Por Sálvio
Siqueira
O Cangaço,
Fenômeno Social, que surgiu na segunda metade do século XVIII, dentro de outro
Fenômeno Social denominado “Coronelismo”. O segundo citado levou, foi à causa,
ou a consequência, da existência do outro.
O Coronelismo
teve sua abrangência em todo território nacional, donde se deu devido ao
prolongamento de suas raízes europeias, trazidas, logicamente, pelos
colonizadores. Em cada setor, região, ou província, como queiram, se alastrou
com sua forma feudal, radical e dominante.
O Cangaço,
fazendo parte, também, desse outro Fenômeno, surgi regionalizado, limitando sua
extensão dentro de uma única região, a Região Nordeste, alcançando sete dos
nove Estados que compõem a mesma. Contrário ao que muitos imaginam, esse
fenômeno ‘nasceu’ na Zona da Mata pernambucana, micro região estadual produtora
de cana de açúcar, migra para o litoral e, aos poucos, segue em direção Oeste
fixando-se na micro região do Sertão, localidade sertaneja que compõem a
maioria dos estados nordestinos ,desértica, com uma geografia complexa e uma
biodiversidade totalmente diferenciada e tendo seu clima semiárido, sendo
acometido por grandes secas, fenômeno natural que causam grandes flagelos à
população.
Isso ocorreu,
a erradicação do banditismo rural, no final, ou logo após, a época em que os
historiadores, dividindo o tempo, a classificaram como “A Época do
Couro”.
Essa migração deu-se devido o Sertão ser mais propício à criação de gado e
criações. Tanto a carne e a pele desses animais eram enviadas para as outras
localidades, principalmente os grandes centros, as Capitais das Capitanias,
como a própria rês era criada, domesticada e enviada para as usinas de açúcar.
Bem, na
continuação, alguns autores tendem a responsabilizar as grandes secas da micro
região, pelo início do banditismo rural. Primeiro foram usados os homens que
trabalhavam para os exploradores, contra outros explorados, em busca de
ampliarem seus domínios. Depois os pequenos proprietários, que tinham suas
propriedades limitando-se com as grandes propriedades, eram coagidos,
espancados e mortos, quando não ‘vendiam’ suas terras aos grandes
latifundiários. Por fim, havia aqueles que prestavam serviços na agricultura e
na criação, manutenção e arreamente dos animais, os Vaqueiros.
Alguns desses
prestavam serviços ‘extras’ aos patrões, exerciam, também, a arte de usarem a
espingarda. Esses ficaram conhecidos na historiografia como Jagunços. Dentre
esses havia aqueles que eram profissionais na matança por tocais, os
Pistoleiros. No decorrer da coisa, alguns jagunços e pistoleiros, vendo o
produto dos seus crimes irem totalmente para as mãos dos coronéis, resolveram
se agruparem e formarem os bandos denominados, mais adiante, de cangaceiros.
Mais tarde, no próprio território sertanejo nasceu a ‘matéria prima’ para o
cangaço. Essa eram os Vaqueiros, homens rudes, fortes, forjados no mais cruel e
perigoso trabalho onde colocavam sua vida em risco diariamente.
Portanto, medo
da morte não existia. Não havendo medo de morrer, matar é apenas um detalhe
consequente, já que é necessário não ter medo, também, para matar.
Os solos desse
bioma, Caatinga, possuem alta variabilidade, com maior ou menor capacidade de
reter as chuvas. A quantidade de nutrientes é influenciada pelas mesmas
características que influenciam a retenção de água. Os solos mais argilosos
retêm mais água e nutrientes, já os de textura mais arenosa tem pouca
capacidade de retenção. Fragmentos de rochas são frequentes na superfície,
resultando em um solo com aspecto pedregoso.
Sendo produto
do meio, os vaqueiros desde cedo que começam a conhecerem a biodiversidade da
região em que trabalham. Era necessário para eles esse conhecimento devido
pancadas, furadas e quedas os ferirem constantemente. Por outro lado, esses
conhecimentos faziam com que salvassem os animais que adoeciam de variadas
doenças regionais.
Para quem
conhece o bioma da “Mata Branca”, sabe que ela é rica em medicamentos, água e
alimento. Essa derivação de conhecimentos serviu muito para os sertanejos,
vaqueiros, agricultores, por fim e principalmente para os cangaceiros, tema
estudado por nós no momento.
Acreditamos
que esse conhecimento foi um dos fatores primordiais que levaram esse tipo de
banditismo rural ter uma existência secular. Juntando-se a ele, vem a
colaboração de políticos, comerciantes, militares, sacerdotes e do próprio
pequeno sertanejo subjugado as ordens do patrão. Portanto, só existiu o
Fenômeno Social Cangaço por ter havido a colaboração em todas as camadas
sociais.
O nome
Caatinga significa ‘mata branca’ em tupi-guarani, fazendo uma referência à
vegetação desse bioma no período de seca, que perde suas folhas e fica com
aspecto esbranquiçado.
Pois bem,
Benjamin Abrahão Botto, homem que conseguiu entrevistar Lampião, o pernambucano
Virgolino Ferreira, o último dos grandes chefes cangaceiros, o qual se destacou
por sua longevidade como tal, entre 1917/18 a 1938, portanto, vinte anos de um
reinado cruel e aterrorizador, em seu próprio habitat, escreve em uma caderneta
uma determinada ‘entrevista’ que fizera ao “Rei do Cangaço” por volta de finais
de 1936 e início de 1937, no sertão sergipano, sobre o que era usado como
medicamentos nos seus homens quando feridos em combate e/ou acidentalmente.
Quantas vezes ele próprio havia sido ferido e como se deu o tratamento.
Biodiversidade
da Caatinga
Rico em biodiversidade, o bioma abriga 178 espécies de mamíferos, 591 de aves,
177 de répteis, 79 espécies de anfíbios, 241 de peixes e 221 abelhas. Cerca de
27 milhões de pessoas vivem na região, a maioria carente e dependente dos
recursos do bioma para sobreviver. Esses números estão sujeitos à correção.
Cerca de 1.511
espécies vegetais já foram registradas nesse bioma, entre as quais
aproximadamente 380 são endêmicas. As principais famílias de plantas são
Cactaceae, Euphorbiaceae, Bromeliaceae e Leguminosae. A maioria das espécies
vegetais da Caatinga possui características xerofíticas que lhes permitem
sobreviver em condições de aridez. As adaptações incluem folhas reduzidas ou
modificadas em espinhos para reduzir a transpiração, queda das folhas durante a
estação seca, plantas caducifólias, raízes profundas para absorver água do
solo, sistema de armazenamento de água modificado no caule e nas raízes e
suculência, tecido especializado no armazenamento de água.
A riqueza de espécies lenhosas é alta, destacando-se a Amburana cearenses, o
cumaru, Anadenanthera colubrina, o angico, Aspidosperma pyrifolium, o pereiro,
Caesalpinia pyramidalis, a catingueira), Cnidoscolus phyllacanthus, a
faveleira, favela, e Myracrodruon urundeuva, a aroeira. Embora menos
abundantes, algumas espécies vegetais são perenifólias, ou seja, não perdem
suas folhas, como a Ziziphus joazeiro, o juazeiro, Capparis yco, o icó,
Copernicia prunifera a carnaúba, Maytenus rígida, o bom-nome, e Licania rígida,
a oiticica. Fora outras espécies.
A suculência é
observada principalmente nos cactos e bromélias.
Sobre as Cactáceas:
O mandacaru (Cereus jamacaru), quipá (Opuntia inamoena), facheiro (Pilocereus
piauhiensis) e xique-xique (Pilocereus gounellei), são alguns dos cactos
encontrados. Entre as bromélias estão à macambira (Bromelia laciniosa) e o
caroá (Neoglaziovia variegata). Esses vegetais geralmente ocorrem em regiões
mais secas, onde os solos são rasos e pedregosos.
O estrato
herbáceo é dominado por ervas terófitas que se regeneram anualmente, e que se
tornam ausentes por um período prolongado do ano, ou dos anos, devido e
conforme as prolongadas secas, aparecendo somente na curta estação chuvosa:
malvas, gramíneas e jetiranas estão entre os grupos mais representativos desse
estrato. Destacam-se Ipomoea sericophylla, a jitirana, e Sida galheirensis, a
malva, aquela que as mulheres fazem o tão famoso “lambedor” para extrair o
‘catarro do peito’.
Entre as
espécies endêmicas da Caatinga estão Caesalpinia pyramidalis, a catingueira,
Ziziphus joazeiro, o juazeiro), Cereus jamacaru, o mandacaru, Bromelia
Laciniosa, a macambira e Mimosa tenuiflora, a jurema preta. E outras e outras
plantas do bioma estudado servem como ‘remédios’. Muitas já são fitorEntre as
espécies endêmicas da Caatinga estão Caesalpinia pyramidalis (catingueira),
Ziziphus joazeiro (juazeiro), Cereus jamacaru (mandacaru), Bromelia Laciniosa
(macambira) e Mimosa tenuiflora (jurema preta).E muitas e muitas outras plantas
desse bioma são usadas como ‘remédio’. Também já existem aquelas que já são
fitoterápicos.
O historiador
Frederico Pernambucano de Melo, referindo Lampião dizendo para o entrevistador,
Benjamin Abrahão, segundo a sua ‘caderneta’, quando perguntado quantas vezes
fora ferido, disse:
“- Ferimento à
bala no braço e na virilha, ambos transfixantes. Esses foram tratados pelo
médico Dr. Mota”. “Ferimento à bala no dorso do pé, transfixante. Cuidado pelos
médicos, Drs. José Cordeiro de Lima e Severino Diniz”. “Ferimento à bala na
omoplata. Tratamento caseiro”. “Ferimento à bala no quadril. Tratamento
caseiro”.
Aqui
ressaltamos um adendo: esse ferimento citado na omoplata, hoje escápula, só se
ele estivesse de costas para o inimigo. Sabemos, pelo próprio historiador
citado que esse ferimento deu-se no ‘Fogo da Fazenda Tigre’, no município de
Floresta, PE. Pois bem, os historiadores, Cristiano
Ferraz e Marcos
De Carmelita Carmelita, em seu livro “As Cruzes do Cangaço – Os Fatos e
Personagens de Floresta”, de 2016, a partir da página 169, descrevem realmente
sobre esse tiroteio ocorrido na dita fazenda, porém, com pormenores exclusivos
capturados pelos mesmos que são filhos do mesmo município.
Lampião,
estando em uma das janelas da casa sede da fazenda, tiroteia contra os volantes
que estavam do lado de fora, e haviam cercado a casa, quando de um descuido, o
“Rei dos Cangaceiros” ao ergue-se, recebe um tiro na altura do peito direito.
Esse projétil, com certeza também transfixou e teve sua saída na altura da
escápula, omoplata. Nós fizemos um longo e explicativo texto contando, ou
recontando, esse episódio da fazenda Tigre, onde Virgolino Ferreira quase vai
prestar contas ao demônio pelo ferimento, onde os senhores podem muito bem
pesquisarem em vários grupos de estudo sobre o cangaço, inclusive no Ofício das
Espingardas. Fizemos esse adendo, não pela localização do ferimento, que na
verdade é importante, mas, por em algumas literaturas esse combate ser colocado
em dúvida. Coisa totalmente sem nexo e de escritores sem responsabilidades que
passam, ou tentam passar, inverdades sobre a História.
Bem, vejamos o
que Virgolino Ferreira, à sombra de frondosa árvore, relatou para o Sírio sobre
as plantas da caatinga:
“Sobre os pés
de pau da caatinga, o cangaceiro lhe ditara uma lista comprida de nomes. Alguns
conhecidos. Outros, menos. De uns poucos, jamais ouvi falar (...) Afinal a
vegetação é farmácia, fonte d’água, de alimento, obstáculo à penetração do
litorâneo, policial ou cobrador de impostos, e trunfo para a ocultação
necessária(...) Está tudo nas páginas da caderneta miúda, na seção “matas”, nomes
arrolados na ordem em que os foi ouvindo no acampamento, tudo em Português,
inclusive o conteúdo dos parênteses que cravou: angico, quixabeira, juazeiro,
baraúna, jucá, umbuzeiro, pau-ferro, aroeira, catingueira, sipaúba, pereiro,
freijó, sassafrás, sacatinga, cedro, mucunã(cipó), bom-nome, salgueiro,
marmeleiro, pau d’arco, bálsamo, umburana, barriguda, embira, calumbi,
rama-branca,, jurema, jurubeba, mororó, rasga-beiço, rompe-gibão, pau-piranha,
caroba, feijão-brabo, faveira, maçaranduba, tingui, quinaquina, pau-santo,
oiticica. Os “espinhos”, essenciais para a composição do ambiente natural da
caatinga, também estão lá: xiquexique, mandacaru, coroa-de-frade, quipá,
facheiro, macambira, caxacubri (agreste), alastrado, rabo-de-raposa. E as
“palmeiras”, por fim, duas apenas, alegria dos macacos que lhe comem a carne
dos coquinhos: Ouricuri e catolé.”
Citando sobre
como, para quê e qual espécie usava-se, o Sírio escreveu o que Lampião disse e
o historiador fez uma minuciosa pesquisa sobre as plantas citadas e sua
indicações:
“(...) o
angico, adstringente e cicatrizante poderoso; o rompe-gibão, também conhecido
por bom-nome ou carrasco, de infuso precioso nos males do fígado, rins, bexiga
e no controle da tensão arterial, madeira indicada para pilão, pião, canga e
estaca, e de que se extrai um carvão apreciado; o pau-piranha, defensor das
vias urinárias; o feijão-brabo, a oferecer os melhores palitos para a higiene
da boca, alvos e flexíveis, a raspa moída e atritada do juazeiro dando
complemento à limpeza como pasta de dentes, sem esquecer seu papel de combate a
bronquite; o sassafrás, valioso contra o sarampo; a umburana, de efeito
diurético apreciável e madeira sem rival para lavra de gamelas e colheres; a
quinaquina, com emprego eficiente nas sezões e febres em geral; a jurubeba,
aliada do fígado desde sempre; o mororó, vermífugo poderoso, além de purgativo
e purificador do sangue; a mucunã e a macambira, a darem socorro ao sertanejo
na seca braba com massa de toxidez aliviada pela lavagem em muitas águas, a
primeira, à segunda, bromélia de espinhos terríveis, cabendo oferecer uma
farinha grosseira extraída da raspagem da “sapata”. Cardápio de emergência de
que fazia parte também a farinho de bró, esmigalhada do Ouricuri. Por fim, a
quixabeira, de uso certo para acudir ferimentos de bala e de faca, traumatismo,
contusões em geral, diabetes, e ainda como tônico, verdadeira farmácia de
portas abertas na chã da caatinga (...).”
Essa relação
sobre ao conhecimento do que há na Mata Branca é bastante relevante para
sabermos a sabedoria que tinha Lampião, não só em estratégias em Guerra de
Movimentos, mas, nos conhecimentos daquilo que seu habitat lhe dava de graça
para se alimentar, matar a sede e curar os ferimentos dos seus homens, da sua
companheira e dele próprio, além de uma barreira natural onde, escondendo-se,
se esquivava dos perigos e/ou armava sua tolda para um breve descanso.
No tocante ao
sertanejo puro, no Vaqueiro nato, esses conhecimentos eram, e é, sua graduação
perante o desenvolvimento de sua labuta diária.
https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste/permalink/944911735717771/
http://bogdomendesemendes.blogspot.com