Por Antonio Corrêa Sobrinho
Este, sem
dúvida, foi um dos primeiros repórteres, senão o primeiro, a acompanhar “in
loco”, ou seja, no palco e no calor dos acontecimentos, o combate de forças
policiais ao cangaceiro Lampião.
Repórter do jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro, foi em 1931 enviado ao sertão
da Bahia, para, como representante dos “Diários Associados”, cumprir a missão
de acompanhar as forças militares, da Polícia com auxílio do Exército, na
Campanha promovida pelo governo baiano, contra o terrível o cangaceiro Lampião
e seus subordinados, a exemplo do famanaz Corisco, que ali sistematicamente
aterrorizavam as populações. Para, ao mesmo tempo, transmitir aos leitores as
suas impressões colhidas, estas que resultaram nas reportagens publicadas pelo
sobredito jornal carioca, reproduzidas pelo “Diário de Pernambuco”, em cujas
páginas extraí os octogenários porém valiosos artigos, os quais trago aos
amigos, em partes, para conhecimento e deleite.
Vitor do Espírito Santo, jornalista que, por sinal, um ano antes, em 1930,
publicou na imprensa uma sensacional reportagem sobre a sublevação de José
Pereira, no chamado Território livre de Princesa, na Paraíba.
Não poderia deixar de, aqui, por fim, por lamentável, registrar que pesquisadores
seguintes, autores de famosas obras sobre a história do cangaço, a exemplo de
Ranulfo Prata e Frederico Maciel, obtiveram deste Vitor do Espírito Santo
informações, impressões e pareceres, como, por exemplo, o relato do ataque de
Lampião à cidade de Aquidabã, em Sergipe, injustamente deixaram de mencionar,
como fonte, o nome deste “formulador de história”, o jornalista Vitor do
Espírito Santo, que, justamente, chegou a ser redator-chefe do “Diário da
Noite”, época de Rubem Braga e Ari Barroso como seus colunistas.
Imagem, extraída do sítio na internet Cariri Cangaço, da coluna do tenente Ladislau de Souza, retornando a Jeremoabo/BA, depois de 15 dias caçando Lampião.
"Diário
de Pernambuco" - 03/12/31
EM PLENA ZONA
DE OPERAÇÕES CONTRA O CANGAÇO
Um atentado
que não chegou a consumar-se na via-férrea – Na terra de Silvio Romero –
Paripiranga, terra de que Lampião foge atemorizado – A ação nociva dos
“coiteiros” – A estreita camaradagem entre forças do Exército e da Polícia
PARIPIRANGA,
23 (Via aérea) – Estamos desde domingo nesta aprazível localidade dos sertões
baianos, Paripiranga, que já teve os nomes de Malhada Vermelha e Patrocínio do
Coité, é hoje um município de grande desenvolvimento, possuindo, a
subprefeitura de Cícero Dantas, há pouco a ela anexada, cerca de 40.000
habitantes. É presentemente seu prefeito o sr. João Carregosa, que, assumindo a
direção do município logo após a vitória da revolução, vem procurando dar ao
mesmo os recursos de que necessita.
Paripiranga não teve nunca a visita de Lampião. Os seus habitantes, instruídos
pelas autoridades estaduais, mantêm-se sempre prontos para uma resistência
eficaz, de forma que os bandidos, temendo insucessos, passam ao largo, sem
daqui se aproximar.
Em fins de outubro do ano próximo findo, Zé Pereira, na sua fuga de Princesa,
passou por aqui acompanhado do promotor de Princesa. Fazia-se passar por
negociante e, sob esse disfarce, logrou permanecer aqui alguns dias, adquirindo
roupas e demais objetos de que necessitava, e conseguindo um guia que o levou
para Antas, procurando caminhos onde não pudesse ser surpreendido com encontros
desagradáveis. Só após a sua partida é que se veio a apurar a sua identidade.
Era, porém, demasiado tarde e o povo de Paripiranga lamentou sinceramente não o
ter entregue às autoridades para que recebesse o corretivo de que se tornou
merecedor.
Neste período de regime revolucionário, não fora a recua que tanto mal tem
feito a toda esta parte do Brasil, não fora o banditismo que tanto pavor lança
entre os sertanejos, e o município de Paripiranga teria progredido bastante,
graças à atividade do seu prefeito.
A sede do município compõe-se de algumas ruas calçadas com pedras; edificações
feitas como todas as do sertão nordestino; uma igreja-matriz e uma capela de
pequenas proporções; uma escola pública de frequência média de 62 alunos; dois
mercados, um dos quais (...) do tempo; uma agência telegráfica e outra postal;
casas comerciais, predominando as que negociam com objetos de couro. Um
município enfim onde se pode viver sem sentir-se muito as consequências das
secas, do abandono dos poderes públicos e do banditismo.
SALGADO,
LAGARTO, ANÁPOLIS
Para atingir
esta parte, do estado da Bahia necessário se tornar cortar uma grande faixa do
território sergipano. Já na via-férrea, o comboio entra em Sergipe, passando
pelo seu litoral, para alcançar Salgado, município que se tornou bastante
conhecido em virtude dos banhos sulfurosos ali muito procurados.
O Sr. Arlindo Luz deixou da sua administração na estrada que serve a esta parte
do país traços indeléveis. É devido à sua administração e conforto que ainda
gozam os passageiros do este baiano. Não fora a poeira, abundantíssima durante
o percurso, e a viagem poderia ser classificada de boa, sendo as quinze horas
que viajamos entre Bahia e Salgado transcorridos da melhor maneira, quer nos
vagões simples, quer nos dormitórios de relativo conforto.
De Salgado a Paripiranga são duas horas de automóvel em boa estrada de rodagem.
Atravessam-se, nesse percurso, duas cidades sergipanas: a de Lagarto, terra
natal de Silvio Romero e a de Anápolis, antiga Simão Dias.
Têm essas duas cidades todas as características das cidades do sertão
nordestino: As suas matrizes, os seus casarios brancos, os seus mercados, as
suas praças, os seus habitantes prestativos e hospitaleiros, as suas modestas
pensões.
Em Lagarto, o orgulho do seu povo é o de ser conterrâneo de Silvio Romero, cuja
casa de nascimento me foi mostrada como um objeto de culto. O governo do senhor
Graccho Cardoso dotou o município com ótimos melhoramentos, como seja um
confortável grupo escolar, que se ergue em um dos melhores pontos da cidade.
Em Anápolis, onde um grupo de cinco homens de Lampião tem ameaçado as
propriedades de um dos seus mais abastados fazendeiros, o coronel Pedro Leite,
vi o povo disposto à reação, e possuído da convicção de que combater-se o
banditismo é obra de patriotismo. Tanto nessa localidade como nas demais
sergipanas por onde passei, é patente o entusiasmo pelo governo do major
Augusto Maynard.
UM ATENTADO
EVITADO
A viagem do
coronel João Felix de Souza, comandante da Força Pública da Bahia, à zona em
que se desenvolvem as operações contra o banditismo fora anunciada, há cerca de
um mês. Poucos acreditavam na sua efetivação. Viagem cheia de percalços,
podendo a cada instante os que a ela se aventurassem cair em emboscadas, tendo
seus realizadores de suportar vicissitudes diversas, longos trajetos a pé sob o
sol causticante do Nordeste, má alimentação, água escassa e má, a ver os seus
dirigentes procurarem sempre o conforto e mesmo o luxo dos palácios, não podiam
conceber que o comandante da Força Pública viesse a empreendê-la.
Até mesmo no seio da força houve oficiais que só acreditaram nessa viagem no
momento de partida, ao apresentarem as despedidas aos seus camaradas.
A mim, o coronel João Felix não escondeu um só dos perigos que me iam ameaçar.
Não queria ver-me colhido de surpresa e, por isso, tratou de mostrar-me tudo o
que poderia vir a suceder durante a excursão e o desejo que naturalmente terá
Lampião de emboscar nas caatingas o comandante de forças em operações e os
oficiais que o comandante de forças em operações e os oficiais que o acompanham.
Esses perigos começaram a manifestar-se já durante a nossa viagem por
via-férrea. Não deixáramos ainda o território baiano, quando a perícia do
maquinista do comboio em que viajávamos e os bons freios do trem impediram a
consumação de um atentado, no qual poderia perder a vida muitas pessoas
inteiramente alheias à campanha.
Foi na altura de Esplanada, madrugada alta, que o maquinista lobrigou no leito
da estrada figuras que se movimentavam para colocar grandes objetos sobre os
trilhos. A parada foi tão rápida que todos os passageiros foram despertados
pelo solavanco. Eram três os malfeitores que se empenhavam nessa obra perversa
de descarrilar o trem em que viajava as forças e o seu comandante.
Dois deles lograram fugir. Um, no entanto, foi preso e transportado para
Salgado para dali via Paripiranga, onde seria interrogado devidamente. Antes
mesmo desse interrogatório, o coronel João Felix quis ouvi-lo ligeiramente. O
acusado, um menino de cerca de dezesseis anos, negou-se terminantemente a
declarar o motivo que o levara àquela prática, bem como se tivera ou não
mandante. Nada quis adiantar nesse breve interrogatório.
E nada mais se pôde conseguir, dada a sua fuga verificada nas imediações de
Lagarto. Só se conseguiu saber que reside em Anápolis.
OS “COITEIROS”
Coiteiro é o
nome que se dá aqueles que prestam auxílio aos bandidos. Há os que se entregam
a essa prática movidos pelo terror que lhes inspira Lampião, mas há também os
que o fazem por interesse, visando lucros fáceis e polpudos. Jeremoabo, pela sua
extensão territorial e pela falta de comunicações com os demais municípios do
Estado, é o principal foco de coiteiros. Daí ser a zona mais fecunda de
bandidos.
O coiteiro é o principal auxiliar dos cangaceiros e o maior empecilho da ação
repressora. Enquanto Lampião consegue usar dos coiteiros para os seus misteres
infames, a polícia, olhada com antipatia e não podendo usar dos mesmos
processos territoristas ou pródigos, vê nos mesmos um adversário que não raro
surjam contra a polícia, quando os seus representantes procuram reprimir tais
colaboradores do cangaço.
Os coiteiros não se limitam a dar agasalho e fornecer mantimentos, munições e
roupas aos bandidos. Servem-lhe também de espiões e são mandados a longas
distâncias para observar a ação policial. São espiões que agem sob o pavor ou
antevendo polpudos lucros, ou ainda levados pelos dois motivos. É tal a
nocividade dos coiteiros que qualquer movimentação de tropas chega ao
conhecimento dos “cabras” logo ao seu iniciado.
Para combater os bandidos, as tropas têm como ação preliminar de precaver-se
contra os coiteiros.
UNIÃO DE
VISTAS ENTRE FORÇAS DO EXÉRCITO E DE POLÍCIA
Um dos
elementos que mais inspiram confiança presentemente na campanha contra o
cangaço é a colaboração das forças do Exército. A existência da força federal
entre os que combatem os bandidos parece dar aos sertanejos a certeza de que
não serão praticados abusos e também de que o Exército não permitirá que a
campanha se finde sem se atingir o alvo.
A força do Exército em Jeremoabo, em Anápolis, em Lagarto e Mauá, aqui e em
outras localidades sertanejas. Vemo-los em inteira operosidade em perfeita
camaradagem com seus colegas da Força Pública. Uma estreita união de vistas
entre as forças.
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