Por Rostand Medeiros, Pesquisador
O Ouro dos Cangaceiros para Yolanda
Recentemente estava realizando um trabalho de pesquisa histórica para o
SEBRAE-RN, que consistia em buscar informações sobre uma determinada cidade do
interior do Rio Grande do Norte. Utilizava como uma das fontes de pesquisa uma
série de fotografias que tirei das páginas já amareladas e frágeis, de velhos
jornais potiguares arquivados na hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte.
Coronel Antônio Gurgel filho e esposa que foi prisioneiro de Lampião
Buscava informações relativas ao crescimento demográfico, questões políticas,
fatos relativos à história desta urbe e outros fatos. Observava as fotos
atentamente, quando uma manchete me chamou a atenção. Impresso no extinto
jornal “A Republica”, na edição de 8 de outubro de 1933, um domingo, temos uma
matéria de página inteira, com o destacado título “A História de um
Cangaceiro”. Evidentemente que parei e comecei a ler este material
atentamente.
O artigo é assinado pelo respeitado advogado Otto de Brito Guerra. Este era
sobrinho do coronel Antônio Gurgel do Amaral, (foto em família) o mesmo
que foi capturado por membros do bando de Lampião quando este seguia
comandando, em julho de 1927, um grupo de cangaceiros para o famoso ataque a
Mossoró.
Diante desta privilegiada aproximação através do parentesco, o autor relata em
seu artigo as diversas agruras que seu tio passou. É descrito como o parente
foi capturado, do valor exigido pela sua libertação, do ataque fracassado do
bando a Mossoró, do carteado que utilizava munição de fuzil como fichas e
outros pontos. Muito do que Otto Guerra comenta neste artigo, foi fartamente
pesquisado e divulgado ao longo dos anos, por diversos pesquisadores que se
debruçaram na tentativa de conhecer mais em relação ao famoso combate na terra
de Santa Luzia e a controversa figura de Virgulino Ferreira da Silva.
Conforme seguia lendo, não encontrava nenhuma informação nova sobre a
permanência do coronel Gurgel em meio aos cangaceiros. Mas aí o autor comenta
sobre a figura do “cabra” chamado Luís. Este jovem cangaceiro paraibano, um
tipo alto, magro e moreno, era afilhado do famoso e famigerado Sabino, o
violento braço direito de Lampião e por esta razão era conhecido como “Luiz
Sabino”. Dizia que havia entrado no cangaço no dia que seu padrinho realizou um
“trabalho” para um potentado do sertão da Paraíba e daí não parou mais.
Em um dia quente, ainda prisioneiro no Ceará, em meio às muitas cogitações
sobre o seu destino, o coronel Gurgel percebeu o jovem Luís Sabino andando um
pouco mais afastado do resto dos companheiros, de cabeça baixa e pensativo.
Entretanto, ao procurar dialogar sobre o seu passado, o coronel Gurgel percebeu
que não parecia haver uma boa receptividade por parte do jovem cangaceiro e
logo ele buscou desviar o assunto. Em meio a conversa, Luís perguntou.
- O coronel
tem família?
- Tenho sim,
pai, mãe, filhos... E até uma netinha...
- Já têm
netos?
- Tenho.
Otto Guerra
escreve que Luís Sabino fitou o prisioneiro uns instantes, daí abriu uma bolsa,
“dessas arredondadas, cheias de compartimentos, o couro artisticamente bordado,
que o sertanejo nordestino conduz a tiracolo”. Dela tirou um papel amarelado e
entregou ao espantado coronel, uma reluzente moeda de ouro, da época do império
brasileiro.
- Tome
coronel, quando se livrar daqui dê a sua netinha.
- Ora Luís,
isso vale muito. Guarde.
- É... Já me
falaram em sessenta mil réis. Porém eu sei que coisa de bandido não vale nada
não... Tome.
Daí o jovem
cangaceiro saiu cabisbaixo.
O coronel Gurgel relatou ao autor do artigo que o jovem cangaceiro, apesar de
viver entre homens que tinham como característica comum à violência, a
brutalidade e, além de tudo, ser afilhado logo de Sabino, era um membro do
bando que estava sempre próximo aos prisioneiros levados, era extremamente
atencioso e muitas vezes buscou de alguma forma amenizar as agruras dos cativos.
Na famosa foto que registra o bando de cangaceiros de Lampião e os prisioneiros
em Limoeiro do Norte, Ceará, obtida no dia 16 de junho, entre os membros
listados pelo famigerado Jararaca, o cangaceiro que aparece com o número “31”
grifado acima do chapéu de aba quebrada, foi apontado como sendo “L. Sabino”.
Na época que listou os companheiros na famosa foto, Jararaca era então
prisioneiro na cadeia de Mossoró e pouco tempo depois foi morto de maneira
cruel e covarde pela polícia local.
Esta pequena história, simples, sem sangue nem disparos de fuzis, mostra um
outro lado de um bandoleiro que vagava pelos sertões, em meio a um grupo que
vivia do saque e do roubo. Mas que em um certo momento, teve o total
desprendimento pelo vil metal e mostrou um aspecto diferente do que normalmente
é apresentado em relação e estes homens, que Frederico Pernambucano de Mello
chamou de “Guerreiros do Sol”. E todo este fato contado através de uma
reportagem escrita a setenta e seis anos atrás, por um dos mais respeitados juristas
potiguares.
Entretanto.....
Sabemos pela descrição feita pelo próprio Antônio Gurgel do Amaral, em seu
famoso diário, onde ele narra os vários dias de sofrimento junto a Lampião e
seus homens, que o mesmo criou certos laços de amizade com o cangaceiro
conhecido como “Pinga Fogo”. Gurgel descreve-o como um “rapaz de 24 anos, alvo,
muito simpático, maneiroso”. Terminantemente não se encontra nenhuma linha
sobre Luís Sabino.
Sabemos igualmente que no livro do conceituado médico Raul Fernandes, “A marcha
de Lampião – Assalto a Mossoró”, na página 264, da 3ª edição, através de um
relato da senhora Yolanda Guedes, (a criança na foto acima) dita neta do
coronel Gurgel, que informou ter o seu avô recebido do próprio Lampião não uma,
mas duas moedas de ouro de libra esterlina e lhes deu as moedas de presente.
Foi uma suprema deferência, feita não por um cangaceiro qualquer, mas pelo
próprio chefe caolho, que gentilmente regalou a netinha do seu sofrido
sequestrado com estas duas reluzentes lembranças. Ademais as duas brilhantes
peças metálicas nem eram da extinta realeza tupiniquim, mas da suntuosa casa
real Britânica.
Raul Fernandes afirma que Yolanda Guedes lhe concedeu estas informações em uma
entrevista ocorrida no Rio de Janeiro, em 1971. Mas daí vem outra questão...
E agora, em quem acreditar?
Raul Fernandes e Otto de Brito Guerra, já falecidos, eram naturais de Mossoró,
oriundos de famílias tradicionais, foram consagrados professores nas suas
respectivas áreas na UFRN, pesquisadores, escritores e durante suas vidas
desenvolveram muitas outras atividades interessantes. Se para estes dois
iluminares das letras potiguares, homens consagrados no meio intelectual da
terra de Felipe Camarão, contemporâneos ao ataque de Lampião a Mossoró, existe
uma pequena divergência ao contarem sobre a história da “visita” do “Rei do
Cangaço” ao nosso estado, imaginemos então os que buscam conhecer mais deste
assunto oitenta e dois anos depois dos fatos.
Na verdade, tudo que envolve este tema, tão calcado em referências orais, onde
em determinados momentos, vítimas e perseguidores, apaixonadamente se
engalfinharam para fazer prevalecer suas versões dos acontecimentos, escrever
sobre o cangaço é sempre um terreno escorregadio e perigoso para quem o
adentra.
E ainda temos a figura dos ditos “intelectuais” tão desejosos dos holofotes,
das adulações baratas, das bajulações desmedidas, que escrevem livros que foram
produzidos praticamente sem nenhuma pesquisa de campo. Ou ainda dos autores que
se digladiam em querelas bobas e estéreis, sobre temas tão pequenos e inúteis,
como o que acabei de aqui relatar, em um afã de superioridade
desnecessária.
Eu tenho a minha hipótese para o caso das moedas; o coronel Gurgel era uma
pessoa tão especial, tão interessante, que não recebeu nem uma e nem duas
moedas de ouro dos cangaceiros, mas três. Uma de Luís Sabino e duas de Lampião,
uma brasileira e duas inglesas. Daí, se esta hipótese for correta, talvez o
coronel Gurgel seja o primeiro caso de um sequestrado que, ao invés de pagar o
resgate pela sua liberdade, voltou para casa ganhando presentes na forma de
moedas de ouro dos seus algozes.
De repente, cada um pode criar a sua versão.....
Um abraço a todos,
Rostand Medeiros
http://blogdomendesemendes.blogspot.com