mesmo em grande vantagem numérica, a tropa não se movimentou para caçar o
fugitivo, mesmo ele estando ferido.
BUSCA DE UM
ABRIGO
Rodrigues de
Carvalho (Op. Cit.Págs.286 e 287) afirma que depois de baleado, em meio à fuga
desesperada pelas serras, Meia-Noite teria quebrado um braço ao pular uma
cerca. Após isso ele se encontrou com um agricultor, a quem lhe entregou uma
pequena soma de dinheiro para ser entregue a Zulmira.
Já Anastácio
Moraes afirma que foi um amigo de sua família que realmente se encontrou com o
fugitivo. Ele se chamava Olegário Bezerra, era conhecido do cangaceiro, sendo
proprietário de um pequeno sítio no lugar Bandeira, considerado uma pessoa
humilde e honrado. Diante da situação vexatória, Meia-Noite entregou a Olegário
grande parte do dinheiro que transportava e disse “-Olegário, pegue esse dinheiro
aí. Se voltar eu pego novamente e se não voltar é seu”, fugindo em seguida.
Zulmira em um
primeiro momento foi transportada para Princesa, onde ficou presa.
Na seqüência,
segundo a versão oficial, apresentada por Érico de Almeida (Op. Cit.Pág.67) e
Rodrigues de Carvalho (Op. Cit.Pág.288), Meia-Noite caminhou cerca de doze
quilômetros, até a casa de um agricultor, que aparentemente lhe dispensou todo
cuidado e apoio. O benfeitor avisou ao ferido que iria buscar uma pessoa de
confiança, que trabalhava com ervas e que iria preparar alguma coisa para
cuidar do ferido. Mas ao invés desta buscar ajuda, ele foi atrás do Inspetor de
Quarteirão da povoação de Patos, o valente Manoel Lopes Diniz, o conhecido
“Ronco Grosso”. Este teria então vindo à casa do agricultor, acompanhando de
mais quatro homens, dado voz de prisão a Meia-Noite, que resistiu e depois fora
trucidado.
Manoel Lopes
Diniz, o conhecido “Ronco Grosso” e sua esposa. Foto provavelmente da década de
1950 – Foto – Aldo Lopes
Para Anastácio
e Antonio Antas a história foi “mais ou menos assim”. Eles me aconselharam
então a procurar falar com uma fonte mais categorizada e que foi muito próxima
de Manoel “Ronco Grosso” Lopes, o seu próprio filho.
Morando
próximo da comunidade do Saco dos Caçulas, encontrei um homem que se chama
Manoel Lopes Filho. Este tem com mais de 1,80 de altura, magro, mas ágil de
corpo, cara de poucos amigos, de bigode, com uma aparência onde não se percebe
sua idade acima de 70 anos. Em um primeiro momento me olhou de uma maneira que
me pareceu estar desconfiado. Sua voz é de barítono, grave e forte, da mesma
forma que seu pai. Conforme conversávamos e ele percebeu que eu tinha certo
conhecimento dos fatos, foi relaxando e ficando mais a vontade. Minha sorte foi
me encontrar na companhia de Antônio Antas, seu amigo de longa data, pois Lopes
Filho me confessou depois que não gosta de falar sobre o pai a pessoas
estranhas.
Mesmo estando
em um local calmo, na “rua” de um vilarejo que não possui nem 500 habitantes,
ele me disse que era melhor irmos para um bar mais afastado da pequena
comunidade, onde poderíamos conversar mais a vontade, sem a presença de pessoas
indiscretas. Ao chegarmos a um barzinho que mais parecia um depósito, sentamos
em uma mesa simples de madeira, com tamboretes velhos. Lopes Filho prontamente
procurou ficar de costas para a parede e de frente para a porta.
Manoel Lopes
Filho e Antônio Antas – Foto – Rostand Medeiros
Ele adiantou
que em várias ocasiões seu pai lhe narrou diversos acontecimentos, diálogos que
manteve com Lampião e outros cangaceiros. Não negou de forma alguma que “Ronco
Grosso” foi homem de extrema confiança de José Pereira, onde seu pai realizava
“-O que fosse necessário” para o chefe. Sobre Meia-Noite, Lopes Filho comentou
que seu pai o considerava o cangaceiro mais valente e perigoso de todo o bando
de Lampião.
Outra vista da
região do Saco dos Caçulas – Foto – Rostand Medeiros
No dia do
tiroteio “Ronco Grosso” estava realizando tarefas na sua propriedade, logo
soube do ocorrido na Tataíra e ficou alerta. Seu filho afirma que o velho
Manuel Lopes não sabia da caçada a Meia-Noite ordenada por José Pereira e
continuou sua lide normalmente. Nesse meio tempo o cangaceiro alagoano ferido
chegou à casa do agricultor Zé Sabino, e este ajudou a levar Meia-Noite ao
sitio de Manuel Lopes que era relativamente próximo.
O valente
combatente trazia um pano amarrado à perna para estancar o sangue, além do
braço machucado. Manuel Lopes, no dizer do seu filho, era um “raizeiro”, logo
começou a cuidar do ferimento em um barraco que existia nas proximidades. Fez logo
uma mistura de farinha, mastruz e pimenta malagueta para o ferimento na perna,
que já estava ficando preto e entalou o braço de Meia-Noite. Gradativamente,
com a aplicação dos remédios naturais, o cangaceiro foi melhorando.
O FIM DE UM
VALENTE
Logo Manuel
Lopes toma conhecimento que a volante de Manuel Benício estava nas proximidades
rondando atrás do fugitivo. Sem saber que seu patrão estava interessado na
eliminação do cangaceiro, Manuel Lopes levou Meia-Noite para uma pequena gruta
existente nas proximidades e localizada no alto de um serrote. Segundo Lopes
Filho, coube a um amigo de seu pai chamado João Bezerra, então um jovem de 18
anos, levar duas vezes por dia alimentação e água. Em 2008, mesmo debilitado,
João Bezerra estava vivo com 102 anos.
Foto – Rostand
Medeiros
Manuel Benicio
soube através de outras pessoas que Manuel Lopes estava dando apoio a
Meia-Noite, seguiu para sua propriedade com a intenção de cercá-la e tentar capturar
o fugitivo. Antes de chegar a casa do homem de confiança de José Pereira,
encontraram João Bezerra transportando uma bolsa com alimentos e uma cabaça
d’água. Começaram a “arrochar” o jovem e ele “abriu o bico”, sobre o que estava
fazendo. Entre seguir para o esconderijo onde estava Meia-Noite e pegar
informações com Manuel Lopes sobre o que estava ocorrendo, Benício optou pela
segunda alternativa.
Lopes Filho
informa que “Ronco Grosso” ao saber da aproximação da volante, deixou a sua
casa e seguiu em direção a Princesa para dialogar com José Pereira e saber o
que significava aquilo. Para o filho de Manuel Lopes, se havia uma classe de
pessoas a quem seu pai mais desprezava, de todas as maneiras, eram os
policiais.
Em Princesa,
no casarão de José Pereira, o chefe lhe informou de toda situação. Com relação
à polícia, José Pereira foi enfático e disse que “Ronco Grosso” não se
preocupasse que eles não lhe perturbariam. Mas em relação ao caso envolvendo
Meia-Noite, José Pereira foi categórico “-Ele tinha que trazer as duas orelhas
do cangaceiro e ponto final”.
Manoel Lopes
nada tinha contra o cangaceiro alagoano, até o admirava pela valentia e
coragem. Mas desobedecer a uma ordem direta de José Pereira, principalmente em
um caso como este, era o mesmo que praticar o suicídio. Sem outro jeito ele
busca o apoio de outro homem, conhecido como “Tocha”, tido como valente e
disposto.
Foto – Rostand
Medeiros
Cerca de cinco
dias depois do “Fogo da Tataíra”, já à noite, os dois homens se encarregaram de
levar a comida e a água do cangaceiro. Ao chegaram à gruta, o arisco Meia-Noite
estranhou a ausência de João Bezerra. Estranhou mais ainda a presença daqueles
dois homens armados e conhecendo quem eles eram ficou muito desconfiado. “Ronco
Grosso” e “Tocha” prontamente acalmaram o valente Meia-Noite. Comentaram que
estavam juntos para se protegerem da polícia, mas o fugitivo não baixou a
guarda, levou uma bala a câmara do fuzil e ficou a espreita.
Os dois
matadores se preparavam para sair, ou assim diziam, quando perceberam uma
distração de Meia-Noite, sacaram suas armas e abriram fogo. Este ainda ensejou
um salto com uma pistola na mão, mas novas descargas o abateram.
Sem muita cerimônia
eles enterraram o cangaceiro na parte externa dos grandes blocos graníticos que
formam a pequena cavidade natural, mas antes cortam as orelhas como prova.
Antonio Antas disse que escutou muitas vezes Manuel Lopes comentar que
foi “Tocha” que havia realizado a primeira deflagração. Este por sua vez
afirmava taxativamente que fora “Ronco Grosso” quem efetuara o primeiro
disparo.
Em relação à
“prestação de contas” a José Pereira, não apenas Lopes Filho, Antonio Antas,
como outras pessoas na região afirmaram que na tarde posterior a morte de
Meia-Noite, os dois matadores foram ao casarão do chefe político de Princesa.
Este estava em uma reunião com “pessoas gradas” da sociedade local, todos
sentados na sala principal da casa, entre estes algumas senhoras. Os dois
homens valentes, mas simples nos gestos e no vestir, ficaram aguardando mais
reservadamente o chefe com um pacote nas mãos. José Pereira manda que eles se
aproximem e pergunta animadamente, diante de todos, o que eles desejam. Eles
ficaram calados, um tanto acabrunhados. O dono da casa, imaginando ser o
silêncio daqueles homens rudes resultado da timidez por se encontrarem diante
dos doutores do lugar e de suas senhoras, incentiva novamente para que eles
falem, mesmo diante de todos.
A partir daí
“Ronco Grosso” não se faz de rogado, abre o pacote retira um pano
ensanguentado, que vai desenrolando e apresenta a todos as orelhas de
Meia-Noite.
O espanto é
geral, o embaraço de José Pereira é evidente. Mas eles cumpriram a risca aquilo
que foi mandado conclusão.
CONCLUSÃO
Após a saída
de Lampião de Princesa, ele ainda circulou pela região por alguns anos. Em 1929
seguiu para a Bahia e pouco retornou a Paraíba. Provavelmente, até o fim de sua
vida na Grota de Angico em 1938, Lampião devotou um enorme ódio a José Pereira.
E para alguns, parte deste ódio estava ligado a morte de Meia-Noite, a quem o
chefe cangaceiro sempre tratou com enorme respeito.
Foto – Rostand
Medeiros
Existe uma
versão na qual a razão da morte de Meia-Noite envolvia uma raiva que José
Pereira teve deste cangaceiro, por ele ter feito uma piada, ou observações
baixas e indecorosas, sobre a esposa do líder política de Princesa.
Entretanto, o
próprio Lopes Filho considera esta versão falsa, ou criada para encobrir as
verdadeiras intenções do político José Pereira. Para ele o desejo do “dono” de
Princesa com a eliminação de Meia-Noite, bem como a expulsão de Lampião da
região, era afastar esta gente da sua região, para evitar que seus adversários
na capital paraibana o tacharem de ser um reles “coiteiro de cangaceiros”.
Outra situação que o entrevistado aponta, com razão, é o fato de Meia-Noite ser
um arquivo vivo e sua pretensa eliminação ser efetuada para evitar problemas
futuros.
Já em relação
a uma versão propagada por muitos pesquisadores do cangaço, na qual José
Pereira e Marcolino Diniz se compactuaram com Lampião, lhe dando proteção e
apoio, em troca de dividirem o apurado conseguido em roubos, assaltos e outras
ações por parte de Lampião, servindo como uma espécie de “banco”. Com a
consequente expulsão de Lampião da região, José Pereira e Marcolino ficaram com
todo o dinheiro.
Lopes Filho já
havia ouvido sobre esta versão, mas de seu pai, que lhe contou muita coisa
sobre aquela época, ele nunca ouviu nada em relação a esta versão.
Ao longo dos
anos a região de Princesa presenciou outros acontecimentos ligados o cangaço.
Mas o fato histórico mais importante ocorrido nesta cidade em todo século XX
ficou conhecido como a Revolta, Sedição ou Guerra de Princesa.
Este foi um
curto, mas intenso conflito ocorrido no sertão paraibano, ocasionada
basicamente por divergências entre o governador eleito da Paraíba em 1927, João
Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, e os coronéis monopolizadores da economia e
política do interior do estado, encabeçados principalmente por José Pereira.
Durante cerca
de quatro meses, com o apoio do Governo Federal e dos governadores de
Pernambuco e do Rio Grande do Norte, respectivamente Estácio de Albuquerque
Coimbra e Juvenal Lamartine de Faria, José Pereira sustentou um sangrento
conflito contra as forças públicas estaduais comandadas João Pessoa e pelo seu
Chefe de Polícia, José Américo de Almeida.
Foto – Rostand
Medeiros
Além das
pessoas ligadas diretamente por vários laços a José Pereira, inúmeros
ex-cangaceiros e desertores da polícia paraibana, formavam suas tropas.
Marcolino Diniz, Manuel “Ronco Grosso” Lopes, “Tocha”, “Luiz do Triangulo”
foram figuras de liderança e destaque dos combates. As narrativas conseguidas
na região sobre a participação destes homens neste conflito dariam para escrever
no mínimo três artigos como este.
Com a morte de
João Pessoa em Recife, a deflagração da Revolução de 30, com a chegada ao poder
de Getulio Vargas, a maré muda de lado e o conflito se encerra. Logo tropas do
Exército ocupam Princesa e José Pereira foge e fica incomunicável durante anos.
Anos depois chegou a ocupar uma cadeira no legislativo estadual paraibano.
Não deixa de
ser interessante observar como estes fatos ainda se mantêm ativos na memória da
população do lugar, mesmo entre os mais jovens e de como fora desta região este
conflito é praticamente desconhecido.
Sobre os
participantes do caso Meia-Noite, sua amada Zulmira, razão do seu retorno para
uma região tão perigosa, onde veio a morrer, foi em pouco tempo liberada da
prisão e voltou para o convívio de sua família no Saco dos Caçulas. Logo,
devido ao volume de sua barriga, ficou claro que a mesma estava grávida. Não
sabemos exatamente o que ocorreu com a jovem, a sua relação com a família, com
a gente do seu lugar e nem o nome do seu filho. Poucos descendentes de seus
familiares ainda vivem na região e apenas apuramos que após o nascimento do seu
filho, ela se mudou para Campina Grande, onde casou, teve outros filhos e já é
falecida.
Marcolino
Pereira Diniz não soube expandir as inúmeras riquezas recebidas como herança do
seu pai, o coronel Marçal e morreu na pobreza. Antes disso, porém, teve seu
amor pela sua amada esposa, conhecida como “Xandu”, imortalizado na música
“Xanduzinha” e interpretada pelo inigualável Luiz Gonzaga.
Manuel Lopes,
o “Ronco Grosso” viveu inúmeras situações de perigo, atribulações. Mas Lopes
Filho e Antonio Antas afirmam que ele proliferou, teve vários filhos, os viu
crescer, assistiu o nascimento de vários netos e morreu na tranqüilidade de sua
velhice.
Sobre “Tocha”
sabemos que o mesmo seguiu para o sul do país, falecendo idoso na cidade
paulista de Cubatão.
Segundo
Anastácio Moraes e Antonio Antas, a única pessoa que realmente ganhou alguma
coisa nesta história toda foi o humilde e honrado agricultor Olegário Bezerra,
que seguiu a risca o que Meia-Noite lhe pediu.
Dedicatória – Dedico
este trabalho a André Vasconcelos, a quem tive oportunidade de convidar para
participar do recente trabalho que realizamos junto ao pessoal da TV Brasil e
que em 5 de setembro de 2013 estará na telinha. Desejo a ele igualmente um
ótimo trabalho com a TV FUTURA. Parabéns.
Enviado pelo historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros
http://tokdehistoria.wordpress.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com