Por Benedito Vasconcelos Mendes
Benedito Vasconcelos e sua esposa Susana Goretti
A Fazenda
Aracati era uma propriedade de criar gado bovino, ovelhas e cabras, de meu avô
paterno, José Cândido Mendes. De janeiro a setembro, meus avós ficavam
nesta fazenda cuidando do gado e fazendo queijo de coalho e manteiga da terra
(manteiga de garrafa). Os últimos três meses do ano eles passavam no Sítio
Frecheiras, na Serra da Meruoca, produzindo rapadura, farinha e goma de
mandioca.
A
ampla e bem equipada cozinha da casa-grande da Fazenda Aracati tinha um grande
fogão à lenha, com trempe de cinco bocas e um forno de tijolo, de formato
semiesférico, para assar bolo e carnes, especialmente perus e galinhas caipiras
recheados e coxão de porco. A cozinha tinha duas portas (a dos fundos e uma que
dava para um dos alpendres laterais e duas janelas em paredes diferentes, onde
uma abria para o quintal e a outra para o alpendre). Ao lado do fogão, duas
cantareiras. Uma de alvenaria, com duas grandes jarras de barro, de boca larga,
com água para o gasto. A outra cantareira era de madeira e suportava dois
pequenos potes, com água para beber. Todos estes recipientes tinham as bocas
cobertas com tecido de algodãozinho, com elástico e com tampas de madeira. Vizinha
às cantareiras estava uma bancada de alvenaria com uma grande pia de lavar
louças, no centro. Encostado à parede, em frente ao fogão, próximo à porta dos
fundos, ficava um pilão deitado de três bocas (uma para pilar milho, a do
meio para fazer paçoca de carne seca e a outra boca para pilar café, torrado no
caco de barro). Uma das janelas da cozinha (a que se abria para o
quintal) dava para um jirau feito de pau-branco, que era usado para secar as
panelas de ferro, tachos de cobre e as panelas de barro. As duas robustas
prensas de miolo de aroeira, de dois fusos, para prensar queijo, situavam-se
próximas à parede, ao lado da porta dos fundos. Os cinchos de madeira, de
formato retangular, eram para queijos de cinco quilos.
Durante o dia, as janelas e as bandas de cima das portas da cozinha permaneciam
abertas. Presos a tornos de aroeira chumbados na parede, observava-se o
abano, a urupema, a colher de pau, a quenga de coco com cabo, o coador de café,
o pano de coar água, o ralador de coco, o ralador de milho verde, a tábua
de cortar queijo, a tábua de carne, um cesto de aselha cheio de panos de queijo
(feitos de algodãozinho, para enrolar os queijos durante a prensagem) e algumas
cuias e cuités. As panelas e a chaleira de ferro, a cuscuzeira de ágata, os
tachos de cobre de diferentes tamanhos e as panelas de barro ficavam sobre uma
grande mesa retangular de cedro, encostada na parede. Esta mesa não tinha
cadeiras nem bancos. Era usada somente para guardar, sobre ela, panelas, caco
de barro para torrar café, tachos e, também, para a preparação de queijo,
manteiga e alimentos em geral, para o pessoal da casa. Em suas duas grandes
gavetas, guardava-se os talheres, a faca de carne (faca peixeira de 12
polegadas), a machadinha de cortar osso e as louças (pratos rasos, pratos
fundos, pratinhos de doce, xícaras e pires). Sobre o fogão, suspensos nos
caibros, dois cambitos de cinco ganchos, que eram usados para pendurar os
coalhos de boi salgados. No processo de fabricação do queijo de coalho, a coagulação
do leite era feita com coalho de boi (parte do estômago, denominada abomaso).
Cada corda de tucum, que sustentava o cambito, atravessava o centro de uma
cuité, para evitar a descida de ratos. Era interessante observar que a cozinha
tinha o cento livre, onde tudo era distribuído radialmente, junto às paredes.
Também não tinha cadeiras, com uma única exceção, a cadeira da minha avó, que
ficava em uma das cabeceiras da mesa.
Os grandes e deliciosos queijos de coalho, pesando aproximadamente cinco quilos
cada, depois de preparados sob a supervisão de minha avó, eram prensados
envoltos em tecido de algodãozinho (pano de queijo), nas prensas de dois fusos.
Depois de prensados, para escorrer o excesso de soro, que caía em gamelas de
madeira, feitas de gameleira, eram desenrolados para cortar as aparas, as
quais eram saboreadas por aqueles que estivessem no momento na cozinha.
Os queijos eram colocados para curar nas tábuas de queijo, que ficavam
penduradas por grossos arames nos caibros da cozinha. Cada arame, que sustentava
a tábua, passava pelo centro de uma cuité, com a boca para baixo, para evitar a
descida de algum rato, que por ventura existisse no telhado da casa.
Depois de curados, os queijos eram armazenados mergulhados na farinha, dentro
de grandes caixões de cedro. Para a produção de manteiga da terra, a nata era
batida em uma batedeira de madeira. Depois de pronta, a manteiga era
acondicionada em garrafas escuras, muito bem limpas e secas. As rolhas de
sabugo de milho eram flambadas em um tição com chama (pedaço de lenha acesa),
para matar fungos e bactérias e, assim, evitar que a manteiga se estragasse. O
soro que sobrava do processo de fabricação de queijo era fornecido aos porcos e
cachorros.
Diariamente, minha avó fazia um potinho de barro de coalhada (cerca de 5
litros), que era servido no jantar, adoçada com raspa de rapadura e misturada
com cuscuz ou farinha de mandioca.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzagueano José Romero de Araújo Cardoso
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