*Rangel Alves da Costa
Clã, poder e bacamarte, são três termos que se conjugam para dar feição às forças familiares e coronelistas que se impuseram por longo período na história do Brasil, principalmente nordestina, e que ainda possuem forte atuação nas políticas e disputas locais. O tempo ainda não conseguiu apagar os ranços, os ódios, as intrigas, os sentimentos apaixonados e quase sempre sangrentos.
Com raiz de força desde os tempos do Império até o florescer da República, ainda hoje os seus resquícios são sentidos e avistados em muitas localidades nordestinas. Os livros, as histórias locais e familiares, bem como os anais respingados pelos suores das desavenças e o sangue das lutas, testemunham bem as guerras pelo poder. E tudo gestado a partir de nomes e sobrenomes de peso, famosos, e que ainda hoje causam verdadeiros temores pela mera citação. Por trás dos sobrenomes, todo o livro aberto. Os nomes em si possuem pouca valia ante a herança maior.
Em muitas localidades, as ruas e avenidas, prédios públicos e outras fachadas, dizem bem do enraizamento dos poderosos núcleos familiares. É com se a perpetuação do poder não se contentasse com determinado período de mando – ou desmando -, tendo que se eternizar de modo que o peso de ontem possa influenciar na conquista de domínio das novas gerações. E logo dizem que o prefeito é neto de tal coronel, que o deputado é de tal portentosa família, que o magistrado traz na veia descendência das mais conhecidas. Assim, os desaparecidos vão ressurgindo nos novos, e estes logo cuidando de enveredar filhos pelos mesmos caminhos.
Bisnetos ou tataranetos ainda muito se orgulham das linhagens coronelistas primeiras. O orgulho é tanto e tamanho que, muitas vezes, passam a imitar as ações que permitiram a chegada e manutenção de seus clãs no pedestal do poder. Daí também a utilização dos mesmos métodos violentos e truculentos perante os desafetos, opositores ou qualquer um que diga uma verdade que doa. Nos clãs dos bacamartes é assim: os inimigos devem ser combatidos sem trégua e sem limites. E de prontidão permanecem se as rixas familiares já são de raízes de outros tempos.
Os antigos casarões possuem nas suas paredes os testemunhos dos clãs familiares. Nos retratos antigos, amarelados, porém bem emoldurados, a demonstração da importância e da atuação de determinada família. Ali um patriarca ou matriarca, ali um filho que foi intendente, acolá outro filho que foi juiz de paz, mais adiante outro filho que acumulou, por indicação, diversas funções. Retratos de prefeitos, vereadores, poderosos senhores vindos da mesma raiz e que, no passado, ditaram o viver e a vida de todos que faziam parte de seus redutos. Mas isso ainda é quase nada. Basta que os relatos históricos comecem a surgir para que surjam os espantos.
Espantos estes surgidos pelas formas de aquisição, manutenção e expressão, de todo aquele poder familiar. Parecendo eventos saídos das páginas de Jorge Amado, um entremeado de emboscadas, tocaias, de jaguncismo e capangagem. Ora, a força coronelista nada seria sem a arma, sem a ordem brutal, sem a violência, sem a perseguição e a morte de desafetos. O coronelismo de poder e mando nada seria sem o clavinote, sem o bacamarte, sem o rifle, sem o mosquetão. E também jamais conquistaria espaço sem as vinditas de sangue entre os próprios coronéis e seus asseclas. Mas foi na luta entre famílias poderosas da mesma localidade onde se observou maior violência e de onde saiu o poder que ainda hoje comanda vidas.
Ora, é fácil imaginar o que não faria um latifundiário antigo, um homem de grande prestígio e posses, um senhor reconhecido pelo destemor e valentia, ante a necessidade de se impor perante os demais de igual poder e riqueza. Outra solução não era encontrada senão lançar mão da arma para o ataque. Como o outro coronel não esperava desprotegido ou desatento, então as guerras de fim de mundo vomitavam seus cascavéis. Aquele que se sobressaísse perante o outro, além da desonra imposta consigo levaria o curral eleitoral e um prestígio ainda maior. Ainda assim na certeza que nada chegava ao fim com aquela vitória, pois os revides chegariam e outros inimigos surgiriam para lutar pelo mesmo poder e mando.
Mesmo no seio familiar as vinditas pipocavam. Irmão brigando contra irmão pelo poder, primo com primo, parente com parente. Dentro de uma mesma família, mas uma guerra armada e pronta a explodir a qualquer momento. E por isso mesmo que as famílias foram se dividindo perante os senhores de nomeada. Uma família Pedrosa, por exemplo, vai sendo dividida entre Albuquerque e Cansanção, e estes vindos da mesma raiz, mas a partir de então se tornando inimigos ferozes pelas escolhas.
Em Sergipe não existe mais a profusão da ameaça dos bacamartes como em outros estados nordestinos. Pernambuco, Ceará, Alagoas e Paraíba talvez se sobressaíam tanto nas vinditas pelo poder como pelas lutas familiares, entrincheirando-se entre si. Sobrenomes em guerra, um Albuquerque contra um Cansanção, mas cujo luto repousa na mesma família. O sangue da veia vai se tornando o sangue do ódio.
Escritor
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