Material do acervo do pesquisador
Antônio Corrêa Sobrinho
A PSICOLOGIA
DO CANGACEIRO
O BANDITISMO
NOS SERTÕES DO NORDESTE BRASILEIRO
UM ENSAIO
POLÍTICO-SOCIAL
(Especial para o GLOBO)
CAPÍTULO V
O número de
cangaceiros mortos e capturados no curto período de seis meses de dezembro de
1926 a maio do corrente ano, é a prova mais evidente de que a perseguição atual
– é um fato – nos sertões de Pernambuco.
Dos pontos diversos em que se têm ferido os combates contra esses criminosos,
bem como do número de oficiais que têm comandado as forças pernambucanas em sua
perseguição (os quais propositalmente citamos no artigo anterior) evidencia-se
igualmente o que deixamos registrado: - que o chefe de polícia de Pernambuco
tem atualmente todos os pontos estratégicos do sertão guarnecidos de tropa.
Esse número é ainda a demonstração incontestável de que a preponderância de
chefes políticos do interior, protetores de bandidos, terminou felizmente nos
sertões de Pernambuco, graças às enérgicas providências do Dr. Estácio Coimbra.
Temos elementos seguros para poder afirmar que as ordens dadas pelo Dr. Souza Leão
aos oficiais da tropa pernambucana que opera contra os cangaceiros, bem como
aos comandantes dos destacamentos que se acham aquartelados nas cidades e
vilas, são as mais terminantes e positivas nesse sentido, secundando as
determinações do governo. Nenhum chefe político se atreverá mais a proteger
criminosos, nem tê-los sob a guarda e à sua disposição para satisfazer os seus
ódios pessoais, sob pena de perder o prestígio político e sofrer, como qualquer
outra pessoa, os rigores da lei. E a prova temo-la no desgosto (sabemo-lo de
fonte segura) que já está lavrando entre alguns desses chefes, pela atitude
inflexível do governo pernambucano, que não cederá neste ponto a influências de
espécie alguma.
Infelizmente não podemos dizer o mesmo relativamente a todo o sertão do
Nordeste. Se é exato que o chefe de polícia de Pernambuco tem conseguido eficaz
auxílio de quase todos os seus colegas de outros Estados que assinaram o
convênio de 1926, não é menos certo que a solidariedade estabelecida por esse
convênio está sendo altamente prejudicada com o rompimento de um deles.
Sabe-se aqui no Rio, por telegramas de notícias vindas do Norte, que o Estado
do Ceará tem deixado de cumprir os compromissos assumidos, constando mesmo que,
por imposição dos chefes políticos locais, o governo daquele Estado não
persegue mais “Lampião” e os celerados que o acompanham, como fizera no começo
da campanha, com o resultado magnífico que já deixamos assinalado.
Ainda há poucos dias o vespertino “O GLOBO”, de 22 de agosto findo, publicou
dois longos telegramas procedentes de Fortaleza, sob as epígrafes: “O Nordeste
assolado pelo banditismo. – Aracaty e Cascavel ameaçadas por Lampião”. Dos
quais extraímos os seguintes períodos:
“Está confirmada a notícia de haver sido avistado, na vila de Palhano, distante
7 léguas de Aracaty, um grupo de 15 cangaceiros chefiados pelo já célebre
Massilon, que separou-se de “Lampião”.
Aracaty está transformada numa praça de guerra, passando a noite vigiada por 30
homens armados, custeados pelo comércio local, que arca com mais esse imposto
forçado porque o presidente Moreira da Rocha recusou enviar forças policiais
para garantia da população, sob o fundamento de não acreditar que a cidade de
Aracaty seja atacada pelos bandidos.
A cidade de Cascavel, situada próximo à capital, está sendo abandonada pela
população, pois que o grupo do facínora Massilon se acha a três léguas de
distância.”
Estas notícias foram confirmadas por um outro telegrama procedente do Maranhão
(estado que não fez parte do convênio e, portanto, insuspeito), publicado no
vespertino “A Esquerda”, de 23 de agosto, sob a epígrafe: – Os bandoleiros no
Ceará. – A irritante atitude do presidente Moreira da Rocha.
Ei-lo, textualmente:
“MARANHÃO, 25 – Todos os jornais desta capital inserem notícias sobre os atos
de banditismo praticados pelos vários grupos de bandoleiros no estado do Ceará.
Passageiros procedentes de Fortaleza narram o êxodo das famílias residentes na
fértil zona do Jaguaribe e unanimemente censuram o descaso do presidente
Moreira da Rocha. Acrescentam que os bandidos estão amparados pelos chefes
políticos do interior em destaque no situacionismo local.”
Novos telegramas, procedentes de Fortaleza e de Jaguaribe-Mirim, foram aqui
publicados pelo “GLOBO”, noticiando que a fazenda Michael fora assaltada pelo
bandido Massilon, achando-se gravemente enfermo o Sr. Enéas Ribeiro, seu
proprietário, em consequência da surra que os cangaceiros lhe aplicaram; e
mais, que eram conhecidas as pessoas influentes que em Riacho do Sangue se
fizeram protetoras do bando sinistro.
- “Diversos fazendeiros da região jaguaribana (acrescenta o telegrama citado de
Jaguaribe-Mirim) fogem abandonando suas propriedades, cumprindo ao governo do
Estado enviar pessoa idônea, alheia aos interesses locais, para apurar as
responsabilidades dos que protegem o bando criminoso.”
Finalmente, esta vergonhosa proteção acaba de ser confirmada por um telegrama
recente de Fortaleza estampado nos jornais aqui, e comentado pela “A Manhã”, de
14 do corrente, o seguinte gravíssimo suelto:
- “Os vespertinos divulgaram um telegrama de Fortaleza em que se comunica ao
país um fato que nos deve cobrir de vergonha: - a apuração, por meio de um
inquérito, da conivência oficial do Estado na proteção à Lampião.
Ficou apurado, desse inquérito, haver no regimento militar de patentes elevadas
incumbidas de simular a caça ao bandido e seu bando para, no momento oportuno,
facilitarem-lhes a fuga.
Políticos de responsabilidade acham-se envolvidos no caso, o que vem colocar o
governo do Estado numa posição gravemente suspeita, visto como esses políticos
são todos influentes na administração e figuras de destaque no partido
dominante.
Ora, toda a gente se lembra da ação combinada dos governos do nordeste
brasileiro para liquidar de uma vez com o bandido Lampião. E toda gente se
recorda do embaraço encontrado justamente no governo cearense para o êxito da
diligência.
Agora, como se vê, um fio lógico vem ligar os acontecimentos e formar contra a
politicagem cearense uma robusta prova indiciária de conluio.
Explica-se, pois, a inércia sempre demonstrada pelo Sr. Moreira da Rocha na
campanha policial contra os bandoleiros!”.
Diante de tais
notícias, provenientes de fontes diversas e todas concordes, não é mais lícito
duvidarmos de que o estado do Ceará, pelas lamentáveis influências políticas
que desnaturam os melhores propósitos, se tenha desligado dos compromissos do
convênio pernambucano que o seu representante assinou.
De resto, para caracterizar esse rompimento, basta o fato (publicado pelos
jornais de Recife) de ter o chefe de polícia daquele Estado pedido ao Dr.
Eurico de Souza Leão a retirada das forças pernambucanas do território
cearense, quando essas forças iam no encalço de “Lampião” e do seu bando, sob o
pretexto de estarem elas praticando violências contra fazendeiros, tomando à
força cavalos e “armas” (!) dos sertanejos, e outras alegações falsíssimas.
Por uma das cláusulas do convênio, os oficiais comandantes das forças aliadas
tinham o direito de requisitar animais, onde os encontrassem, para perseguição
aos bandidos em fuga, mediante indenização dos respectivos governos aos seus
proprietários, pois não se compreende que os soldados fossem perseguir a pé
bandidos muito bem montados. E, quanto aos excessos atribuídos às forças
pernambucanas, o pretexto era tão calvo, que a sua falsidade decorria do
depoimento de um oficial da própria polícia cearense, o tenente Bezerra, que
combateu ao lado das forças pernambucanas num ataque dos bandoleiros, o qual,
em telegrama dirigido ao major Teófanes Torres, comandante em chefe da tropa
sertaneja, elogiava a bravura e disciplina dos soldados pernambucanos.
No ataque de “Lampião” à cidade de Jardim (Ceará) à frente de 80 celerados,
foram ainda as forças pernambucanas, comandadas pelo bravo sargento Arlindo
Rocha, que livraram aquela cidade do morticínio e do saque, oferecendo combate
ao bando sinistro, no qual morreram 4 bandidos, fugindo os demais em debandada.
O procedimento desse inferior foi de tal natureza, que as autoridades
judiciárias de Jardim, grande número de comerciantes e até eclesiásticos,
telegrafaram ao Dr. Estácio Coimbra, governador de Pernambuco, pedindo-lhe a
promoção do sargento Arlindo, pelo denodo e correção de que deu provas. E o Dr.
Estácio atendeu o pedido imediatamente, promovendo a tenente o referido
sargento.
Pois bem: - não obstante tais e tantas demonstrações de pessoas graduadas do
próprio estado do Ceará, em favor da disciplina dos oficiais e praças de
Pernambuco, o chefe de polícia daquele Estado pediu a retirada das forças pernambucanas
do seu território, sacrificando assim uma campanha patriótica tão bem começada,
e assumindo com essa atitude uma tremenda responsabilidade perante a Nação pelo
malogro dessa campanha.
Justiniano de
Alencar
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