Naqueles idos
tempos do cangaço, onde o uso da espingarda e a lâmina aço triangular do punhal
eram uma constante entre as serras, montes, vilas, povoados, pequenas cidades
nas pradarias do sertão nordestino, quem mais se lascava era o agricultor, o
pequeno lavrador que tentava de todas as maneiras manter-se vivo para poder
sustentar sua família.
Ela, em sua choupana, casebre, casa de taipa ou mesmo de alvenaria, foram
constantemente vítimas dos cangaceiros e dos soldados das volantes que os
perseguiam.
Por várias
oportunidades foram tachados de coiteiros sem serem. A coisa não era moleza.
Se, em algum dia quente daqueles um bando de cangaceiros chega-se em sua morada
e pedisse água, após beberem e irem embora, vinda a volantes seguindo seus
rastros, aquela família era considerada coiteira. Aí meu irmão, o cacete comia.
Vejam a situação dessa família: que danado, naqueles tempos, morando nas quebradas do sertão, negaria água, ou mesmo outra coisa, a Lampião e seus
‘cabras’? Ninguém, pois se assim procedesse corria risco de morrer, ser morto,
ou pior, seria testemunha de aberrações praticadas em suas filhas e/ou
mulheres.
Lampião, após
a derrota em Mossoró, RN, no primeiro semestre de 1927, quando a coisa apertou
bastante para seu lado, devido à perseguição, as prisões, mortes e deserções de
muitos de seus homens, devido sua prisão ou morte ter-se tornado prioridade,
numa constante dia e noite, resolve passar vários meses escondido, procurando
viver em locais altos, onde teria uma ampla visão da redondeza em que estava
para evitar ser colhido de surpresa.
Certa feita,
em meados da segunda metade daquele ano, estando ele e sua caterva acoitada na
Serra do Capim, nas proximidades de Triunfo, São Serafim e Flores, local alto,
isolado, porém, de um cume plano e cheio de fortificações naturais, tendo no pé
da serra uma fonte d’água cristalina, seria o lugar ideal para deixar baixar a
poeira, além de estar cercado por fazendas e sítios de inúmeros acoitadores que
poderiam dar o alarma sempre que aparecesse uma patrulha, descia a serra com
seus homens a noite. Primeiro para encherem suas cabaças, potes e moringas com
água, depois para visitarem algum colaborador a fim de comerem. Estando numa
constante vigília, não tinham como fazerem fogo brando para cozinhar, no alto
da serra, a fumaça seria vista de longe, então comiam uma vez por dia, na
noite, em alguma propriedade anteriormente informada.
Dessa vez
vinham toda noite para as terras dos coiteiros Manoel Vicente e major Luca
Donato. A causa das visitas noturnas nessas propriedades, além das citadas
acima, era por naqueles dias, outubro de 1927, ser o tempo das moagens. E cá
pra nós, que somos sertanejos da gema, uma das grandes festas é o tempo de
moagem. E não há sertanejo que não queira estar em uma delas. Tem-se as rodas
das conversas, as moças, os rapazes, a fartura da garapa, do mel, alfenim, da
rapadura e da batida.
Virgolino, como qualquer outro sertanejo, gostava e
curtia as moagens. Muitas fazendas faziam suas moagens para alto sustentação,
outras, vendia parte e o restante guardava para o consumo. No sertão, naqueles
tempos, o açúcar usado, na maioria das vezes, era a rapadura, raspada ou mesmo
partida em pequenos pedaços, para o café, o doce e etc...
Numa dessas
descidas e subidas no Serrote do Capim, Lampião é informado de que Zé Flor,
José Florentino de Lima, casado com a filha do ex cangaceiro do bando de
Lampião alcunhado de “Tamanduá Vermelho”, Clementino José Furtado, ou
simplesmente Clementino Quelé, seu inimigo, está nas redondezas, e arma uma
‘arapuca’, emboscada, para o antigo desafeto. Estando sempre de olho em quem
vinha ou em quem ia pelas estradas ou veredas da caatinga, nota a aproximação
de dois homens. Param estes e os inquirem de onde vem e para onde vão. Após
responderem, Virgolino faz uma ameaça para que não digam a ninguém sobre aquele
encontro. Um dos que foram abordados pelos cangaceiros era o cidadão alcunhado
de Dunga da Barra, Manoel Belarmino de Souza, que tinha como companheiro de
viagem seu irmão, apelidado de Didi, e que fora com quem o chefe cangaceiro
falou.
“(...) Próximo
ao Serrote do Capim foi cercado pelos cangaceiros, enquanto um pegou em seu pé,
os outros tomaram a frente do caminho e Lampião começou a lhe perguntar:
- Quem é você, cabra?
- Eu sou daqui da Barra, sou filho de Belo Souza!
- Tá me conhecendo? (volta a perguntar o chefe cangaceiro)
- Não, senhor! (respondeu Dunga)
- Eu sou Lampião. Vá embora e não diga a ninguém que me viu aqui, pois se disser
eu lhe pego e vou arrancar seu fígado pelas costas! (...).” (“A Maior Batalha
de Lampião” – LIMA, Lourinaldo Teles Pereira. 1ª Edição. Paulo Afonso, BA,
2017)
Quem olhasse
para Dunga da Barra não dizia, nem de longe, o quanto aquele homem de atitudes
calmas e jeito manso, era valente. Depois desse encontro desagradável com o
”Rei do Cangaço”, Dunga fica encucado achando que fora desmoralizado. Para
muitos homens, no sertão do Nordeste brasileiro, é melhor estar morto do que
ser desmoralizado. Em casa de seus pais, refere aos outros irmãos o que se
passou e que queria ir dar uma brigada com Lampião. Lampião, na oportunidade
contava com 16 cangaceiros sob seu comando. Juntando alguns amigos, Dunga e
seus irmãos formam um grupo de, mais ou menos, 14 combatentes. Esses valentes
sertanejos seguem rumo ao Serrote do Capim. Tendo nascido e sido criado nas
imediações, Dunga conhecia o serrote como a palma da mão. Procura levar seus
companheiros por uma passagem totalmente desconhecida por muitos, inclusive
pelos cangaceiros, e os deixa vendo o acampamento e seus ocupantes.
Não conseguem
atirar primeiro, pois tinha um vigia que, vendo o grupo se aproximando em
posição de luta, abre fogo. O som do disparo do mosquetão ecoa por entre as
paredes sólidas do serrote. A cabroeira mete dos pés e começa o tiroteio. De
repente os atacados somem da visão dos atacantes. Pensando esses que a horda
tinha dado costas, mesmo havendo uma baixa entre eles, fora baleado em um dos
braços, adentra e vai até o acampamento cangaceiro onde percebem que, na
pressa, foram deixadas várias coisas, inclusive uma máquina de costura de mão e
outros pertences. Nesse momento, o grupo liderado por Dunga da Barra, se ver
entre um fogo cerrado vindo de várias partes.
Os
cangaceiros, ao recuarem um pouco, se dividem e retornam ao ataque em várias
frentes. A coisa começa a ficar feia para o lado do grupo perseguidor. Não
vendo outra saída, os, agora cercados, atacantes, resolvem furar o cerco para
poderem escapar. Assim ocorre. Gritando e atirando, conseguem abrir uma brecha
e escapam da morte.
Manoel
Belarmino de Souza e seus irmãos eram cunhados do, então, major Optato Gueiros,
que casara com sua irmã Lica. O major ordena ao tenente Miranda que, junto a
uma volante, parta da cidade de Triunfo e vá dar suporte, ajuda, aos familiares
da sua esposa, dando uma busca no Serrote do Capim e vizinhança. Chegando ao
coito abandonado, os soldados volantes descobrem recipientes com mel e garapa
azeda. O tenente desce o serrote e começa apertar os coiteiros dos sítios em
volta. Prenderam os proprietários de engenhos Manoel Vicente e Manoel Conselheiro,
assim como, todos os empregados desses. A lenha desceu nos empregados e patrões
por vários dias, pois a volante montou acampamento nos engenhos. Enquanto
estavam acampados, os soldados mataram, a tiros, todos os animais que tinha na
propriedade. Alguns para servirem de alimento para a tropa, outros,
simplesmente foram abatidos e deixados suas carcaças para as aves de rapina,
além de destruírem parte da casa do engenho.
O coiteiro
Mané Vicente fora preso. Um empregado seu, Nenê Gomes, foi ver como estavam as
coisas no engenho, então foi levado preso da propriedade até a cidade de
Triunfo, PE, apanhando durante todo o trajeto.
Depois de todos esses acontecimentos, Dunga da Barra vai sentar praça... e
transforma-se em um dos grandes perseguidores de Lampião e seu bando nas
quebradas do sertão do Pajeú das Flores.
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