Por Fernando Ferreira (*)
Rio de
Janeiro, 23 de setembro de 1977
“Jornal do Sertão”, “Casa de farinha”, “Viva Cariri”, “Segunda feira”, “Casa
grande e senzala” são alguns dos títulos da importante carreira do cineasta
Geraldo Sarno, como documentarista do Nordeste brasileiro. É forte a corrente
que o considera inexcedível nesse campo, onde faz arte e ciência com uma
absoluta honestidade e uma tranqüilidade clarividência. Seus são alguns dos
mais belos e mais límpidos documentários que se fazem atualmente no mundo.
Essas qualidades não se antegorizaram com seu primeiro longa-metragem de ficção
– “O sítio do pica pau amarelo” – onde fez um Lobato parecido com os filmes de
Geraldo Sarno e por isto muita gente torceu o nariz.
Coronel Delmiro Gouveia
Depois de realizar um admirável trabalho de documentação de terreiros de
candomblé, na Bahia (o filme “Iaô”, premiado no último festival de Brasília),
Geraldo ocupou todo o tempo dos últimos meses num longa-metragem sobre a vida
de Delmiro Gouveia, o homem que primeiro fustigou os cavalos adormecidos, em
sono de séculos, da cachoeira de Paulo Afonso, na expressão de Graciliano
Ramos. De origem modesta, Delmiro Gouveia, que nasceu em 1863, foi um inovador
audacioso no comércio do Recife e, posteriormente, quando obrigado por
perseguição política a refugiar-se no interior de Alagoas, um empresário e
industrial que enxergava muito adiante do seu tempo. Extraiu energia das águas
do São Francisco: montou uma fábrica de linhas e de tecidos; construiu
moderníssima vila operária, buscando mão de obra entre os camponeses do Sertão;
organizou, com energia inflexível, um modelo de sociedade de trabalho; abriu
estradas; dotou de luz a cidade de Pedra (hoje Delmiro Gouveia, em Alagoas),
que encontrara paupérrima, em 1903, antes que Recife se despedisse dos lampiões
de gás; enfrentou com altivez e intransigência os concorrentes estrangeiros do
seu negócio. E sonhou com muito mais, até que o mataram, em 1917, sem que até
hoje o crime tenha sido convincentemente esclarecido.
O cineasta que mais documentou o Sertão do Nordeste brasileiro, muito
naturalmente desejou contar a história de Delmiro Gouveia. E o encontro de quem
tanto recolheu a imagem do desenvolvimento com alguém que terá pretendido, quem
sabe, supera-lo com indômita disposição. Geraldo Sarno ultima nestes dias, seu
longa-metragem de ficção “Delmiro Gouveia”. Um dos filmes brasileiros do qual
mais se deve esperar pelo que contém de talento, de verdade e emoção muito
nossa. Geraldo e Rubens de Falco, diretor e ator, falam do filme que fizeram
juntos.
Geraldo Sarno: atiraram no homem para matar a fábrica. Não se sabe quem foi.
FF - Geraldo, como se explica que haja uma tão grande desinformação sobre a
figura histórica de Delmiro Gouveia?
GS - Existe um autor, um dos vários biógrafos de Delmiro, que chega a contar
que, em torno da figura do Delmiro, exista uma “conspiração do silêncio”. Ele
usa exatamente esta expressão. Dizer que existe alguma coisa de orquestrado
neste sentido, é difícil de afirmar. Mas não deixa de ser estranho que uma
figura da importância que ele tem, seja tão desconhecida no País. Eu mesmo tive
o meu primeiro contato com a figura do Delmiro quando me encontrava no
Nordeste, fazendo documentários, com o Affonso Beato e o Thomas Farkas, e que
cheguei a primeira vez em Paulo Afonso, a cachoeira, e lá vi a usininha
pendurado no penhasco do outro lado de Alagoas. E informando-me do que se
tratava, soube que tinha sido a primeira usina feita em Paulo Afonso, no início
do século, por um cara que tinha sido assassinado, que tinha uma fábrica de
linhas de costurar. E foi assim, por acaso, que descobri a existência desse
personagem.
FF - O seu filme procurou situar o personagem central desde os seus primórdios
ou quando se iniciou comerciante de peles, ou foi direto para a cidade de
Pedra, nas Alagoas, onde a obra dele teve a expressão nacional que se conhece?
GS - Não procurei fazer um filme biográfico-histórico no sentido tradicional. O
filme é uma visão de cineasta da vida de Delmir Gouveia e aborda a história do
personagem a partir de um determinado momento de sua vida no Recife, e daí na
sua ida para o Sertão. De toda a formação do grande comerciante que ele já era,
no Recife, a gente tem apenas uma referência através de umas duas cenas, que
são as inaugurações do Derby, o famoso mercado por ele mandado construir e que
logo foi incendiado no final do século, no Recife. Este incêndio inicia, aliás
o filme, que já pega Delmiro, digamos assim, no “tope”, já na sua fase de
oposição à oligarquia do açúcar, sob o comando de Rosa e Silva, então
Vice-Presidente da República. É que essa oligarquia contraditava os seus
interesses de empresário modernizador, de introdutor de um mercado novo, de uma
relação de venda ao consumidor muito mais barata do que permitiam os métodos
daquelas estruturas tradicionais. Assim, ele se chocou com o Governador,
Prefeito e Vice-Presidente, e mais ainda quando da aventura amorosa que teve
com a enteada do Governador, pela qual largou a família e tudo que tinha de
estrutura comercial, raptou essa moça e foi se esconder perto da cidade de
Pedra, junto a um coronel local, Ulysses Luna. E é aí que ele começa uma nova
vida, e desenvolve uma atividade que no torna muito significativo como figura
da nossa História.
FF - Essa nova vida pela qual ele opta, e que se tornou o ponto central do seu
filme, é um corte ou uma reformulação em relação ao passado até que então
vivera?
GS - De uma certa maneira, é um corte. Delmiro foi um desses personagens com
uma capacidade marcante de apagar o passado e se renovar. Ele saiu de várias
falências, de várias derrotas comerciais, soube, de fato, recomeçar a vida
pessoal em vários momentos. O que ele nunca abandonou, o que tornou possível
toda aquela experiência de industrialização, no Sertão, foi exatamente o
comércio de couro que ele não abandonou. Ao contrário, pois o Sertão é que
fornecia, aos comerciantes do litoral, do Recife, e de Maceió, a matéria-prima
de peles e couros, já que os caprinos têm sua maior concentração naqueles
espaços. Indo para Pedra, foi-lhe possível montar, em pleno miolo da região
produtora de peles e couros, uma estrutura comercial, de compra, e também
artesanal, de preparo e melhoria. Através de uma pequena estrada-de-ferro e, em
seguida, do transporte fluvial pelo São Francisco, o produto chegava, então,
até Maceió, onde seguia para o exterior. Desta forma, ele não apenas reformulou
a sua estrutura de compra a exportação de peles, como o fez numa escala e num
nível muito maior do que fazia no litoral.
FF - Em sua opinião, seria possível qualificar-se o Delmiro Gouveia como um
precursor; um visionário ou um emancipador?
GS - Precursor..., sem dúvida; visionário, eu creio que também...
FF - E o que lhe terá faltado para poder ser apontado como um exemplo de
amancipador?
GS - O fato de que sua carreira foi interrompida no momento em que ele se
organizava, no momento em que seu visionarismo conseguia se solidificar em
coisas concretas, como a usina, a cidade que fez, a fábrica, a transformação de
camponeses em operários qualificados. Quando tudo isso atingia seu pleno
desenvolvimento, seu significado maior, ocorre o seu assassinato. O projeto
pára o qual ele partiu, inicialmente, se revelou muito maior quando se
apresentou a possibilidade de associação com capitais americanos para um plano
integrado de investimentos na industrialização, no pastoreio e na agricultura.
Seria qualquer coisa de muito audaciosa, que importava até mesmo na utilização
da energia elétrica de Paulo Afonso até o recife. E foi na intenção desse
grande projeto que ele partiu pára a obtenção das permissões estaduais e
federais que se faziam necessárias. No governo de Pernambuco não estava mais
seus inimigos, da linha de Rosa e Silva, mas ainda assim sua proposta pareceu
suspeita. Talvez ele pagasse, aí, pela atividade de comerciante arrojado, de
atitudes modernas que incluiriam até um certo aventureirismo. Frente a uma cera
ética tradicional da época, a figura pioneira de Delmiro, no Recife, sempre
despertara muitas reservas e daí, talvez, a desconfiança do novo governador,
General Dantas Ribeiro, que julgou pressentir qualquer coisa de “velhacaria”,
na proposta que lhe encaminhava o antigo comerciante de peles do Recife. A mim
me parece, em última analise, que Delmiro é o exemplo de como as classes
empresariais, ou seja, a burguesia, em nosso País, poderiam ter formulado um
projeto nacional independente, já que ele acabou partindo sozinho para a sua
luta.
FF - ...Bem, se não pode, então, ser o exemplo de emancipador de que falei
acima, o seu filme, no entanto, é um filme sobre a nossa emancipação, política,
social, econômica, não é isso?
GS - Ah, sem dúvida. Isto aí não há duvida. Foi algo que assumi com a maior
consciência. Com o já disse antes, acho que ele é uma proposta de superação do
desenvolvimento, com nosso próprios recursos e a mobilização da população do
local, o que é certamente um dado muito importante.
FF - O filme certamente se detém muito sobre a transformação de Pedra em
Delmiro Gouveia. O governo que ele estabeleceu sobre aquela cidadezinha teria
sido, de fato, como se disse, uma demonstração de despotismo pessoal?
GS - Parece que sim. Da mesma maneira que era o comportamento corrente naquele
universo de coronéis. Era, entretanto, um despotismo muito diferente do
autoritarismo dos coronéis vizinhos, pois que visava a uma nova forma social de
vida no Sertão. Tratava-se de uma visão integrada da realidade. Ao mesmo tempo
que ele criava uma fábrica, uma usina, também fazia surgir uma vila operária
onde impunha hábitos de comportamento social, de higiene, de igualitarismo. E
reconhecido o fato de que ele não permitia a exploração do operário, no plano,
por exemplo, da compra de bens de primeira necessidade. Ela mantinha um armazém
abarrotado de farinha, de charque. Então, quando os comerciantes apareciam na
feira semanal de Pedra, tentando impor um preço acima do que ele achava justo,
o razoável, ele abria o seu mercado para criar a concorrência e baixar os
preços. Ele não permitia, por exemplo que a feira, na idadezinha, vendesse coisa
alguma antes que se hasteasse uma bandeira na fábrica, sinal de que o último
operário já tinha recebido o seu salário. Significava, então, que o operário
podia concorrer na compra dos produtos igual que outros habitantes. Tinha,
pois, um tipo de preocupação que era, no mínimo, estranho para a sua época, o
seu meio e aquela região. Como ele viajou pelo exterior, com o objetivo mesmo
de adquirir equipamentos e atualizar-se, ele estava ao par do moderno em
matéria de industrialização. Em pleno isolamento do Sertão, ao conseguir formar
operários-técnicos, Delmiro evidentemente tinha que oferecer-lhes condições de
fixarem-se lá e os benefícios sociais que lá implantou terão tido certamente
este objetivo.
Das biografias e depoimentos a seu respeito, não se recolhe uma formulação
teórica der Delmiro como de um novo capitalismo. Ele era visto como um
empreendedor, um empresário moderno, um coronel-empresário moderno,
progressista seria o termo mais correto para isto, mas no seu sentido prático,
não no ideológico, no teórico. Ele era o homem que sabia ver as coisas e
realizá-las; era o homem de ação mais que de pensamento.
FF - Como você planejou a narrativa cinematográfica dessa história verídica, de
modo a propor uma reflexão capaz der trazer um esclarecimento para o
expectador?
GS - Nós articulamos, o Orlando Sena e eu, que trabalhamos juntos, no argumento
e no roteiro, um filme em quatro episódios. Na verdade, três episódios, e um
epílogo. Quem comanda e narra o primeiro é a moça que foi com ele para o
Sertão, interpretada pela Sura Bernichewski; a segunda é comandada pelo Jofre
Soares, como o Coronel Ulisses Luna, quem libertou o Delmiro de uma prisão no
Sertão, na qual foi parar por uma vingança do Governador, seu inimigo; o
terceiro episódio é comandado por um seu sócio, uma síntese dos sócios,
assessores e advogados com quem Delmiro lidou. Interpretado pro Nildo Parente,
Lionello Iona, esse sócio, é, ao mesmo tempo, um contraponto, um alter-ego do
Delmiro e será ele quem vai realizar a oposição final a Delmiro, quando lhe é
feita a proposta de associação e compra pelos ingleses. É o Iona quem simboliza
essa posição de associação e quem vê a destruição próxima. E tem o epílogo, que
vem após a morte de Delmiro, que é a história da fabrica pós a morte dele. Esta
parte é conduzida por um operário, ex-camponês e que é feito pelo Zé Dumont e
se chama, no filme, Zé Pó. Como no caso do Iona, não houve a intenção de
repetir o verdadeiro Zé Pó, que também existiu.
FF - Geraldo, quem matou Delmiro Gouveia?
GS - Olha, é difícil você afirmar. Há várias versões: a dos biógrafos, as
correntes na região... Poderia lhe narrar a que me foi contada no clube
operário, na Vila de Pedra, por um velho operário, hoje morto, e que conheceu
Delmiro quando criança – chamava-se ele Pedro Campina e contou-me a sua
história chorando, ali no meio de quase cinqüenta operários. São muitas as
versões. Talvez a mais aceita seja a de que teria sido um coronel inimigo de
Delmiro, com quem ele tinha tido questões de terras, um coronel chamado Zé Rodrigues,
que o teria mandado matar com o acobertamento de algumas figuras, uma,
sobretudo, chamado Capitão Firmino, que morava na Vila de Pedra. Inclusive
foram presos três homens, que foram maltratados e que confessaram. Hoje apenas
um deles vive e nega esse assassinato. É difícil dizer quem mandou matar. O
filme, aliás, não se detém nesse lado policial. Na verdade, o filme responde é
à pergunta de a quem aproveitou a morte de Delmiro Gouveia. Para mim não há
duvida: atiraram no Delmiro para matar a fábrica.
Rubens de Falco: sou um ator empostado. Gosto de personagens que viveram no
passado.
FF - Rubens,
gostaria que você situasse a sua compreensão do personagem do Delmiro Gouveia.
RF - Bem, tentando reconstituir um pouco como as coisas se passara:
evidentemente, foi-me apresentado um roteiro, por sinal muito bem elaborado, no
qual a figura de Delmiro Gouveia aparecia não como um herói, mas como o
resultado de várias visões sobre a sua personalidade: a da menina com quem ele
fugiu; a do coronel que o introduziu no Sertão; a do sócio que o acompanhou
durante a vida inteira; a do operário que foi a resultante de tudo o que ele
fez. Embora, no tema, o filme nada tenha ver com o filme japonês “Rashomon”, a
proposta narrativa tem com ele alguma semelhança; bem, a partir desse roteiro,
eu comecei a estudar mais detidamente o personagem, do qual, no entanto,
existem relativamente poucas informações, em biografias um pouco romanceadas,
algumas das quais me foram dadas, para leitura, pelo Geraldo Sarno. Li,
mastiguei aquilo tudo e daí começamos um trabalho que, a partir de um fato
histórico recente, chegasse a uma ficção que se situasse o mais perto possível
de quem foi Delmiro Gouveia. Dentro desse quadro de várias versões, a
personagem mesma de Delmiro Gouveia surge como uma espécie de catalisador do
quadro histórico apreciado e analisado.
FF - Resultou, sem dúvida, um trabalho muito fascinante...
RF - Claro. Mas o mais importante para mim, como ator, foi tomar conhecimento
deste homem do qual conhecia apenas o que me informara um pequeno documentário
sobre ele. E, de repente, alguém me diz: “Você vai ser o Delmiro Gouveia”. Foi
uma sorte, especialmente para mim, termos ido fazer locação lá mesmo onde
Delmiro Gouveia levantou a sua obra, o que nos envolveu, equipe e elenco, de
uma maneira total. Usei, então, um sistema de que a gente se vale muito no
teatro, onde sempre se tem ensaio de mesa. Lia e relia o roteiro, voltava a
passagens que me haviam escapado e fui me integrando dentro do espírito deste
homem, que tinha o seu lado déspota, de coronel do interior, talvez como um
meio para realizar os fins pretendidos. Não sei se ele tinha consciência exata
do que iria fazer; uma coisa, porém, é certa – ele tinha consciência do que
estava fazendo no momento, que era a preocupação de dar um valor social àquela
gente do sertão, como parte da obra que ambicionava. Para isto, precisou muitas
vezes ser um homem duro.
FF - Então, na sua visão, admirar Delmiro é possível ou se deve mesmo fazê-lo?
RF - Eu acho que só se deve admirar. Acho que o mundo, a vida, as pessoas, pos
objetos, obedecem sempre a ciclos. Quem sabe se, nos 70 anos que se passaram –
aliás 60 – quem sabe, então, não estamos atravessando, neste momento, algo
parecido à época de Delmiro, já que tanto nos preocupamos, cada vez mais, com o
que se pode fazer com esta terra nossa. E é justamente aí que reside a
oportunidade do filme, o seu momento exato, de fazer ressurgir este homem que
representa uma vontade nacionalista.
FF - Pode-se concluir, então, que este personagem tem um significado especial
em sua carreira de ator?
RF - Olha, eu comecei a fazer teatro muito cedo, minha carreira já vai
completar 26 anos. Fui formado na rigidez do TBC e na dos Jograis, de São
Paulo. Nestes 26 anos, devo ter feito algumas coisas boas: a primeira foi ter
optado por fazer algo que gosto de fazer; a segunda foi ter feito parte dos
Jograis, de São Paulo; das peças de teatro que fiz, muita coisa foi boa, muita
coisa não – eu gostei muito de um trabalho com o Glauce Rocha, que foi a peça
“O exercício” – e, em cinema, fiz muita porcaria. Considero, entretanto, que um
filme que fiz foi bom, o “Tempo de violência”, do Hugo Huznet, talvez um filme
que tenha chegado cedo demais – seria um filme para os dias de hoje. Represando
esses 26 anos, acho que eles valeram a pena se me foi dada a oportunidade de
fazer algo que não diria definitivo, pois nada é definitivo, mas algo que, como
ator, pelos menos no cinema, em coloca numa posição mais séria, mais
preocupante, mais participante. Depois de “Delmiro Gouveia”. De fato, tenho que
pensar muito sobre o que vou fazer em cinema e sobre o que eu, realmente, quero
fazer.
FF - Os personagens da época são constantes na sua carreira, não é verdade?
RF - Bem, eu costumo dizer que sou um ator empostado. Por isso, sei que me dou
bem com os personagens que viveram no passado, conheço os meus recursos e tive
uma formação teatral muito sobre peças ditas “de época”. O passado, em “Delmiro
Gouveia”, foi recriado com muito talento, com a diferença de arte entregue ao
Anísio Medeiros, que é um dos melhores da sua especialidade. Mas, sei lá, acho
que a gente conseguiu essa colocação sem muito se preocupar em assumir um
comportamento de “filme de época”. Também o processo de envelhecimento do
Delmiro não apelou para a maquilagem pesada, apenas a gente foi procurando dar
uma expressão mais corporal, na postura física, na maneira de andar ou de
articular, que, no caso, expressariam m ais o interior do personagem. O
resultado tão satisfatório desse processo somente foi possível porque todos, no
elenco, setiamo-nos num trabalho conjunto, muito na base do papo, muito na base
da crítica sadia. Acho que isto só se tornou possível – e tinha que ser assim,
era ler o roteiro e ver – pelo comando tranqüilo e muito aberto do Geraldo
Sarno, sempre pronto a ouvir e discutir, sempre muito educado, mas muito seguro
das suas intenções. Considero um privilégio, nesta altura da minha carreira,
ter trabalhado com este moço cineasta. Acho que o “Delmiro Gouveia” vai fazer
época, sem trocadilho; e penso que influenciará até mesmo outros cineastas pelo
que contém de novo, de oportuno, apreciando livremente, abertamente a realidade
da história do homem brasileiro. Foi um bonito tempo de trabalho.
(*) Jornalista
http://memo-delmirogouveia.blogspot.com.br/2008_11_16_archive.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com